Morreu o antigo presidente sul-africano Frederik de Klerk

Frederik de Klerk morreu esta quinta-feira, aos 85 anos, de cancro. Teve um papel determinante na transição da África do Sul para a democracia.
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O antigo presidente da África do Sul Frederik de Klerk morreu esta quinta-feira, aos 85 anos.

De Klerk foi o último presidente dos tempos do apartheid, tendo desempenhado um papel determinante na transição do país para a democracia.

"O antigo presidente morreu esta manhã na sua casa em Fresnaye depois de uma dura luta contra o cancro", confirmou o porta-voz da Fundação FW de Klerk ao News24.

Frederik de Klerk foi chefe de Estado entre setembro de 1989 e maio de 1994.

Em 1990, anunciou a libertação de Nelson Mandela - que passara 27 anos na prisão -, o que levou à realização de eleições multipartidárias e multi-raciais em 1994, ganhas precisamente pelo líder do movimento anti-apartheid. Os dois partilharam, em 1993, o Nobel da Paz.

O anúncio da libertação de Mandela, num discurso proferido no parlamento a 2 de fevereiro de 1990, eletrizou na altura o país, que durante décadas vinha ser sancionado por grande parte da comunidade internacional pelo seu brutal sistema de discriminação racial conhecido como apartheid.

Com o aprofundamento do isolamento da África do Sul e a sua economia outrora sólida a deteriorar-se, de Klerk, que tinha sido eleito presidente apenas cinco meses antes, anunciou também no mesmo discurso o levantamento da proibição do Congresso Nacional Africano (ANC) e de outros grupos políticos anti-'apartheid'.

Vários membros do parlamento abandonaram nesse dia a câmara enquanto o Presidente discursava.

Nove dias mais tarde, Mandela saiu em liberdade e quatro anos depois seria eleito o primeiro Presidente negro do país, em resultado dos negros terem pela primeira vez exercido o direito de voto.

De Klerk e Mandela receberam o Prémio Nobel da Paz em 1993 pela sua cooperação, muitas vezes intensa, no processo de afastamento da África do Sul do racismo institucionalizado e em direção à democracia.

Frederik de Klerk foi o último presidente branco da África do Sul.

A Fundação Mandela considerou que o legado do Presidente sul-africano Frederik de Klerk, que pôs fim ao regime do 'apartheid' e libertou Nelson Mandela da prisão nos anos 1990, é "importante, mas desigual".

"O legado de De Klerk é importante, mas é também desigual, e os sul-africanos são chamados a ter isto em conta neste momento", sublinhou numa declaração a fundação com o nome do primeiro Presidente negro do país, eleito em 1994.

Embora De Klerk seja saudado como um pacificador, foi igualmente fonte de várias controvérsias na África do Sul que mancharam a sua reputação, incluindo a relutância em oferecer um relato completo da violência e tortura sob o regime do 'apartheid'.

O texto recorda as declarações de Mandela no 70.º aniversário do último presidente branco do país: "Tu e eu tivemos as nossas diferenças, por vezes muito públicas. Mas o nosso respeito fundamental um pelo outro nunca diminuiu. E é este respeito, independentemente de todas as diferenças, que nos permitiu (...) trabalhar juntos e negociar o compromisso histórico que surpreendeu o mundo".

"Se nós, dois homens idosos, ou que envelhecem, temos uma lição a oferecer ao nosso país e ao mundo, é que só é possível encontrar soluções para os conflitos se os adversários estiverem fundamentalmente dispostos a aceitar a integridade do outro", disse ainda Nelson Mandela, citado pela fundação, que transmite na declaração as suas condolências à mulher e aos filhos de Frederick de Klerk.

O antigo presidente sul-africano Frederik de Klerk, que morreu esta quinta-feira aos 85 anos, considerado "o último Presidente do 'apartheid'", deixa um legado complexo numa sociedade dividida após 27 anos de governação do ANC depois da queda do regime segregacionista.

"A natureza do regime e o nacionalismo 'Afrikaner' mostrou-se fundamentalmente diferente em 1989 comparativamente à década de 1948, quando se tornou na ideologia oficial do regime branco", constatou em 2015 o jornalista Max Du Preez.

O autor sul-africano referiu que "o nacionalismo 'Afrikaner' atingiu o seu apogeu na década de 1960, quando Hendrik Verwoerd era primeiro-ministro", mas "também iniciou o seu declínio gradual".

