Morais Sarmento: "Revejo-me tanto no Chega como me revejo no BE"
A descida do IVA na eletricidade é mesmo para levar até ao fim?
A proposta do PSD é para levar até ao fim. Aí não há dúvida nenhuma. É uma proposta que não surge agora. O Partido Socialista (PS) tem entendido, e de alguma forma já o vemos como natural, seguir um caminho de entendimentos à esquerda e à extrema-esquerda. Uma coisa é aquilo que nessa lógica de geringonça se repete neste Orçamento, que é a negociação à esquerda, o brinde à esquerda, a chantagem à esquerda, chamem-lhe os nomes que quiserem. Nos últimos quatro anos, há um processo simples em que o PS apresenta o Orçamento e depois o Partido Comunista (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) metem tudo o que seja medidas diferentes, inovadoras, não necessariamente fora da caixa, mas, pelo menos, medidas para lá dessa base orçamental. Por isso eu digo que nos últimos quatro anos fomos governados por 15% dos eleitores, que são o PCP e o BE - nos quais não me revejo -, mas isso é o que se repete neste Orçamento. Isso é um campeonato do PCP e do BE a fazerem, entre a negociação e a chantagem, a aprovação orçamental. Coisa completamente distinta é um partido como o PSD, um partido alternativo que não visa com isto uma negociação de aprovação do Orçamento, não é isso que o PSD faz. O que faz é apresentar - não exaustivamente, não faria sentido nem o PS mostrou qualquer sinal de abertura - em relação a determinadas matérias propostas concretas que visem, por um lado, sinalizar um caminho alternativo e, por outro lado, iniciar a desconstrução deste novo socialismo via esmagamento fiscal em que nós estamos metidos. É uma proposta que foi apresentada não agora - é essa a diferença para o BE e para o PCP, nós não estamos nesse peditório do "se abrir aqui mais um bocadinho, faça lá mais aquilo, negociamos esta medida e aprovamos o Orçamento" -, fê-lo quando apresentou o quadro económico base com que construiu a sua proposta eleitoral. Já vinha lá esta ideia com uma indicação clara do que é que retira e onde é que, no entendimento do PSD, é necessária ou não contrapartida para ter o equilíbrio económico, e como é que ela se alcança. Portanto, são duas coisas completamente diferentes, esse peditório do PCP e do BE com o PS e aquilo que aqui temos, uma medida estruturada, pensada, anunciada há meses e que o PSD levará até ao fim. Não leva até ao fim numa lógica de "se votarem em mim, eu voto em", o PSD não faz isso. O PSD não condiciona a sua proposta a coisíssima nenhuma. Apresentou-a tal qual é e, se entenderem, outros partidos poderão aderir a ela. Não há deve e haver aqui. Não há negociação nenhuma.
Há uma proposta do BE também. É um pouco diferente, é a descida dos 13% para todos, a do PSD é só para as famílias a 6%. Admite que o PSD possa votar a proposta do BE e deixar cair a sua?
Deixar cair a sua não deixa. O PSD leva a sua proposta a votos. Mas o PSD não olha para as propostas apresentadas em função da sua origem política, mas do mérito da proposta. Ouviram Rui Rio dizer isto ontem e anteontem. O PSD dizendo isto, seria absolutamente contraditório dizer no momento a seguir "Ah, mas essa é do BE ou do PCP, eu voto contra".
São propostas diferentes, apesar de tudo, mesmo a nível das contrapartidas.
Eu sei. Em relação a cada uma das outras propostas não há negociações cruzadas, nem maiorias cruzadas, nem votos cruzados. O PSD leva a sua proposta a votos até ao fim. Para lá disso, e sendo coerente com aquilo que tem dito sempre Rui Rio, tem de olhar para as outras propostas, mas não é olhar politicamente, não é isso que Rui Rio está a dizer. O que ele tem dito e repetido é que temos de olhar para as outras propostas, ver qual é o quadro-base de que elas partem - se há uma adesão à realidade - e qual é, em cima desse quadro-base, a forma como esses partidos apresentam uma solução que - sim ou não - permita no final mantermos um equilíbrio orçamental.
