Morreu o ator Francisco Nicholson

O ator, dramaturgo e argumentista Francisco Nicholson morreu hoje, aos 77 anos, em casa. O funeral realiza-se na quinta-feira. Leia os testemunhos: de Herman José a Rui Mendes
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Francisco Nicholson escreveu "Vila Faia", a primeira telenovela portuguesa, deu forma a "Riso e ritmo", programa pioneiro de comédia, na televisão, apostou na renovação do teatro de revista, com a companhia Adoque, interpretou, dirigiu atores e encenou.

Somou mais de 50 anos de carreira, assumindo sempre, em entrevistas e declarações públicas, o seu lado contestatário, mas também, por vezes, a origem nobre, do lado paterno, que o ligava ao conde de Farrobo e barão de Quintela.

Gostava de citar o poeta espanhol António Machado - "O caminho faz-se caminhando" -, como atestam diversas entrevistas.

Começou a fazer teatro aos 14 anos, no antigo Liceu Camões, sob direção do encenador e poeta António Manuel Couto Viana, a convite do qual veio a pertencer ao Grupo da Mocidade Portuguesa.

A família contrariaria o percurso, pelo menos até à maioridade, o que o levou à Marinha Mercante - um período de três anos, que recordou publicamente várias vezes - e à formação de ator, no Conservatório Nacional, em Lisboa, por pouco tempo, e em Paris.

Na capital francesa, frequentou a Academia Charles Dullin, do Théatre Nacional Populaire, privando com grandes nomes, como Jean Vilar, Georges Wilson, Gerard Philipe.

No regresso a Lisboa, seria de novo Couto Viana a marcar a sua estreia profissional, com a Companhia de Teatro Infantil O Gerifalto, da qual fizeram parte, igualmente, jovens atores como Rui Mendes, Morais e Castro, Catarina Avelar, Irene Cruz e Mário Pereira, entre outros.

Trabalhou assim nos teatros ABC, Monumental, Villaret, Variedades, em particular na comédia e na revista, como ator e encenador.

Fundou o Adoque - Cooperativa de Trabalhadores de Teatro, com atores como José Viana, Dora Leal, Henrique Viana, António Montez, o cenógrafo Mário Alberto, companhia "de esquerda", em contraponto com a via "conservadora" do Parque Mayer, que marcou o início de carreira de nomes como Helena Isabel, Virgílio Castelo ou Maria Vieira.

Em 1964, criou o programa "Riso e ritmo", para a televisão, com Armando Cortês, constituindo uma parceria pioneira na comédia televisiva, numa sucessão de 'sketches', intercalados com números musicais. O sucesso levou-os a um programa especial de passagem de ano, que celebrizou a 'deixa': "Já é uma hora? Que grande banquete!".

Mais tarde seguir-se-iam, entre outros, "O canto alegre" e "A feira", que protagonizou com a mulher, a atriz, bailarina e coreógrafa Magda Cardoso.

Francisco Nicholson somou perto de 50 espetáculos, da sua autoria, quase sempre encenados e dirigidos por si, indo de peças para crianças, como "O cavaleiro sem medo" e "Boingue-boingue", às revistas "Pides na grelha" e "A CIA dos cardeais", que levou á cena no Adóque.

Tem origem no teatro de revista, a canção "Oração", que venceu o festival RTP, em 1964. O género ocupá-lo-ia ao longo da carreira, com espetáculos em que participou, como "Piratada à portuguesa!", "Agarra, que é Honesto!" ou "A escuta que os pariu!", levados à cena nos últimos dez anos.

Foi o autor de Vila Faia, a primavera telenovela portuguesa, a que se seguiram novelas e séries como Origens, Cinzas, Os Lobos, , Ajuste de Contas, Ganância, O Olhar da Serpente, entre muitas outras.

Em cinema, assinou os guiões dos filmes Operação Dinamite e Bonança & C.ª, de Pedro Martins.

As cerimónias fúnebres do ator e encenador têm início quarta-feira, na Basílica da Estrela, em Lisboa, de onde partirá o funeral, na quinta-feira, para o Cemitério do Alto São João, informou a agência funerária.

O corpo de Francisco Nicholson "estará em câmara ardente (...) a partir das 18:30, nas Capelas Exequiais da Basílica da Estrela", e, no dia seguinte, "pelas 10:00, terão início as exéquias fúnebres, seguindo o funeral para o Crematório do Cemitério do Alto São João em Lisboa", informou hoje, em comunicado, a agência Servilusa.

"Ficará na história como um grande autor"

O humorista e ator Herman José manifestou hoje uma "profunda admiração" pelo trabalho realizado pelo seu "grande amigo" Francisco Nicholson.

"Era uma pessoa de quem gostava especialmente, tivemos um encontro mágico em 1978, numa peça dele com a Ivone Silva, e ficámos muito, muito amigos", lembrou à agência Lusa Herman José, contando que eram vizinhos em Azeitão.

