Mor, a futura moeda pensada para animar a economia de Montemor

Em 2019, Montemor-o-Novo quer ter a sua própria moeda. Para incentivar a economia local.
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Juvenália Cantanhede calça as galochas antes de avançar pelo trilho da horta que conduz às abóboras e às couves. Não sem antes desviar os patos mudos que comem tudo o que lhes aparece pela frente. É uma das pequenas produtoras de Montemor-o-Novo que se juntaram à chamada Rede de Cidadania, um grupo que privilegia a economia sustentável e que em setembro de 2019 - por ocasião da Feira da Luz - ambiciona estrear uma moeda local. Produtores e comerciantes estão entusiasmados e até um médico quer cobrar as consultas apenas com a futura moeda.

Chama-se "mor", vai conviver com o euro, mas tem o objetivo de não deixar escapar o dinheiro do concelho. A taxa de câmbio é apresentada como atrativo, beneficiando em 2% quem troca euros por mores e penalizando em 3% quem troca mores por euros. ou seja: Cada 100 euros equivalem a 102 mores, mas 100 mores valem 97 euros.

"Não se pode parar. Chegámos a um ponto da agricultura que temos de andar sempre a apresentar ideias ou ficamos para trás", explica Juvenália, que faz de tudo em pouco no hectare e meio de terra que herdou da família no Monte das Gigantas. É no mercado municipal dos sábados que exibe mel, citrinos, legumes, ervas aromáticas e até artesanato em cortiça, além de licor de poejo.

Assume que a pequena produção tem conquistado o seu espaço, sem perder de vista que "agora é preciso convencer quem cá vive a deixar aqui o dinheiro, porque temos qualidade", diz, aplaudindo sem hesitar o projeto de criação do mor. "Se houver uma banca rota estamos salvos com a moeda local. A minha avó era rica e perdeu tudo quando Portugal passou do real para o escudo, porque tinha o dinheiro em casa e desconhecia o sistema." Ainda hoje encontra reais enterrados na quinta, porque como não valiam nada a avó ofereceu-os aos netos para brincarem.

A ideia da moeda local, que terá a forma de um cartão de crédito, vem de 2013, tendo sido testada em três feiras francas, duas das quais seriam registadas no inventário de Moedas Comunitárias de Portugal de 2014.

A cooperativa integral Minga, que aposta na sustentabilidade económica através da proximidade de oferta de bens e serviços, tem loja aberta em Montemor e está entre os impulsionadores do projeto, tendo já disponível uma moeda interna. Não tem nome.

Por ali são vendidos os artigos dos produtores locais, que podem optar por não mexer em dinheiro, mas apenas receberem créditos para gastarem noutros artigos. "Tínhamos interesse numa coisa mais alargada a todo o concelho para haver uma consciência para o consumo local", diz o economista e gerente da Minga, Jorge Filipe, que juntamente com a presidente da Rede de Cidadania, a belga convertida ao Alentejo Pascale Millecamps, já conquistou o interesse da câmara.

"Para termos apoio da autarquia na parte tecnológica tivemos que criar uma associação", explica. A A.MOR (Associação para a Moeda Local de Montemor) visto a luz do dia no final de agosto.

E quanto à banca? "Tudo pacífico", afiança Pascale. "Já contactámos o banco e até tem interesse em que haja muitos mores, porque será criada uma conta e todos os euros são lá depositados", explica, assumindo não fazer ideia do volume de negócio que o projeto vai gerar, mas diz que todos os comerciantes e produtores de Montemor serão convidados a participar.

Basta a qualquer estabelecimento aderente ter um smartphone que lê o cartão do cliente, é digitado o preço e o titular coloca o PIN. O projeto contempla ainda a criação de um site onde os aderentes poderão gerir as suas contas.

"Isto permite uma maior responsabilização do dinheiro. O mor fica dentro sistema do concelho", refere ainda a dirigente, exemplificando que "quanto mais vezes 20 mores circularem em Montemor, entre sapataria, frutaria, pastelaria e restaurante, melhor para a economia local. Chama-se velocidade de circulação da moeda", diz, enquanto Jorge Filipe dá o exemplo da desvantagem em torno do dinheiro que fica nas grandes superfícies. "Vai para todo o lado e pode nunca mais voltar", refere.

É por isso que tanto o médico Rogério Godinho como a lojista Carla Mariano abrem os braços ao desafio do mor. "Se o projeto ganhar dimensão vou dar consultas apenas em mor", assume o médico, considerando "relevante" que a moeda local tenha o acolhimento de vários serviços no concelho. "A ideia é estimular a economia e a produção local, pelo que a própria câmara deverá aceitar o mor em alguns serviços", apela Rogério Godinho.

Carla Mariano, que há 11 anos gere um pronto-a-vestir na rua da Avis, faz fé que a futura moeda exclusiva da terra ajude a mudar a face à economia. "A partir do momento em que a taxa de câmbio dá vantagens ao mor é provável que as pessoas se deixem convencer a comprar por cá", admite a empresária, assumindo que o comércio já teve dias melhores, mas desde os tempos da troika que a falta de dinheiro vem sendo um argumento transversal entre a clientela.

Poucas experiências em Portugal mas milhares pelo mundo

Portugal já tem algumas experiências em moedas locais nos últimos anos, precisamente com o objetivo de conceder maior poder de compra às famílias mais desfavorecidas, sobretudo, na realização de feiras. Em Campo Maior, por exemplo, circula o mayor, enquanto em Lisboa foi lançado o Santo António na freguesia com o mesmo nome. A Covilhã tem a Lapa. Porém, nenhuma moeda em Portugal assume a dimensão ambicionada por Montemor, ao contrário do que acontece em Espanha, onde já existem mais de 40, tendo sido mesmo criado o Instituto da Moeda Social. De resto, existem hoje pelo mundo mais de 2500 diferentes sistemas monetários locais, com o objetivo de aumentarem a resiliência das economias locais, incentivando a relocalização de compra e produção de alimentos. O próprio Banco Central Europeu já emitiu pareceres onde não levanta obstáculos a estes sistemas.

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