Não tem medo nenhum de ficar na história...
Para que não se repita o episódio dos professores...
É que esse episódio não correu bem ao PSD.
Nesse episódio, de facto, independentemente da correção ou incorreção, do mérito ou da falta dele, das propostas ou das posições de cada partido, entrámos numa leitura mediática - e aquilo foi rápido. Se me perguntarem se eu acho que o governo estava à espera de que acontecesse uma qualquer maioria negativa para fazer a campanha que fez, eu acho que sim. Mas pouco importa, o resultado foi esse. Desta vez, e para que não haja qualquer hipótese de confusão, o que o PSD está a fazer é: apresentou uma proposta há meses, apresentou o quadro de referência económico sobre o qual apresentava a proposta e apresentou também as consequências da proposta em termos orçamentais, e os necessários contrapesos que ela implicava. É isto que o PSD levará até ao fim. Sendo coerente, o PSD olhará para qualquer proposta, independentemente da sua proveniência política, desde que ela parta de um quadro económico realista, tenha uma proposta coerente na redução que proponha e nos contrapesos que apresenta, o PSD pode considerá-la. Viram algum quadro de referência económica na proposta do BE?
Já tem aí um ponto de fuga, não é? Ou seja, não pôr em causa o superavit orçamental vai ser o ponto de fuga do PSD no caso de o BE apresentar uma proposta que não o prevê?
Se nós tivéssemos um negócio político, o seu raciocínio fazia sentido. Nós não estamos à procura de pontos de fuga nem precisamos de pontos de fuga. O PSD apresentou uma proposta que levará até ao fim. Isto não tem nada que ver com pontos de fuga, tem que ver com ser coerente. O PSD tem dito desde o princípio que quer que o seu comportamento político na oposição seja de modo a que a oposição seja, de facto, um exercício político de serviço ao país também. Para isso vamos procurar, entre várias coisas, que o comportamento do PSD na oposição seja diferente do que tradicionalmente é, que é um exercício simples - o PS está no governo, o PSD é contra tudo; está o PSD no governo, o PS será contra tudo também. Rui Rio tem dito, à exaustão, que entende que uma das formas de procurar que a política e os políticos encurtem a distância que o país sente relativamente a eles é passarmos a comportar-nos na política como nos comportamos na vida. Nós na vida, por princípio, não temos posições do tipo: "Ah, foi aquela senhora que disse, foi aquele senhor que disse, nem quero saber o que disse, para mim não vale!" Na vida tendemos a olhar ao mérito e ao desmérito. É esse exercício que politicamente Rui Rio queria. Tem insistido, contra todas as críticas que vão desde "está à procura de pontos de fuga" a "está à procura de ser muleta do PS". Rui Rio diz que podem dizer o que quiserem que o PSD manterá, enquanto ele for líder, uma atitude diferente na oposição daquela que sempre se viu nas oposições clássicas, que é o não pelo não.
Essa atitude responsável de que fala parte do pressuposto de que a estabilidade política é um bem a assegurar. O PSD não tem medo de ficar responsável por abrir uma crise política?
Isso então até dá vontade de rir. Nós temos um partido, que é o PS, que disse desde o princípio e diz, uns com um ar mais contente outros menos: "Nós estamos a explorar esta nova via do entendimento às esquerdas" e depois vão responsabilizar o PSD por abrir crises políticas? Isto tem de ter alguma lógica. Portanto, não. O PSD não é responsável por crise política nenhuma. A crise política que eventualmente possa acontecer é por, afinal, o tal grande lago das esquerdas em que todos confluíam e se entendiam, para um país melhor, parecer que não existe. Isso é um problema que tem de colocar ao PS, ao PCP e ao BE. O PSD deve manter inalterável a sua posição.
Mas leva a sério esta ameaça do governo, ou acha que é bluff?