"Há uma grande tristeza, mas ao mesmo tempo uma profunda admiração por ter conseguido tanto em quase oito décadas de vida", disse, convicto de que Francisco Nicholson "ficará na história como um grande autor, muito mais do que ator".

O humorista recordou também o "ótimo letrista de cantigas", que escreveu "imensos êxitos musicais ligeiros", que ainda permanecem na memória dos portugueses.

Uma das melhores memórias que guarda do seu amigo é quando fez recentemente o programa "Há tarde". "Já muito doente e com uma grande dificuldade de locomoção nunca disse que não a um convite. Esteve sempre presente quase como rindo-se das suas próprias incapacidades", lembrou.

Por outro lado, foi "um sobrevivente" na doença: "Como é que um duplo transplantado de fígado consegue viver até aos 77 anos? É uma coisa histórica".

"Um enorme lutador"

A direção da Casa do Artista lamentou hoje a morte do ator Francisco Nicholson, considerando que além de um grande homem do teatro, da televisão e das novelas era "um grande ser humano e um enorme lutador".

A assessora da direção da Casa do Artista lembrou que Francisco Nicholson foi um "dos fundadores" da instituição, juntamente com Armando Cortez, Manuela Maria, Raul Solnado.

Consternado pela morte do amigo "de há muitos anos", Conceição Carvalho lembrou que Francisco Nicholson foi "um enorme lutador e um homem de causas".

"O Francisco era um grande homem de teatro, de telenovelas, de televisão. Era um grande homem de cena", frisou.

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Francisco Nicholson encontrava-se doente devido a complicações resultantes de um transplante hepático a que fora submetido há uns anos, referiu.

"Falei com ele há duas semanas e ele encontrava-se bastante cansado. Estava a entregar os pontos", disse.

O autor de Vila Faia

O ator e argumentista Tozé Martinho lembra que este "foi uma pessoa muito importante na história das telenovelas" em Portugal.

"Foi o autor da primeira novela (portuguesa) de grande impacto", disse à agência Lusa Tozé Martinho, aludindo à telenovela "Vila Faia", em que Francisco Nicholson, além de autor, desempenhou o papel de polícia, ao lado de atores como Nicolau Breyner, recentemente falecido, Margarida Carpinteiro e Manuela Marle, entre outros.

Tozé Martinho disse ser "com desgosto e pena" que vê partir Francisco Nicholson, "um grande amigo" e uma pessoa que "prezava muito".

"Um tipo fascinante"

O jornalista e escritor Mário Zambujal considera que se perdeu um homem do teatro que tinha uma capacidade "insubstituível".

"Era uma pessoa rara, de uma grande educação, de um talento enorme, com muito sentido de humor e muita graça", disse à Lusa Mário Zambujal.

Lamentando a morte do ator e argumentista de quem era amigo, Mário Zambujal lembrou que Francisco Nicholson era um homem "cheio de talento", que fez coisas "muito interessantes também no teatro musical" e que era "muito respeitado" por todos com quem trabalhou.

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"Entristece-me muito, o Francisco tinha uma alegria muito natural e expansiva. Era um tipo fascinante", concluiu.

50 anos de carreira vistos pela RTP

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"Um homem multifacetado e de muitos talentos"

O ator e encenador Rui Mendes mostrou-se hoje consternado com a morte de Francisco Nicholson, um homem "multifacetado, com muitos talentos" e seu "grande amigo e companheiro de teatro" desde os bancos do Liceu Camões, em Lisboa.

"Era um homem multifacetado e tinha muitos talentos. Era um grande amigo, foi o meu companheiro de teatro, desde sempre, desde os bancos do liceu. Andamos no Liceu Camões, fomos companheiros de turma e foi aí que começamos a fazer teatro", disse Rui Mendes, à agência Lusa, acrescentando que ambos se estrearam no teatro profissional nos anos 50.

O ator explicou que Francisco Nicholson estava doente há "bastantes anos", mas que o seu estado de saúde se agravou nos últimos tempos.

"Considero que o Francisco Nicholson deve ter sido das pessoas que melhores telenovelas escreveram neste país durante uma certa época, pelo menos, as primeiras novelas", sublinhou Rui Mendes.

"Grande ator e escritor"

O cantor António Calvário lamentou hoje a morte de Francisco Nicholson, considerando-o um "grande ator e escritor" que se completava em tudo o que fazia.

"Por toda a convivência que tivemos, por tudo aquilo que foi como grande ator e escritor, quase que não tenho palavras para descrever uma pessoa tão completa", disse à agência Lusa o cantor, acrescentando que Francisco Nicholson era "um grande amigo" e "um belíssimo companheiro".

O cantor destacou também que Francisco Nicholson foi o autor da canção Oração que interpretou no primeiro festival da canção de 1964 e que obteve o primeiro lugar.

"Uma canção que atravessa todos estes tempos como um símbolo da primeira representação de Portugal na Eurovisão", afirmou.

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