Morreu Ana Hatherly, audaz invenção de si mesma

A poeta, artista plástica e professora jubilada tinha 86 anos. Qualquer categoria soa diminuta para aquela que, segundo Jorge Molder, amigo de sempre, "se inventou a si própria"
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Chamava-se Ana. Fez uma viagem ao fundo da escrita, do traço ao alfabeto que (re)inventou, e ao fundo da mão, do corpo que a comanda à alma que ela traduz. Ao contrário de Penélope, como escreveu em NEO-PENÉLOPE (2008), "não espera por nenhum Ulisses". A viagem que começou no Porto em 1929 acabou ontem, 86 anos contados, num hospital de Lisboa.

"De repente eu vi uma fada a aparecer, que era a Ana Hatherly. Era uma senhora muito branca, com um cabelo louro apanhado, com um vestido branco, e não era como as nossas mães." Maria Filomena Molder, ensaísta e professora de Filosofia jubilada, estava então na terceira classe do colégio e era colega da filha da poeta, artista plástica e professora catedrática. Foi a primeira vez que a viu. Não poderia saber então que Jorge Molder, seu futuro marido e fotógrafo, já menino andara ao colo de Hatherly e com ela manteria uma amizade que nunca acabou.

Pode falar-se de Ana enumerando. Dizendo que era licenciada em Filologia Germânica, que estudou aprofundadamente o Barroco, passou pelo cinema e apresentou o filme Revolução, de 1975, na Bienal de Veneza em 76, foi professora catedrática de Literatura Portuguesa na Universidade Nova de Lisboa.

Mas parece em tudo mais justo falar da "fada" que Maria Filomena Molder evocava, dizendo que ela "pôs à luz as descobertas que a nossa mão permite quando os dedos começam a agir. São gestos infantis que ela exercitou e dominou com uma maestria extraordinária, são os rabiscos que se tornam linhas, e que se tornam letras e que voltam a tornar-se linhas e que voltam a tornar-se rabiscos".

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