Francamente, acho que é para levar tão a sério como a outra, na minha modesta opinião. Quanto ao pano de fundo em que tem de ser lido o posicionamento de cada partido na discussão na especialidade deste Orçamento do Estado, remeto-vos para a leitura do Presidente da República antes desta discussão se iniciar. Disse: "Não vejo problema nenhum na aprovação do Orçamento, não acredito que ele exista. As esquerdas que se entenderam, estranho seria que não..." Enfim, todos o ouviram, não vou repetir. Portanto, esse é o quadro-base. Com essa leitura-base, nem percebo a pergunta sobre o PSD poder abrir crises políticas, como não percebo a pergunta dos pontos de fuga. Há aqui um erro nos pressupostos que deve ser evitado. O campeonato de Rui Rio não é o campeonato da oposição mais colorida, da oposição com mais sex appeal para a comunicação social, da oposição mais colorida em cada dia. O campeonato de Rui Rio é o de ganhar eleições.
Esse campeonato não lhe tem corrido assim tão bem...
E acha que Rui Rio não tem consciência disso? Ou achamos que ele, enfim, tem alguma falha de raciocínio ou então chegamos todos aí. Ele sabe perfeitamente que o caminho que segue individualmente e a proposta de caminho que faz ao PSD, por ser diferente, traz necessariamente incompreensão e custo político. Ele aceita isso, o que lhe parece é que é mais importante, na leitura que os portugueses fazem - não é na leitura que a comunicação social faz -, a credibilidade e a coerência da posição política do que o ganho imediato.
Foi essa leitura que esteve posta em causa, precisamente, com os piores resultados dos últimos anos. Portanto, essa relação direta com o eleitorado - até podia dizer que os media não compreendem Rui Rio - viu-se nos resultados. Vai mudar alguma coisa? O Rui Rio que sairá do congresso na semana que vem vai mudar alguma coisa?
Eu não posso responder à pergunta sem ir aos termos em que a colocou. Disse que tinham sido os piores resultados eleitorais dos últimos anos. Eu acho que não vale a pena andarmos a brincar com as palavras. Na minha - e esta é uma leitura pessoal - opinião, o PSD, depois das autárquicas em que obteve 10% em Lisboa e 11% no Porto, entra numa zona de perigo para o partido. Portanto, quando Rui Rio inicia funções, eu acho que o PSD está a aproximar-se de uma faixa de resultados que pode pôr em causa a sua sobrevivência política. Esse é que é o ponto de partida. O PSD nas últimas legislativas saiu dessa zona de risco. Nas últimas legislativas digo: o PSD ganhou alguma coisa? Não. O PSD saiu dessa zona de risco em que eu acho que ele estava? Sim. Veja a diferença de leitura do ponto de partida, do resultado das últimas autárquicas... Eu fiz, e acho estranho que seja o único que tem essa memória, vivi um percurso político - e com responsabilidade nele - que é decalcado deste. Durão Barroso pega no partido numa situação de emergência, quando Marcelo resolve apresentar a demissão, a uma ou duas semanas de apresentar os candidatos às europeias, muito próximo delas, a que foi e que o PS ganha. Seguem-se umas eleições legislativas que eram, aliás, as eleições de que Marcelo tinha medo da hipótese de maioria absoluta, a qual procurou - na minha opinião, mal, desnecessariamente e com as consequências que se viram - evitar, na coligação que fez com Paulo Portas, na minha opinião, uma coligação antes de tempo, não estava feita a digestão do Independente...
Temos de avançar, não podemos fazer a história toda do PSD.
Está bem, mas é para dizer que Durão Barroso foi a eleições, perdeu-as, a seguir teve o Rubicão do congresso de Viseu, com Pedro Santana Lopes e Luís Marques Mendes a disputarem a liderança, por causa dos resultados das legislativas...
E depois acabou primeiro-ministro.
Acabou primeiro-ministro. Ele era o tal homem com quem os media brincavam por ter dito: "Eu sei que vou ser primeiro-ministro, não posso é dizer quando." Lembro-me da primeira página do Expresso com "O homem que nunca será primeiro-ministro", era essa a leitura que faziam muitos inteligentes da análise política, e chegou lá.
