Morte súbita fez mais uma vítima: Davide Astori

Capitão da Fiorentina tinha 31 anos e morreu durante o sono. Médico Domingos Gomes fala destes casos e da prevenção.
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A tragédia da morte súbita voltou ontem a abalar o futebol. Quando o italiano Davide Astori não se apresentou para o pequeno-almoço, os colegas da Fiorentina estranharam o atraso do capitão e começaram a ligar-lhe. Não atendeu, mas ninguém esperava o que se seguiu: o jogador foi encontrado morto, na cama do hotel, em Udine, onde a equipa da Fiorentina estagiava antes do jogo com a Udinese da 25.ª jornada da Liga italiana, que viria a ser toda cancelada.

O mundo soube da tragédia poucas horas depois, quando a Fiorentina anunciou "com profundo pesar a morte do seu capitão Davide Astori, vítima de uma doença súbita". Tinha 31 anos, era uma referência dos viola e do futebol italiano (ver perfil) e terá morrido de "causas naturais, na sequência de uma paragem cardiorrespiratória", segundo o procurador da República de Udine, que admitiu ser "estranho que tal aconteça a profissionais tão monitorizados e sem quaisquer sinais de risco".

Para o médico Domingos Gomes, essa é uma questão "ainda sem resposta", pois "ainda há muito que estudar sobre o coração do atleta" e "muito para fazer nessa área a nível mundial". De acordo com o antigo médico do FC Porto e do Comité Médico da UEFA, "por vezes só quando o jogador apresenta queixas, se sente mal num treino, desmaia ou tem uma arritmia é que se vai à procura do problema cardíaco". "É assim em mais de 90% dos casos", garante ao DN.

O controlo cardíaco difere de país para país e até de clube para clube. Não existe uma normativa da UEFA que obrigue, por exemplo, a que todos os filiados sigam um modelo de prevenção cardíaca, como no caso do doping ou dos traumatismos cerebrais.

"Portugal talvez seja o país onde o controlo é mais bem feito ou pelo menos onde se tem mais cuidado com o coração", na opinião do médico, que lembra que existe um decreto-lei que obriga a ter um atestado médico desportivo para se competir, mas não especifica os exames, e isso, por vezes, é um problema: "Qualquer médico pode passar um atestado desportivo e não devia ser assim. O exame médico desportivo deve ser feito por especialistas em medicina desportiva e não por qualquer médico ao serviço de um clube."

Que exames deviam ser feitos? "Essa questão, tal como outras, não é unânime. Nos EUA, o exame médico-desportivo só exige a auscultação e há estudos que defendem a mais-valia única desse método. Depois há especialistas que dizem que é importante fazer um exame completo que contenha um eletrocardiograma, a prova de esforço e ecocardiograma. E outros que defendem que basta fazer uma TAC e uma ressonância... Eu defendo que deve haver consciência clínica responsável que esgote todos os meios ao seu alcance para evitar uma morte", respondeu.

Segundo Domingos Gomes, mesmo depois de fazer todos os exames "há uma percentagem mínima, de 6% a 10%, que pode passar sem ser detetada qualquer patologia" que pode levar à morte. Por isso, seja através de exames mais simples ou mais complexos, "importa é arranjar maneira para esgotar todas as hipóteses de detetar potenciais casos e evitá-los".

Uma das formas de o fazer é seguir as diretivas da comunidade científica que se debruça sobre os assuntos cardíacos, "mas muitas das vezes não são cumpridas". Uma delas é que um jovem atleta, dos 4 aos 18 anos, tem de de ser visto uma vez por mês, "mas limita-se a recomendar o eletrocardiograma e por vezes isso não chega".

Domingos Gomes revelou ainda que "há câmaras municipais, como a de Famalicão, Santo Tirso, Porto, Matosinhos, Braga e Guimarães, que já pagam esses exames médico desportivos ao nível da formação", evitando assim "as desculpas de que o exames são caros, e ainda bem, porque uma vida humana não tem preço".

Outros casos de morte súbita

O mundo despertou para a tragédia da morte súbita no futebol a 26 de junho de 2003, quando o camaronês Marc-Vivien Foé sofreu um colapso em pleno jogo da Taça das Confederações. As imagens do jogador a cair inanimado chocaram o mundo, habituado a olhar para os atletas como seres saudáveis.

Meses depois, a 25 de janeiro de 2004, foi Portugal e Hungria a chorar a morte do benfiquista Miklos Féher durante um jogo com o Vit. Guimarães, no Estádio D. Afonso Henriques. Em Portugal, além do caso de Fehér, registaram-se ainda as mortes de Bruno Baião, júnior do Benfica, a 15 de maio de 2004, e de Hugo Cunha (União de Leiria), que caiu inconsciente no relvado aos 28 anos, vítima de paragem cardíaca, quando jogava com amigos, a 25 de junho de 2005.

De então para cá mais meia dúzia de casos abalaram algumas equipas e o mundo do futebol em geral. Em agosto de 2007 foi o Sevilha a sofrer com o adeus prematuro do capitão Antonio Puerta, durante o jogo da Supertaça Europeia com o Milan. No mesmo ano, Daniel Jarque, capitão do Espanyol, morreu quando falava ao telefone com a noiva, durante a pré-época da equipa catalã em Itália.

Davide Astori é o segundo caso no futebol italiano. Em 2012, o médio Piermario Morosini, do Livorno, morreu na sequência de um ataque cardíaco sofrido em pleno estádio, num jogo com o Pescara. Nesse ano mesmo morreram mais dois atletas: o indiano Venkatesh, do Bangalore Mars, e o brasileiro Cristiano Júnior - este último teve um colapso em pleno relvado, depois de um choque com um guarda-redes adversário.

O "feliz" caso de Fábio Faria

Em 2013, Fábio Faria, um jovem de 23 anos, colocava um ponto final na carreira, devido a problemas cardíacos. Tinha contrato com o Benfica, mas jogava no Rio Ave. "A vida é assim. Os últimos exames não correram tão bem como esperávamos", confessou o jogador, que já tinha sido vítima de uma indisposição numa partida da Taça da Liga entre Moreirense e Rio Ave, a 4 de fevereiro de 2012.

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