Monstrinhos 'hard rock' vencem na Eurovisão
Nunca a frase "a tradição já não é o que era" se aplicou tão bem ao Festival da Eurovisão. Em tempos iam de trapinhos ora convencionais ora ousados (ninguém se esqueceu das botinhas do irmão mais velho e da saia tipo salada de alface de Dora, em 1986, quando cantou Não Sejas Mau pra Mim). Sandie Shaw fez correr tinta em 1967 ao cantar, descalça, Puppet On A String. Os Abba venceram, em 1974, mascarados à época de Napoleão, ao som de Waterloo. Em 1983 a Bélgica assinava o "escândalo do ano" (e não havia festival sem o seu escândalo), com duas catraias sempre curvadas, pauzinhos na mão, a berrar RendezVous do princípio ao fim da canção. Em 1998 a transsexual Dana International já era "a" notícia antes mesmo de subir ao palco. No mesmo ano, menos sorte teve o "palhacinho" Guildo Horn, que não fez da quase circense proposta alemã o fenómeno desejado. Há um ano, a Noruega já tinha levado à Ucrânia um rock pesadote. Mas proposta "mostrenga" como a que a Finlândia este ano levou, nunca se tinha visto. Mascarados e pintados de monstros, com mais ar de paródia ao He-Man e JeepersCreepers que com ar de personagens de filme de terror satânico, os Mr Lordi venceram, destacadamente, o 51.º Festival da Eurovisão com uma canção hardrock de dieta no ruído, de melodia chunga e fórmula básica e banal. Os Scorpions não teriam feito melhor!
Na Finlândia o grupo somava já um historial de sustos pregados, com as principais críticas vindas do sector religioso. E se na Finlândia incomodavam muita gente, na Eurovisão podiam incomodar muito mais... Bem dito, bem feito, com vitória esmagadora mesmo sobre canções talhadas ao gosto mais habitual, suplantando até a favorita sueca (na reencarnação mil e um da fórmula Abba).
O primeiro ministro finlandês já telefonou a dar parabéns aos Mr Lordi, e estará hoje com eles numa conferência em Helsínquia, na qual o grupo já deixou claro que comparecerá mascarado. O Ministério da Cultura já os elogiou, levantando o potencial de exportação da canção. E por todo o país, onde se temia mais um flop, tão azarada que sempre fora a longa história eurovisiva finlandesa desde a sua estreia em 1961, faz--se a festa.
De resto, foi um festival sem histórias. Vizinhos ofereceram votos entre si, as ex-repúblicas soviéticas a somar chorudas votações, tantas que são a trocar pontos umas com as outras. Já entre os países da "velha" Europa eurovisiva, a coisa cantou fininho. E nem mesmo o Reino Unido, com uma canção pop bem actual, de travo hip hop, conseguiu mais que um modesto 19.º lugar. Espanha em 21.º e França em 22.º!
Quanto à medíocre participação portuguesa, sabe-se já que se saldou por um 19.º lugar na semifinal, com sete pontos atribuídos pela França, outros tantos pela Suíça e 12 por Andorra. Mais nada.