Rui Rio, na moção que apresenta ao congresso e com que se apresentou a estas diretas, dizia que contava ter o PSD pronto para governar a partir de 2021. Se houver uma crise política três meses depois das legislativas, o PSD está preparado para governar já?
O PSD, como um partido líder da oposição em Portugal, tem de estar preparado para assumir o governo em qualquer momento, tal como o PS. Isso vem da preparação dos seus quadros e, portanto, da capacidade que tenha um partido como o PSD - que a tem - de poder apresentar uma solução de governo alternativa nas pessoas. Essas são aquelas, entre as que têm experiência do governo anterior e os novos protagonistas, podemos dizer, os cabeças-de-lista todos que o PSD apresentou. Nas pessoas e na proposta. O PSD não procurou um caminho que lhe permitisse, depois, estar a negociar na véspera da aprovação do Orçamento o que quer que fosse para seu contentamento. O PSD fez um bocadinho diferente - apresentou a proposta nas eleições, ao contrário do que os outros partidos fizeram, e é isso que lhe permite estar pronto para ser governo. Apresentou um quadro de referência e uma proposta política nas últimas eleições, que para o PSD são tão válidas hoje como eram nesse momento, e que lhe permitem, numa situação dessas, dizer aos portugueses que estão ali.
Nesta fase em que o centro-direita se está a rearrumar, em que o CDS tem um novo líder, em que o espaço do centro-direita está até mais espartilhado, com a Iniciativa Liberal (IL) que chegou ao Parlamento, o Chega que chegou ao Parlamento, este é o timing mais conveniente para o PSD ir disputar umas eleições?
O PSD faz o seu caminho e, portanto, não tem medo de crise política nenhuma que aconteça amanhã, depois de amanhã ou para a semana que vem. O PSD está a olhar para as eleições autárquicas. E tendo nesse calendário apresentado já um conjunto de pessoas novas, uma proposta política completa, que foi o que fez nas últimas eleições. Eu falo em olhar para 2021 porque os únicos partidos que têm uma expressão nacional correspondente à vontade do país - e isso só conseguimos ler nas autarquias - são o PS e o PSD. Portanto, o PSD olha para as eleições autárquicas porque entende que são um momento decisivo - tem que ver com aquela leitura que eu estava a fazer do PSD e dos resultados do PSD. Por serem um momento decisivo é que vimos António Guterres a reagir como reagiu às eleições autárquicas de 2001. Portanto, por um lado, pela importância do calendário autárquico e do significado que esse resultado pode ter e, por outro lado, porque eu não acredito, mas é que não acredito mesmo, que este governo possa durar quatro anos.
Porque é que não acredita?
Porque ele tem desde o primeiro dia as condições do seu "datamento" anunciadas.
Que são quais?
A inexistência de um acordo sólido, qualquer que ele fosse, entre o partido vencedor mas minoritário saído das eleições e as esquerdas com que disse querer voltar a entender-se. O Presidente da República, do alto do seu mundo, veio confirmar que seria o caminho. É essa razão, a inexistência de um acordo sólido entre essas esquerdas e o perceber, tendo um mínimo de experiência política, que não é sustentável o caminho dos últimos quatro anos para os próximos quatro. Porquê? Porque havia um conjunto de objetivos negativos, digamos assim, que unia as esquerdas no princípio desse mandato, e agora tudo o que há é uma negociação caso a caso que não é sustentável, em que tudo o que o PCP e o BE podem fazer é pedir mais, e vão pedir mais, ou já estão a pedir mais e mais e mais, sem qualquer - diferentemente do PSD - quadro de referência, garantia ou apresentação de um quadro de objetivos, de contrapesos, etc., é só pedir mais. Isto num quadro económico que vai ser mais negativo.
O PSD não vai estar disponível para ser a garantia de estabilidade, para ser a tal muleta de que falava há pouco, de forma um pouco irónica?
