Morte de ex-presidente abre novo ciclo de confrontos
A morte do antigo presidente e homem forte do Iémen durante mais de três décadas, Ali Abdullah Saleh, ontem às mãos dos seus ex-aliados houthi vem abrir novo capítulo na guerra civil que grassa há três anos neste país do Mar Arábico.
A morte de Saleh sucedeu na capital do Iémen, Sana, quando se deslocava num veículo blindado numa tentativa de sair da cidade, sendo intercetado por combatentes houthi. Saleh foi forçado a sair e abatido em seguida.
Os acontecimentos de ontem verificaram-se menos de uma semana após Saleh ter rompido a aliança com os houthi, com quem partilhava o controlo de Sana assim como o Norte e o Centro do país. A morte de Saleh, de 75 anos, antecipa nova intensificação do conflito, com as forças do seu partido a enfrentarem os aliados da véspera, com os quais o antigo presidente assinara um acordo em 2014. Em paralelo, representa ainda um revés para o campo do presidente reconhecido internacionalmente, Abd Rabbo Mansour Hadi, sediado na segunda cidade do país, Áden, e para a Arábia Saudita, que o apoia militarmente, à frente de uma coligação internacional de países árabes e muçulmanos, além dos Estados Unidos.
Além de Saleh, foram mortos outros altos quadros do seu partido, o Congresso Popular Geral (CPG), indicou uma dirigente da organização citada pelas agências. Fontes hospitalares indicaram que houve mais de 120 mortos e 238 feridos, combatentes e civis. Além dos combates em Sana, as forças fiéis ao antigo presidente e os houthi enfrentaram-se numa cidade do Sul do país, Sanham, de onde era natural Saleh.
A mudança de campo de Saleh (primeiro presidente do Iémen unificado até ser afastado do poder no quadro do movimento das Primaveras Árabes, além de dirigente do Iémen do Norte desde 1978) foi saudada por Mansour Hadi e pela Arábia Saudita. O primeiro anunciou “para breve” uma amnistia para todos os elementos pró-Saleh, e a força área saudita bombardeou posições dos houthi (apoiados pelo Irão, ainda que este o negue), quando estalaram no final da passada semana os confrontos entre a milícia xiita e os partidários do antigo presidente. Este, no sábado, ao anunciar o fim da aliança, afirmara-se disposto a “abrir uma nova página” no conflito e pronto para negociações com o governo de Mansour Hadi e com a Arábia Saudita, se esta pusesse fim aos ataques a “cidadãos iemenitas” e levantasse o bloqueio que mantém ao país. Uma posição reafirmada ontem num comunicado do CPG em que volta a apelar ao fim dos ataques sauditas, por um lado, mas por outro sustenta que as declarações de Saleh no sábado foram mal interpretadas pelo houthi, levando-os a tomarem “uma atitude hostil” sem fundamento.
Do lado dos houthi, o seu dirigente máximo, Abdul Malik al-Houthi, considerou o dia de ontem como “grandioso”, por ter fracassado “a conspiração da traição”. Garantiu, noutro plano, que os fiéis de Saleh não seriam perseguidos e continuavam a ser bem-vindos para lutarem ao lado das suas milícias.
Primeiro sinal do recrudescimento da violência, soube-se que o presidente em exercício ordenara ao seu número dois, o vice-presidente Ali Mohsen al-Ahmar, para avançar com as forças sob seu comando para Sana. Atualmente, as unidades de Al-Ahmar estão a cerca de cem quilómetros da capital iemenita. O objetivo seria cercar Sana e expulsar os houthi, que estariam numa posição mais débil, após a rutura com as forças do CPG. Mas jornalistas naquela cidade referiam não haver sinais de combates entre os houthi e os fiéis de Saleh, parecendo os primeiros deterem total controlo de Sana. No entanto, na véspera, aviões da coligação internacional bombardearam posições houthi, junto do aeroporto e no chamado Distrito Político (onde se situa a maioria dos edifícios oficiais). A coligação divulgou ainda uma nota, pedindo aos civis para se “manterem a mais de 500 metros” das zonas sob controlo daqueles.
Devido à guerra civil e a um estado de pobreza generalizado, o Iémen atravessa atualmente a “mais grave crise humanitária no mundo”, segundo a ONU.