Morte de jornalista: a prisão de um taxista está a fazer tremer o poder em Malta
Dois anos depois da morte da jornalista Daphne Caruana Galizia num atentado à bomba, o primeiro-ministro maltês, Joseph Muscat, está sob pressão para se demitir. Tudo porque três dos seus mais próximos colaboradores, incluindo o seu chefe de gabinete e dois ministros, que tinham sido alvo das investigações de Galizia, deixaram os cargos e estão a ser questionados sobre a sua ligação ao crime.
A jornalista, de 53 anos, investigava casos de corrupção e irregularidades cometidas por políticos malteses. Foi morta a 17 de outubro de 2017, quando um carro armadilhado explodiu à passagem do seu carro, quando conduzia perto de casa. Em dezembro desse ano, foram detidos três homens - Alfred Degiorgio (então com 53 anos), George Degiorgio (55 anos) e Vincent Muscat (55 anos) sem relação familiar com o primeiro-ministro) -, acusados já em julho deste ano de terem sido os autores materiais do crime.
Mas sobre os autores morais nada se sabia. A detenção de um taxista de 41 anos, a 14 de novembro, pode mudar tudo.
Melvin Theuma, um taxista nas horas vagas que tinha um negócio paralelo de uma lotaria ilegal e terá servido como intermediário nas trocas financeiras por detrás da morte de Daphne, foi detido em meados do mês por causa de um outro crime de lavagem de dinheiro. Mas recebeu um perdão presidencial de George Vella em troca de informações sobre o atentado à bomba e não terá hesitado em falar. Vai testemunhar nesta sexta-feira.
Um dia depois de a notícia da detenção de Theuma vir a público, a polícia maltesa deteve o empresário Yorgen Fenech (o taxista costumava trabalhar junto a um complexo de que ele é dono). A 20 de novembro, Fenech estava a deixar a marina de Portomaso a bordo do seu iate de madrugada quando foi detido pela primeira vez, tendo sido libertado desde então em três ocasiões (uma delas por razões médicas para ir ao hospital), mas novamente preso logo a seguir.
O empresário, CEO do Tumas Group, era um dos alvos de uma das investigações finais de Galizia, mas sempre negou qualquer envolvimento no crime. Agora estará a tentar negociar também um perdão presidencial em troca de informações sobre o atentado e outros crimes.
Terá dito às autoridades que tem informações incriminatórias contra o ex-chefe de gabinete de Muscat Keith Schembri, que se demitiu na terça-feira, e que este lhe terá passado informações quando já estava detido através de um médico que conhece a ambos. O Times of Malta diz que o médico Adrian Vella também está detido.
A Reuters avança já esta quinta-feira que Theuma disse à polícia que o ex-chefe de gabinete terá sido o cérebro por detrás da morte de Galizia. Muscat, um amigo próximo de Schembri, disse aos jornalistas esperar que a investigação fique concluída "nas próximas horas".
Um dia depois de Schembri se ter demitido, Konrad Mizzi, ministro do Turismo (ex-ministro da Energia), seguiu-lhe o exemplo. Uma investigação de Galizia, publicada em 2015 com base nos chamados Panama Papers, revelava que ambos tinham assumido o controlo de empresas sediadas neste paraíso fiscal pouco tempo depois de terem assumido os cargos, em 2013. Mais tarde soube-se que estas empresas iam receber pagamentos de uma outra empresa. Ambos negaram qualquer relação com o crime.
Ao anunciar a demissão, Mizzi, que o fazia "tendo em conta a situação política do país", reiterou que não tinha "ligação nem nada a responder sobre o caso" de Galizia. Schembri, cuja casa foi alvo de buscas por parte da polícia e está detido, estará a ajudar as autoridades e não falou publicamente da decisão de se demitir.
O outro ministro ligado a Muscat a envolver-se no caso foi o da Economia, Chris Cardona, que não se demitiu mas anunciou a sua suspensão do cargo enquanto durar a investigação. Numa declaração disse que não tinha "qualquer ligação" com o caso, mas, depois de a polícia maltesa pedir "novas clarificações" e de ser questionado no sábado, sentiu-se no "dever" de tomar a decisão de se suspender.
As revelações de Galizia em relação aos Panama Papers, e o alegado envolvimento do próprio Muscat, culminaram na antecipação das eleições gerais, para 2017. Mas o primeiro-ministro voltou a ganhar. Agora, pressionado novamente para se afastar, diz que não tem intenções de o fazer. Numa reunião do governo, pediu uma moção de confiança à sua liderança, que foi aprovada por unanimidade, tendo o mesmo acontecido dentro do seu partido, o Labour.
Nas ruas, contudo, a situação é diferente. Na terça-feira à noite o primeiro-ministro precisou de escolta para deixar o Parlamento, com manifestantes a exigir a sua demissão e a lançarem ovos contra a comitiva.
Já nesta quarta-feira, Muscat desafiou a oposição a apresentar uma moção de censura no Parlamento, com o Partido Nacionalista a deixar o hemiciclo em protesto depois de uma troca acesa de palavras entre o seu líder, Adriana Delia, e o primeiro-ministro. Delia questionou Muscat sobre se estava disposto a assumir a responsabilidade política sobre o alegado envolvimento do seu chefe de gabinete na morte de Galizia. "A minha função é garantir que um caso tão grande é resolvido sob a minha vigilância", disse Muscat, citado pelo Times of Malta.
Entretanto, os líderes europeus estão a pedir a Muscat para que se distancie do processo judicial - tem dado conferências diárias sobre o caso. O procurador especial do Conselho Europeu, Pieter Omtzigt, que está a monitorizar a situação, publicou uma carta em que lhe pedia isso mesmo. "As suspeitas de que Muscat tem um interesse pessoal e político na investigação são demasiado fortes para ele estar envolvido [nessa investigação]", escreveu na missiva ao ministro da Justiça maltês.
Notícia atualizada às 12.00 de quinta-feira com acusação de Theuma contra Schembri