Eu acho que essa é, olhando até para a luta recente do PSD, talvez a questão política no que ao PSD respeita, mais substantiva e menos mediática, e que, de alguma maneira, alguns procuraram protagonizar. Eu tenho claro para mim, tal como tinha em 1982-83, duas coisas: primeira, o centro é a primeira trincheira da direita, não perceber isto é não perceber nada, na minha opinião, como é a última da esquerda. Nunca a direita - o espaço não socialista, que eu não gosto da direita - voltará a ser governo em Portugal se procurar crescer nas pontas e perder - acho que aí concordamos todos - ou enterrar esta trincheira que tem sido, nos últimos 40 anos, a trincheira que tem dado a vitória ao bloco socialista ou ao bloco não socialista. Para mim, isto é evidente e, logo aí, respondo a todos os que disseram o que o PSD devia fazer, acontecer, etc.
Que devia ter acordo com o Chega. Isso é impensável para si?
A primeira trincheira da direita é o centro. E chega de procurar confundir as pessoas dizendo que quem tem esta leitura do posicionamento do PSD - que na minha opinião é o posicionamento de sempre do PSD - e que recusa, portanto, que o PSD vá numa corrida desenfreada de caracterização à direita, de reforço, etc., está feito com o PS e quer, então, um PSD subalterno. Quem diz isso agora não deve ter memória, alguns usavam cueiros ou não eram nascidos quando o bloco central existiu em Portugal. Eu combati isso, não tive nenhuma dúvida. Eu sou tão inequivocamente contra uma solução política de bloco central como sou claro em dizer que a primeira trincheira da direita é o centro e é essa a trincheira do PSD. Para mim, estas duas afirmações são muito importantes e acho que com elas resolvem uma série de equívocos. Adianto que eu - e aqui é uma opinião pessoal - não achava equilibrado o país onde vivia há quatro anos, em que a extrema-esquerda estava à porta do governo e a extrema-direita à porta da clandestinidade. Eu revejo-me tanto no Chega como me revejo no BE, porque são, na minha opinião, partidos de extrema-direita e de extrema-esquerda respetivamente...
Consegue dizer isso, nesta semana?
Muito do que tem acontecido é esta habituação do país a uma posição e direita mais extrema, que é a do Chega e que se tem demonstrado. Não vou aos epifenómenos para saber se naquela fala mostrou ódio racial, não vale a pena, estou a tentar fazer uma leitura política séria. Acho que estamos num momento em que o país se está a habituar a isso que não tinha, que é uma voz de extrema-direita. É a minha? Não. Revejo-me nela? Não. Tenho alguma coisa que ver com essa voz? Não. Acho que essa voz fazia falta e acho que essa voz tem tanto direito a existir quanto a do BE. Na minha opinião, o Chega está tão longe de um centro político em que me vejo e de um caminho reformista que é o do PSD quanto o BE. Estão à mesma distância. Nós é que estávamos num país com dois problemas fundamentais no sistema: primeiro, a voz mais à direita que tinha era a de Assunção Cristas. Dá-me vontade de rir se alguém pretender dizer que o português que pensa mais à direita se revê na Assunção Cristas. Havia um sistema incompleto, estava descalibrado para a esquerda. Isso vem do 25 de Abril. Lembro-me de em 1976 ser chamado a uma sede do meu partido para me perguntarem se eu entendia - miúdo que era, na altura - se era o caminho para o socialismo ou se era a solução em si mesma. Eu disse que na minha opinião era a solução em si mesma, não era um caminho para o socialismo. Isto para verem que esta discussão existe desde aí.
Tendo em conta aquilo que acabou de dizer, repugna-o que um dia o PSD se possa aliar, coligar, fazer um acordo, com o Chega?
Não sei qual é o futuro, o que são as circunstâncias, as condições em que teríamos de considerar isso. Só digo que a minha distância para o Chega é igual, sensivelmente, à minha distância para o BE. Não consigo dizer mais do que isto.
Nesta semana houve uma declaração profundamente racista do deputado do Chega. Não teme que ao não se distanciar disso as pessoas possam não compreender que o PSD não se distancie deste tipo de coisa?
