Morreu Alberto Seixas Santos, cineasta realista e utópico
Com a morte de Alberto Seixas Santos ( 1936-2016), desaparece uma das figuras centrais do Cinema Novo português, com importantes contribuições no domínio do pensamento crítico, do ensino artístico e do universo televisivo. O cineasta, cujo filme mais emblemático será Brandos Costumes (1975), doente há cerca de um ano, faleceu em sua casa, na madrugada de sábado - contava 80 anos.
Em março deste ano, quando a Cinemateca apresentou a integralidade da sua obra, a designação adoptada para o ciclo, "O realismo utópico", decorria de um princípio, simultaneamente estético e filosófico, que enformou toda a sua obra. Para Seixas Santos, o cinema existe a partir de um princípio, que começa por ser técnico e material, de obstinada atenção ao mundo à sua volta; ao mesmo tempo, as suas ações e personagens envolvem sempre um desejo de reinvenção afetiva e política desse mundo, desejo que se confunde com as glórias inacessíveis da utopia.
Tudo isso desemboca na sua primeira longa-metragem, Brandos Costumes. Antes, já experimentara a realização, assinando duas curtas de encomenda, A Indústria Cervejeira em Portugal (1967) e A Arte e o Ofício de Ourives (1968). Em qualquer caso, através de Brandos Costumes, cruzando as referências ao ideário salazarista ("Deus, Pátria, Família") com a encenação de uma paisagem familiar dominada por um pai que "duplica" a figura de Salazar, Seixas Santos define uma essencial linha temática. A saber: a observação clínica das contradições internas da sociedade portuguesa, numa permanente dialética entre o peso das mais diversas formas de conservadorismo e uma vontade de transformação em que, de uma maneira ou de outra, se questiona sempre o lugar das gerações mais novas.
Dessa lógica nasceram os dois filmes seguintes, definindo uma trilogia em que o 25 de Abril de 1974 ocupa, necessariamente, um lugar charneira (Brandos Costumes foi, no essencial, concebido e rodado antes, tendo a sua estreia ocorrido apenas em 1975). Primeiro, Gestos & Fragmentos (1982) propõe um balanço da Revolução dos Cravos, repartido entre a ação de um militar (Otelo Saraiva de Carvalho), as reflexões de um pensador (Eduardo Lourenço) e as convulsões do 25 de Novembro revistas através da odisseia de uma personagem fictícia (interpretada por Robert Kramer, o cineasta americano autor do clássico Milestones). Uma década mais tarde, Paraíso Perdido (1992) revisita os traumas da descolonização através de uma amargura existencial desde logo expressa no respetivo título.
Paixão e desencanto
Como aconteceu com outros membros da sua geração, Seixas Santos começou por viver o trabalho cinematográfico em íntima relação com a atividade crítica. Depois de ter frequentado o curso de História e Filosofia na Universidade de Lisboa, estudou cinema em Paris e Londres. Envolveu-se no movimento cineclubista (foi dirigente do ABC Cineclube de Lisboa) e colaborou em diversas publicações, incluindo as revistas Imagem, Seara Nova e O Tempo e o Modo.
Foi, em 1970, um dos fundadores do Centro Português de Cinema, estando também ligado à criação, em 1975, da cooperativa Grupo Zero (que, em 1977, produziu o filme coletivo A Lei da Terra, sobre a Reforma Agrária). Em 1977, assumiu o cargo de presidente do Instituto Português de Cinema, tendo mais tarde, em 1985, integrado a direção de programas da RTP (como adjunto, sendo Carlos Pinto Coelho o diretor). Ligado à criação da Escola Superior de Teatro e Cinema (que começou por funcionar no Conservatório Nacional, em Lisboa, antes da construção das actuais instalações, na Amadora), aí lecionou entre 1980 e 2002.
Alberto Seixas Santos foi, enfim, um intransigente individualista sempre interessado naquilo que pode unir os seres humanos - o seu nome dilui-se, por exemplo, na assinatura coletiva de As Armas e o Povo (1975), sobre a vibração das ruas entre 25 de Abril e 1 de Maio de 1974.
Depois de Paraíso Perdido, apenas assinou mais duas longas-metragens: Mal (1999) e E o Tempo Passa (2011). Ambas refletem um misto de paixão e desencanto pela evolução recente do seu país.
No primeiro caso, perpassa um espírito de fim de milénio, com a sociedade portuguesa exposta como uma teia de relações (nomeadamente entre as gerações) cada vez mais esvaziadas de conteúdo; no segundo, numa rara visão crítica da "novelização" do espaço televisivo, são os dramas dos mais jovens que voltam a emergir, numa paradoxal procura de uma ideia de felicidade.