Morales festeja 12 anos no poder na Bolívia com luz verde para nova reeleição

Aquilo que os bolivianos recusaram em referendo, o presidente conseguiu através dos tribunais. Nas ruas aumentam os protestos, mas a oposição não tem sido capaz de os aproveitar
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Doze anos depois de ter tomado posse como presidente da Bolívia pela primeira vez, Evo Morales tem a porta aberta para se candidatar em 2019 a um quarto mandato consecutivo. Apesar dos avanços económicos e sociais dos últimos anos, crescem as críticas de quem o acusa de se querer perpetuar no poder, indo contra a decisão dos bolivianos que recusaram a hipótese de reeleição num referendo de 2016.

O ex-sindicalista cocalero , de raízes aimarás, tomou posse a 22 de janeiro de 2006, depois de ter sido eleito à primeira volta com quase 54% dos votos (a percentagem mais elevada alcançada até então por um candidato presidencial). Mas não teve um percurso fácil. "Macaco", "índio", "comunista", eram apenas alguns dos epítetos que ouvia dos opositores, a quem tratava por "separatistas", "terroristas" ou "neoliberais". Contudo, cedo percebeu que não era só com protestos que iria conseguir "refundar" o país, era também preciso fazer alianças. Assim, esses "neoliberais" passaram a ser "companheiros confundidos que era preciso resgatar". E muitos acabaram do seu lado.

A vitória de 2005 foi só a primeira. Dois anos depois, Morales conquistou 67% dos votos num referendo revogatório - que convocara após as regiões mais ricas do país porem em marcha um processo separatista. Seria reeleito em 2009, com 64% dos votos, já depois de aprovada a nova Constituição. Em 2014, nova vitória, com 61% dos votos (deixou o adversário a 37 pontos percentuais) e o Movimento al Socialismo (MAS) conquistou uma maioria de dois terços na Câmara dos Deputados.

Morales foi autorizado a participar nessa eleição presidencial, apesar de a Constituição que tinha reformado só permitir uma reeleição, porque os juízes consideraram que o seu primeiro mandato não contou para essas contas. Segundo a decisão do Tribunal Constitucional, Morales foi presidente da República da Bolívia de 2005 e 2009 e a partir de 2010 tornou-se líder do Estado Plurinacional da Bolívia (o nome oficial do país). Daí ter direito a ser reeleito.
Agora, voltam a ser os tribunais a abrir a porta a nova candidatura em 2019, depois de ter sofrido a primeira derrota eleitoral há dois anos. A 21 de fevereiro de 2016, 51,3% dos bolivianos disseram "não" à possibilidade de reformar o artigo 168.º da Constituição para que os presidentes possam ser reeleitos duas vezes de forma consecutiva. Contudo, isso não travou Evo Morales.

Em setembro de 2017, um grupo de deputados do MAS pediu ao Tribunal Constitucional que analisasse quatro artigos da Constituição - entre os quais o 168.º. Alegam que existe incompatibilidade entre este e o artigo 23.º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos no que diz respeito ao direito a eleger e a ser eleito. Em finais de novembro, os juízes concordaram, abrindo caminho não só à reeleição de Morales em 2019 como de forma ilimitada. O presidente quer estar no poder em 2025, quando se festejar o bicentenário da declaração da independência da Bolívia.

O vice-presidente Álvaro García Liñera, que tem sido o número dois de Morales desde o primeiro minuto mas já anunciou que não irá voltar a candidatar-se, defendeu numa entrevista ao El País a reeleição. "O único limite é o voto, que decidirá se o povo aceita que uma autoridade volte ao não", afirmou. Para Liñera, perder Morales, um símbolo de "unificação" das "classes subalternas" - "um como eles, do mesmo sangue, da mesma cor" -, seria um "suicídio político".
O facto de Morales poder candidatar-se não é garantia de que vai ganhar, com os protestos a aumentar em torno do presidente - não só pela reeleição mas pela reforma do Código Penal. Na quarta-feira, organizações civis de seis das nove regiões do país deram um ultimato até hoje a Morales, pedindo que renuncie ao quarto mandato e "respeite o voto dos cidadãos". Ameaçam com uma greve geral, com bloqueio de estradas.

O problema é que a oposição não tem sabido aproveitar o descontentamento nem mobilizar as ruas como Morales. As divisões internas ou o passado político de vários dos seus líderes (ligado a anos de crise económica) têm travado o aparecimento de uma verdadeira alternativa para o país.

Como todos os anos desde 2006, Morales fará hoje o balanço do seu governo, num discurso a partir do Parlamento, que todos os canais de televisão e rádio são obrigados (desde 2011) a transmitir. "Vamos ver os avanços importantes e, como sempre, reconhecemos alguns erros que cometemos no ano que passou", disse Morales aos jornalistas. Em 2016, o discurso demorou seis horas (foi o máximo até agora), estando previsto que desta vez a mensagem dure cerca de duas horas. Há oito anos que o 22 de janeiro é feriado, em comemoração do Dia do Estado Plurinacional. O aniversário começará como sempre com rituais indígenas e está previsto, no final do discurso de Morales, um desfile na Praça Murillo (sede do palácio do governo e do Parlamento).

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