Montenegro contra governo "à deriva" e com "partido coeso"

Um mês após tomar posse, Luís Montenegro diz que não teve "surpresas" e reafirma que compete ao PS governar. Politólogos avaliam como positiva a sua prestação nestas primeiras semanas, mas dizem que mudança de líder parlamentar foi um "erro".
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O discurso está afinado neste primeiro mês de liderança do PSD. Luís Montenegro garante que não teve "surpresas" nem ao nível do partido nem no papel de opositor ao governo. É neste papel, de "alternativa" a António Costa, que se coloca desde a primeira hora.

"Temos um governo à deriva em termos de coordenação e ação, incapaz de suster as consequências do desinvestimento nos serviços públicos e o empobrecimento geral dos portugueses, que são vítimas do aumento do custo de vida e do aumento exponencial da carga fiscal", afirma ao DN.

Questionado se após o primeiro encontro com o primeiro-ministro, que decorreu na semana passada, ficou com a convicção de que será possível entendimentos, em particular sobre a questão do novo aeroporto de Lisboa, admite que o PSD tem "sentido de responsabilidade nacional e não exclui o diálogo democrático exigível aos grandes partidos". Mas volta a advertir que "quem governa é o PS e com maioria absoluta não há desculpas".

No que diz respeito à vida interna do partido - em que conseguiu uma direção que congregou figuras como Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz -, insiste que "está unido e coeso no objetivo de reganhar a confiança dos eleitores e dar um governo novo a Portugal. Senti isso de norte a sul do território continental e também nos Açores e na Madeira".

André Freire considera "positivo" o primeiro mês de liderança de Montenegro, sobretudo porque "tem tentado marcar posição e superar o facto de não ser deputado, ao ter um gabinete no Parlamento", e afirma que o novo líder do PSD é "mais assertivo" do que Rui Rio na oposição, sem ser "destrutivo".

O politólogo evidencia a capacidade que o presidente social-democrata teve de "unir" as figuras que lhe poderiam fazer frente na sua própria direção e "com algumas grandes promessas, como Margarida Balseiro Lopes (ex-líder da JSD e ex-deputada). "António Costa tem de pôr as mãos à obra muito mais do que tinha com Rui Rio", afirma.

De aspetos menos positivos deste arranque de liderança aponta "a falta de mulheres na direção" e a substituição do líder parlamentar, de Paulo Mota Pinto para Joaquim Sarmento. "Joaquim Sarmento é um académico destacado, mas tem pouco currículo político e pouca experiência parlamentar", explica. De facto, Joaquim Sarmento, ex-presidente do Conselho Estratégico Nacional e coordenador da moção de estratégia de Montenegro, foi eleito pela primeira vez deputado nesta legislatura.

"Paulo Mota Pinto tem muito mais experiência e currículo político, foi juiz do Tribunal Constitucional, e não se percebeu esta mudança, que é até contraditória com a estratégia de união do partido."

Este é também um ponto negativo apontado por José Adelino Maltez, e até fez prova disso: no debate do Estado da Nação, "António Costa encostou-o [a Joaquim Sarmento] às cordas para travar o novo líder do PSD. Foi inclemente".

Da prestação do próprio Luís Montenegro enquadra-a num estratégia de "médio prazo" e que corre o risco de Costa lhe voltar a colocar a "casca de banana" sob os pés ao "mandar Pedro Nuno Santos ser o seu opositor". Mais do que rejeitar debater com o ministro, como fez Montenegro, "é preciso que isso seja percecionado pelas pessoas, que Costa é o seu opositor", diz o politólogo.

Mas Adelino Maltez insiste: "Ele tem um plano de médio prazo que não se vai esgotar na verborreia sobre os assuntos diários." Admite que num espaço de um mês conseguiu cumprir o prometido e fazer a unidade do PSD, e "sem alterar o discurso de forma brusca".

"Conseguiu, no plano interno, uma vitória, desapareceram as vozes críticas, mas que imagem tem para o homem comum? Ainda não a conseguiu construir, precisa pelo menos de seis meses para o fazer", sentencia.

