Uma semana foi o tempo que mediou entre as palavras do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, em que considerava a defesa aérea como prioridade para a Ucrânia, e um novo e mortífero ataque com mísseis da Rússia. Mais de 20 mísseis de cruzeiro foram disparados e dois drones foram enviados contra sete pontos do país nas primeiras horas de sexta-feira. As vítimas mortais, pelo menos 25 - cinco das quais crianças -, estavam na sua maioria num edifício residencial na cidade de Uman, atingido por um míssil. Na ocupada Donetsk, as autoridades pró-russas denunciaram um ataque com foguetes que causou sete mortos..Estas investidas marcaram o regresso dos ataques em larga escala e o primeiro com mísseis contra Kiev desde 9 de março (na semana passada foi atacada por drones), embora não tenha havido relatos de vítimas nem danos. A autarquia disse que a força aérea ucraniana intercetou 11 mísseis de cruzeiro e duas aeronaves não tripuladas sobre a capital. E deram-se horas depois de o comandante da Força Aérea ucraniana Nikolay Oleshchuk revelar que o país já tinha ao serviço uma segunda bateria do sistema de mísseis terra-ar Patriot, de fabrico norte-americano..Um pouco contracorrente, na última reunião de Ramstein, o general norte-americano Mark Milley realçara que o mais importante para a Ucrânia não eram aviões ocidentais ou mais tanques, mas a defesa aérea. A Ucrânia não é Gibraltar, pelo que haverá cidades mais vulneráveis do que outras. Foi o caso de Uman, localizada a cerca de 215 quilómetros a sul de Kiev. Nesse bombardeamento morreram 23 pessoas. Entre elas, três crianças e um bebé. A polícia ucraniana informou que 17 pessoas ficaram feridas, nove das quais foram hospitalizadas..O bombardeamento contraria de alguma forma as recentes declarações do chefe dos serviços de informações militares ucranianos. Kyrylo Budanov disse que os russos estavam a guardar os mísseis (e a produzir novos) para quando arrancasse a contraofensiva ucraniana..DestaquedestaquePouco depois do ataque, o Ministério da Defesa russo publicou no Telegram uma fotografia de um míssil com a legenda "Em cheio no alvo"..Do lado de Moscovo, como tem sido habitual perante a destruição de áreas residenciais e da morte de civis, a informação é a de que o ataque visava locais onde se encontravam unidades militares, no caso soldados da reserva antes de serem enviados para o campo de batalha. "O ataque atingiu o seu objetivo. Todas as instalações designadas foram atingidas", disse o porta-voz do Ministério da Defesa, Igor Konashenkov. Além disso, pouco depois de Moscovo ter lançado os mísseis de cruzeiro, o ministério publicou uma fotografia no Telegram que mostrava o lançamento de um míssil e dizia "Em cheio no alvo.".A mensagem provocou a indignação dos ucranianos. "O Ministério dos Homicídios da Federação Russa está feliz por ter atingido um edifício residencial com um míssil e ter morto civis", disse Andriy Yermak, chefe do gabinete presidencial da Ucrânia..No total, a Ucrânia disse ter intercetado 21 dos 23 mísseis de cruzeiro lançados por aviões a partir do Mar Cáspio, bem como os dois drones. Em Dnipro, que em janeiro havia sido alvo de mísseis que mataram 40 pessoas, uma mulher de 31 anos e a filha de dois foram também mortas, tendo quatro pessoas ficado feridas..Perante os ataques, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano afirmou que os bombardeamentos demonstram que o Kremlin não está interessado na via negocial. "Os ataques com mísseis que matam ucranianos inocentes enquanto dormem, incluindo uma criança de dois anos, são a resposta da Rússia a todas as iniciativas de paz", afirmou Dmytro Kuleba..Mais tarde, o chefe da diplomacia disse aos colegas nórdicos e bálticos que a "contraofensiva não deve ser considerada a batalha final", exceto se os resultados o vierem a comprovar. Um pouco na mesma lógica, o ministro da Defesa Oleksii Reznikov comentou que as expectativas relativamente à contraofensiva estão "um pouco empoladas"..Twittertwitter1651905152738115584.Na Ucrânia, mas do outro lado da linha de fogo, o presidente da Câmara de Donetsk, Alexei Kulemzin, nomeado por Moscovo, disse que um foguete ucraniano matou sete civis que seguiam num autocarro no centro da cidade, tendo culpado o exército ucraniano. Os media russos mostraram também o resultado de outros bombardeamentos, caso de uma cratera no estádio da cidade. Segundo o antigo assessor de Zelensky Igor Novikov, há dedo russo: "Cada vez que a Rússia mata muitas crianças e tem uma crise de relações públicas bombardeia Donetsk e tenta atribuir a culpa à Ucrânia.".O Comité para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) das Nações Unidas criticou a Rússia por incitar ao ódio racial e propagar estereótipos racistas contra os ucranianos. Uma situação generalizada "na rádio e TV estatais, na internet e nas redes sociais, bem como por figuras públicas e funcionários do governo", afirmou o comité, que apelou para Moscovo tomar medidas de combate ao discurso de ódio racista..As conclusões foram tiradas na sequência de uma análise efetuada por 18 peritos independentes que analisam a forma como os países aderem a uma convenção internacional sobre a eliminação da discriminação racial. O CERD apelou ainda para Moscovo pôr fim "à prática de mobilização e recrutamento forçados dos tártaros da Crimeia e dos povos indígenas da Crimeia no conflito armado em curso"..A Espanha convocou o embaixador russo devido a um vídeo partilhado nas redes sociais da embaixada que mostrava de forma falsa tropas espanholas a lutar na Ucrânia. O vídeo, publicado na quarta-feira, e entretanto apagado, tinha ainda declarações da ministra da Defesa Margarita Robles a afirmar que as tropas espanholas nunca combateriam na Ucrânia. "Todos sabemos que um país como a Rússia, que está a massacrar cidadãos na Ucrânia neste momento, utiliza todo o tipo de métodos, incluindo a desinformação, para minar a amizade das nações que fazem parte da UE e da NATO", reagiu entretanto Robles..O presidente da Ucrânia revelou ter solicitado ajuda ao líder chinês Xi Jinping no processo de devolução de crianças ucranianas deportadas pela Rússia, cujo número é oficialmente estimado em 19400 por Kiev. "Temos que envolver (...) diferentes países para pressionar o agressor e terrorista russo, que sequestrou tantos dos nossos filhos", acrescentou. Na véspera, o primeiro-ministro Shmyhal pediu ao Papa auxílio neste tema em particular. A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa afirma que a deportação de crianças é uma prática de genocídio pela Rússia..cesar.avo@dn.pt