Há espaço? E, havendo, quem o ocupa? Estas são as duas perguntas que agitam o centro político do Brasil na sequência da quase certa candidatura de Lula da Silva à presidência da República, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado as condenações de que fora alvo na Operação Lava-Jato, e tendo em conta que Jair Bolsonaro também já está a postos para a corrida à reeleição. João Doria, Ciro Gomes, Luciano Huck, Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta e outros estão condenados a entenderem-se para se assumirem como "a terceira via" e aspirarem chegar a uma segunda volta..Duas sondagens recentes ajudam a balizar a questão. Na da CNN Brasil e do Instituto Real Time Big Data, realizada entre a decisão do juiz do STF Edson Fachin de devolver os direitos políticos de Lula e o discurso deste no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, Bolsonaro surge com 31% dos votos, dez pontos percentuais à frente do antigo presidente. Ou seja, ambos controlam, desde já, mais de metade do eleitorado. Ou seja, ambos disputariam a segunda volta se "terceira via" não se unir..E na "terceira via" houve empate técnico entre Sergio Moro (10%), ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Bolsonaro, Ciro Gomes (9%), terceiro candidato mais votado em 2018, Luciano Huck (7%), apresentador de TV tentado a entrar na política, e João Doria (4%), governador do estado de São Paulo..Ainda mais atrás, foram citados o liberal João Amoêdo e a ambientalista Marina Silva, com 2% e 1%, respetivamente. O nome de Luiz Henrique Mandetta, ministro da saúde dispensado por Bolsonaro no início da pandemia, não foi colocado perante os inquiridos..No fim de semana anterior à decisão de Fachin, uma sondagem do IPEC (antes chamado Ibope) mostrava que 50% dos entrevistados votariam "com certeza" ou "eventualmente" em Lula e 44% afirmaram que não o escolheriam "de maneira nenhuma", enquanto o atual presidente aparecia com 38% de potencial de voto e 56% de rejeição..Somados os potenciais de votos, temos um número desolador para a "terceira via": 88% dos eleitores podem votar Lula ou Bolsonaro deixando um restinho de 12%. Mas adicionadas as rejeições de um e de outro chegamos a 100% - e é aí, na rejeição aos dois, que os candidatos de centro-direita e centro-esquerda apostam para tentar chegar à segunda volta..Para Bruno Araújo, o presidente do PSDB, partido do pré-candidato Doria, a decisão de Fachin obriga os partidos do centro a "tentar ter o menor número de candidatos possível".."O ideal é que tenhamos um candidato só. É pouco factível e talvez seja sonhar demais, mas precisamos reduzir a pulverização no centro. Mais de duas candidaturas praticamente inviabiliza a participação do centro na segunda volta", admitiu ao jornal O Globo..Roberto Freire, presidente do Cidadania, partido de centro que sonha em ter Huck como candidato, afirma que o centro já trabalhava com a possibilidade de concorrer contra Bolsonaro e um candidato do PT, eventualmente Fernando Haddad, segundo em 2018. O que muda é a constatação da necessidade de evitar a fragmentação.."Objetivamente, não muda quase nada, O centro já estava se articulando admitindo ter que disputar com um candidato de Lula. Mas essa decisão do Fachin cria mais a necessidade da unidade"..Para o cientista político Antonio Lavareda, levando em consideração que nas últimas eleições brasileiras, as municipais de novembro de 2020, foram o centro e o centro-direita que venceram e que tanto a extrema-direita como a esquerda sofreram derrotas pesadas, há esperança nesse campo. "Com Lula, a pressão sobre um candidato de centro aumenta e realmente tende a ser viável se houver união"..Em torno de quem? "O ex-juiz Sérgio Moro perdeu força, mas não fica já fora do jogo, temos ainda o apresentador Luciano Huck, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, João Amoêdo e os governadores João Doria e Eduardo Leite", diz ao portal Terra..Entretanto, de acordo com o politólogo Andrei Roman, fundador da consultoria Atlas Político, a "terceira via" não é viável. "Mesmo antes da decisão que favorecia Lula, o PT já garantiria lugar na segunda volta por causa da fragmentação dos partidos de centro e da falta de uma liderança clara desse espaço", afirmou à edição brasileira do jornal El País..Mais: Bolsonaro e Lula também tentarão disputar esse centro nos atos e no