Acho extraordinário que você diga o "não se distanciar". Eu estou a dizer-lhe que o Chega está à mesma distância de mim que está o BE.
Eu estava a falar do PSD.
O PSD está à mesma distância do Chega que está do BE. E você, em cima disto diz, "ao não se demarcar", mas alguma vez viram alguma confusão entre o PSD e o BE? Não.
Para onde é que este CDS está a caminhar? Encostou mais à direita?
Penso que é cedo. Tentei tirar substância política, nesse sentido da leitura sobre qual é o posicionamento, a estratégia para o futuro do CDS - não nos dizeres, mas na substância do discurso político - e cheguei à conclusão de que é melhor continuar à espera porque não tinha encontrado o suficiente para fazer uma leitura. Acho que é preciso esperar. Pelas indicações, na atitude e no posicionamento, mas isso é o adjetivo, não é o substantivo da política, com certeza que parece ter dado um passo à direita. Se o CDS quiser cair na asneira, na minha opinião, de ir fazer o campeonato do Chega, está sempre a perder, porque o Chega dobra a parada, diga ele o que disser, o Chega diz a dobrar. Portanto, a ideia de que "espera lá, deixa-me ir defender um bocadinho este lado mais à direita, que pode ficar desguarnecido porque há muitos portugueses que se reveem no Chega", mostra que ao CDS estão a acontecer as mesmas dores que o PS já conheceu com o BE, que o PCP já conheceu com o BE. Eu acho que é um erro, tal como é um erro o PSD, apesar de o seu espaço natural de entendimento ser à direita, andar a dizê-lo todos os dias ou a carregar nisso, porque está, ao fazê-lo, a posicionar-se ou a sublinhar esta ponta direita. Não, o PSD deve estar onde está e o seu espaço de entendimento é a direita, ponto. Não precisa para isso de andar todos os dias a dizer - como alguns sugeriram - se faz a coligação agora, se não faz, se entende, se não entende... Eu lembro Durão Barroso - fomos a eleições, por pouco o PSD não teve maioria, entendeu-se com o CDS e funcionámos três anos no governo sem problema nenhum. Não foi preciso que Durão Barrosos andasse, antes, a fazer coligações, promessas, coisa nenhuma. Nem deve o PSD fazer isso, se o fizer reduz a sua capacidade de defesa da tal trincheira do centro.
Pedro Passos Coelho reapareceu nesta semana para voltar a falar desse grande bloco do centro-direita. É uma coincidência que ele tenha aparecido depois da derrota de Luís Montenegro nas diretas?
Ele apareceu em Ponte da Barca. Em Ponte da Barca eles fizeram uma coligação, há lá um entendimento PSD-CDS que aliás é um entendimento que nas autárquicas vimos acontecer muitas vezes. Eu acho que Pedro Passos Coelho chegou lá e estava a falar daquela solução de entendimento porque estava em Ponte da Barca, e a realidade em Ponte da Barca era essa. Ele estava a dizer que esta realidade tem potencialidades e pode ser replicada.
Mas o aparecimento dele, em si, não lhe diz nada?
Não.
No timing nem em nada disso? Não acha que ainda existem no partido saudosistas do passismo?
Uma coisa são os saudosistas, outra coisa é ele. Que Pedro Passos Coelho queira neste momento marcar politicamente? Não, francamente não. Acho que Pedro Passos Coelho é suficientemente direto e claro, conhecemo-lo todos. Conhecemos todos as circunstâncias da sua vida o suficiente para não estarmos a dizer isso. Não é essa a preocupação, a prioridade dele neste momento. Portanto, não. Pedro Passos Coelho não está, ele, a marcar nada ou a antecipar nada. Aquilo que ele disse tem de ser reconduzido ao contexto de Ponte da Barca.
No próximo fim de semana há congresso do PSD. No último congresso, há dois anos, houve vozes críticas que subiram ao palco e que deram a cara. Estou a pensar em Luís Montenegro, Hugo Soares, alguns apoiantes até de Luís Montenegro. O que é que espera deste congresso? Acha que com o resultado destas diretas está resolvida de vez a parte da crítica interna?