Du Preez salientou que após o assassinato de Verwoerd, em 1966, "a principal motivação" do 'apartheid' começou a desaparecer com o avanço do projeto segregacionista no seio da classe média branca sul-africana.

A mudança decisiva na geopolítica da região Austral do continente africano a partir da década de 1970, nomeadamente em Angola e Moçambique, teve igualmente um "impacto profundo" no Partido Nacionalista (NP, na sigla em inglês) e nos seus governos.

A ironia da história do país reservou o papel de supervisionar a transformação para a democracia num membro da família nacionalista sul-africana.

O pai de Frederik Willem de Klerk integrou o executivo de Hendrik Verwoerd e o ex-primeiro ministro JG Strijdom era seu tio.

"A característica mais marcante da carreira política de De Klerk desde que ingressou no parlamento, em 1972, foi provavelmente a sua indefinição no seio do Partido Nacionalista", sublinhou a imprensa sul-africana, em 1994, após a queda do regime de segregação racial.

Na abertura do parlamento, em 02 de fevereiro de 1990, Frederik W. de Klerk revelou-se "um estadista corajoso e visionário" ao anunciar a legalização dos movimentos de libertação, nomeadamente o Congresso Nacional Africano (ANC), o Congresso Pan-Africanista (PAC) e o Partido Comunista Sul-Africano (SACP). Logo a seguir, nesse mesmo mês, Nelson Mandela foi libertado.

Após as negociações entre o ANC, liderado por Nelson Mandela, e o Governo sul-africano, que chefiou em Groot Schuur, Cidade do Cabo, em maio de 1990, De Klerk visitou nove países da Europa Ocidental, incluindo Portugal.

A imprensa internacional da altura descreveu o périplo europeu como "o mais extenso e potencialmente importante realizado por um chefe de Estado sul-africano desde que o Partido Nacional do governo chegou ao poder, em 1948".

"Ou será que não teve escolha e simplesmente agiu para preservar os interesses económicos dos brancos?", questionou Max Du Preez, em 2015.

A forma calma e determinada com que De Klerk "destituiu" o seu "temível" antecessor, P. W. Botha, rendeu-lhe respeito. Também demonstrou uma "determinação de ferro" em manter o país no caminho das negociações nos últimos anos do seu mandato.

Embora seja creditado com a abolição do regime segregacionista do 'apartheid' no país, a sua recusa, em 1994, em admitir que o 'apartheid' era imoral, ainda hoje, à data da sua morte, se levanta em vários setores da sociedade sul-africana.

Em março de 1992, Frederik W. de Klerk convocou um referendo nacional entre a população branca no país para ser mandatado a implementar as reformas constitucionais que culminaram nas primeiras eleições multirraciais e democráticas em abril de 1994.

De Klerk nasceu em Joanesburgo, cresceu em Krugersdorp e terminou os seus estudos superiores na Universidade de Potchfstroom. Foi eleito líder do NP na região do Transvaal (atual Gauteng), em 1982, após a rutura da ala conservadora do partido. Em fevereiro de 1989 assumiu a liderança do NP e, em agosto do mesmo ano, a Presidência da República.

Em 1993, De Klerk partilhou o Prémio Nobel da Paz com Nelson Mandela, indicando a transição que liderou até à readmissão do país na comunidade internacional.

A África do Sul realizou, em 1994, as suas primeiras eleições democráticas e multirraciais, com uma vitória esmagadora do ANC de Nelson Mandela (62,65%).

De Klerk, com 27,81% dos votos, integrou o governo de unidade nacional na qualidade de vice-presidente de Mandela, conforme previamente acordado.

Deixou a política em 1997 e em 2000 criou a fundação com o seu nome para promover seu trabalho pela paz e a defesa do seu legado.

"Questiona-se se De Klerk deveria ter recebido o prémio Nobel da Paz pelo seu papel depois de 1990, em que incansavelmente percorreu o país em reuniões com o NP, o Broederbond, as Igrejas, empresários, académicos e cidadãos para vender o seu plano de negociações ao seu eleitorado. Até convocou um referendo branco para garantir um mandato para as negociações, sabendo muito bem que, se aquela votação desse errado, seria o fim da sua carreira política", referiu Max Du Preez.

"Será um argumento para ter uma rua com o seu nome em sua homenagem?", questionou.

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