Recorda que o novo líder do PSD ainda tem a imagem de ser líder parlamentar, "habituado a um certo discurso, em que não tinha voz própria, era a da liderança do partido no Parlamento e do respetivo governo. Vai demorar a encontrar a consolidação da sua imagem e, para isso, tem de constituir as equipas que serão a sua orquestra".

Ainda não era líder legitimado do partido, o que aconteceu no Congresso do Porto, e já Montenegro tinha recebido o primeiro desafio de António Costa para dialogar sobre a localização do novo aeroporto. Tudo depois da grande polémica sobre o despacho revogado do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos.

E esse foi um tema que marcou o arranque da sua liderança, embora tenha garantido que não foi tema de conversa na primeira reunião que teve com o primeiro-ministro, António Costa, em São Bento, na semana passada.

Sem recusar o diálogo, tal como reafirma ao DN neste breve balanço de um mês de liderança dos sociais-democratas, Montenegro insistiu que compete ao governo decidir. Na quinta-feira, recusou que Pedro Nuno Santos seja o seu interlocutor nesta matéria, disse mesmo que o ministro não tem "autoridade política" para intervir no diálogo sobre o aeroporto. E só admite conversar com António Costa sobre o assunto.

"Do ministro das Infraestruturas e da Habitação, sinceramente, não lhe reconheço autoridade política para poder intervir neste diálogo, porque eu nunca sei, nem os portugueses sabem, se ele está ou não sintonizado com o primeiro-ministro", considerou.

Estas declarações foram feitas depois de Pedro Nuno Santos ter responsabilizado o PSD pelos atrasos no aumento da capacidade aeroportuária na região de Lisboa. "Eu aproveito para dizer que o nosso interlocutor no governo é o Dr. António Costa, primeiro-ministro, não é o ministro das Infraestruturas. Eu sei que ele tem andado um bocadinho desnorteado, eu diria mesmo que ele não acerta uma", afirmou Luís Montenegro.

No intervalo das grandes questões políticas, como a do aeroporto ou a crise no setor da saúde, o novo líder do PSD tem andado pelo país, não ainda na versão de uma semana em cada concelho, como prometeu, e que começará em setembro.

Nas lides tradicionais do partido conseguiu palco para o país. No encerramento do Congresso Regional do PSD/Açores - que governa em coligação a região autónoma -, a 18 de julho, abriu a porta à revisão constitucional para resolver o problema da Lei do Mar, elogiou José Manuel Bolieiro, líder do Executivo regional, e validou o acordo parlamentar regional com o Chega.

Já na tradicional Festa de Chão da Lagoa, que marca a rentrée do PSD/Madeira, também no poder em coligação com o CDS, Luís Montenegro voltou ao tema aeroporto e foi muito claro na mensagem: "Eu quero ser muito claro. O PSD é um partido responsável, é um partido que entende que estas obras estratégicas, estruturantes, devem merecer um consenso tão alargado quanto possível, mas não vamos inverter os papéis", declarou, esclarecendo depois: "Quem tem de governar é o governo, nós cá vamos fazer oposição responsável, como digo, mas oposição."

No início do mês, acabado de tomar conta do partido, reuniu com a bancada escolhida ainda por Rui Rio e a última da liderança de Paulo Mota Pinto. Mas o que transpirou do encontro com os deputados sociais-democratas foi a sintonia de posições. O novo líder parlamentar, Joaquim Sarmento, foi eleito dias depois, a 13 de julho, e conseguiu 59% dos votos, com 46 votos a favor e 20 brancos, outros tantos nulos e uma abstenção, a do ex-presidente Rui Rio, o que mostra que a escolha de Sarmento não foi consensual entre os deputados sociais-democratas.

O novo líder parlamentar do PSD afirmou estar "satisfeito com a votação" na sua direção e recusou estar fragilizado ou entrar em comparações com os números obtidos pelos seus antecessores. "Não creio que seja útil fazer comparações, preocupa-me - em todos os lugares por onde tenho passado na minha carreira académica, profissional e política - sempre com a avaliação que os meus pares fazem à saída, não à entrada", afirmou Joaquim Miranda Sarmento.

O facto é que será o rosto visível do PSD no Parlamento e a sua prestação vai ser deduzida ao mérito ou demérito de Luís Montenegro.

paulasa@dn.pt

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