Eu gostava que neste congresso o PSD repetisse, um pouco como anteriormente aconteceu, eu recordei o congresso de Viseu - aquele ponto difícil para Durão Barroso em que enfrentou Marques Mendes e Pedro Santana Lopes -, em que desde esse congresso até às eleições autárquicas foram dois anos e não houve oposição sistémica, sistemática de Marques Mendes ou de Pedro Santana Lopes. Eu gostava que assim fosse. Gostava que o PSD percebesse que acabou o tempo de andar a tentar ganhar o partido e do que estamos a falar agora é de ganhar o país, e para ganhar o país temos de estar todos juntos. Mas acrescento, para dar picante à conversa, que não tenho nenhuma certeza de que vá acontecer, e sei que até estamos no tal tempo novo dos tais protagonistas individuais, e que há muita gente que tem um ego maior do que a consciência que tem do interesse do partido. Vivemos num tempo em que isso causa frisson, e tenho a certeza de que os media darão a isso toda a cobertura, por desproporcionada que seja. Estamos num tempo de protocandidatos, digamos assim, de pessoas que acham...
Está a pensar em alguém?
Não. Estou a pensar em todos os que acham que agora o que é importante é como é que se posicionam e o que dizem. Sabemos todos que para cada dez que digam que concordam com a estratégia haverá menos espaço mediático do que para cada um que chegue lá e comece a falar alto. Sabemos isso, é a lei da vida. Portanto, se eu garanto que não vá acontecer? Não. Se acontecer é mau para o PSD? É. Se isso acontecer, protagonizado por aqueles que são responsáveis políticos ou militantes com responsabilidade política - Luís Montenegro é um deles -, é evidente que desvitaliza o PSD e põe em causa a capacidade que o partido tem de chegar lá. Não vale a pena esconder o sol com a peneira. Do Pinto Luz gosto muito das ideias, mas as ideias têm de corresponder a uma prática, e a prática que lhe conheci em termos políticos não a recomendo.
Está disponível para continuar na direção do PSD se for convidado por Rui Rio?
Essa é a única pergunta que tem de fazer a Rui Rio e não a mim.
A si tenho de perguntar se está disponível, a Rui Rio tenho de perguntar se o quer convidar.
Mas eu não lhe posso responder sequer sobre a minha disponibilidade porque isso, de alguma maneira, é já metade da resposta que Rui Rio depois poderia dar. É evidente que já falei com Rui Rio, estive ontem a trabalhar com ele. Qualquer que seja a equipa que Rui Rio escolha, não há nisso nenhum significado, esteja ou não esteja eu nessa equipa, quanto à minha absoluta convicção de que Rui Rio é um dos poucos com a capacidade de comunicação direta com os portugueses. E é curioso porque ele, enfim, não tem 30 anos, é uma pessoa de uma geração em que isto poderia não acontecer, mas nós olhamos para trás, para a história do PSD, e quais foram os PSD que mostraram ter, por si, essa capacidade de comunicação direta, até antes do tempo em que ela era obrigatória, como agora o é do lado dos cidadãos? Pedro Santana Lopes era uma pessoa que tinha essa centelha; Alberto João Jardim, para o bem e para o mal, tinha essa centelha; Cavaco Silva tinha essa ligação aos portugueses, mas num modelo antigo, não no atual, e Rui Rio. Olhamos para a história do PSD e não vemos lá nenhum Luís Montenegro, nenhum Marques Mendes nessa relação com as pessoas. Eu acho que Rui Rio tem essa relação direta com os portugueses, com o que tem de negativo e de positivo.
E Marcelo Rebelo de Sousa também tem?
Só não disse o nome de Marcelo quando disse o nome dos outros...
Não, mas fiz a pergunta porque Rui Rio não fala das presidenciais na moção, já explicou até que achava que não era o tempo para falar das presidenciais. Passa-lhe pela cabeça que o PSD possa não apoiar Marcelo Rebelo de Sousa, se ele se recandidatar?
Não.