discurso. E até na forma, como notou o colunista da CNN Brasil William Waack: "Lula apareceu [no discurso no Sindicato dos Metalúrgicos] de blazer, muito circunspecto, e falando em vacina. Bolsonaro apareceu [em evento no Planalto] de máscara, pela primeira vez nos últimos mais de 30 eventos oficiais, e falando em vacina"..Para não perderem o seu já reduzido espaço ao centro, os protagonistas da "terceira via" reagiram à entrada em cena de Lula, classificando-o, como a Bolsonaro, de "extremista"..Doria disse que "ficam estabelecidos dois campos claramente adversos de polarização, a extrema-esquerda, que canalizará sentimentos pro-Lula, e a extrema-direita, que canalizará sentimentos pro-Bolsonaro". "Se o centro democrático tiver juízo e bom senso trabalhará para, em primeiro lugar, construir uma proposta para o Brasil e, depois, em identificar um candidato que seja competitivo, que possa disputar com duas personalidades com forte densidade política e eleitoral"..Mandetta alinhou pela mesma ideia: "Os extremos comemoram, pois se nutrem um do outro. A ruptura da liga social brasileira avança. Mais do que nunca o povo de bem terá que apontar o caminho para pacificar esse país"..E Huck desvalorizou o regresso do antigo sindicalista. "No Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto. Na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça. É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é facto: figurinha [cromo] repetida não completa álbum [caderneta]",.Para Ciro, "Lula ter devolvidos os seus direitos políticos, é bom para o Brasil". "Agora, a política vai dizer amanhã se é disso que o Brasil precisa, e eu acho muito improvável que a sociedade brasileira queira repetir aquela confrontação odienta, sectária, radicalizada que marcou a divisão da nação brasileira em 2018"..O ex-juiz e ex-ministro atravessa o pior momento da sua vida pública, atacado por adeptos do atual presidente, com quem rompeu em maio do ano passado, e do antigo presidente, que condenou em 2018, e debaixo de fogo do STF. Na corte, os juízes Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski consideraram-no parcial no julgamento de Lula: "Ninguém combate o crime, cometendo crimes" e "maior escândalo judicial da história", disseram..Não é o único, no entanto, com contras nesta corrida. Ciro, filiado ao PDT, próximo do PT, por ser o mais à esquerda dos representantes do centro, é quem mais sofre politicamente com o regresso de Lula..Huck, entretanto, tem dúvida pessoal e profissional: hesita entre aceitar o convite milionário para substituir o apresentador Faustão nas tardes de domingo da TV Globo ou arriscar tentar ocupar o lugar de Bolsonaro no Palácio do Planalto..Mandetta, desde que deixou de falar da pandemia à população na condição de ministro da saúde, perdeu notoriedade e concorre mais ao cargo de "vice" do que ao de presidente, na opinião da maioria..E Doria não é sequer unanimidade no seu partido dadas correntes internas a favor de Eduardo Leite, jovem governador do Rio Grande do Sul..MORO.Ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da justiça de Bolsonaro.Prós.A força, embora decrescente, do "partido da Lava Jato".Contras.Atacado do bolsonarismo à esquerda, sofre com descrédito até entre os ex-colegas juízes por suposta parcialidade nos processos de Lula.CIRO.Terceiro mais votado em 2018.Prós.Experiência de três eleições.Contras.De centro-esquerda, é quem perde mais espaço com a entrada em campo de Lula.DORIA.Governador de São Paulo.Prós.Se os brasileiros já se vacinam, devem-no sobretudo a ele, que comprou a Coronavac enfrentando Bolsonaro.Contras.Individualista, nem consensual é no seu partido, o PSDB, onde o governador Eduardo Leite surge como alternativa. Menos conhecido fora das fronteiras de São Paulo.HUCK.Apresentador da TV Globo.Prós.Ao contrário de alguns pares políticos profissionais, é conhecido (e popular) até no Brasil profundo..Contras.A eleição ideal para outsiders foi a de 2018.MANDETTA.Ex-ministro da saúde de Bolsonaro.Prós.Ganhou simpatia como rosto inicial do combate esclarecido à pandemia, por oposição a Bolsonaro, que o dispensou.Contras.Deixou de ter aquele palanque diário e perdeu notoriedade.AMOÊDO.Quinto mais votado em 2018.Prós.Quinto mais votado, o liberal do partido Novo foi uma das surpresas de 2018.Contras.Desaparecido do grande público durante a legislatura