Momentos de glória em Paris
Desde os Jogos Olímpicos de 1900, em Paris, que a vaidosa capital francesa sofria do terrível complexo de quase ter envergonhado de morte o pai das olimpíadas modernas, monsieur Charles Pierre Fredy, excelentíssimo barão de Coubertin. Até à data, ninguém tinha conseguido superar os franceses na pior organização de sempre dos Jogos Olímpicos da era moderna. Estava claro como água, pelo menos para o barão e para o respectivo Comité Olímpico Internacional (COI), que Paris tinha uma dívida para com os Jogos Olímpicos. Mas só isso não justificaria que, em menos de três décadas, Paris organizasse por duas vezes umas olimpíadas. Se o barão não fosse francês, até pela carta de apresentação, o milagre não seria possível. Paris convenceu o barão que desta vez ninguém dormiria em serviço e que a organização seria um exemplo para o futuro, nos antípodas do exemplo que tinha deixado no passado. E o barão, francês, enternecido, magnânime no Comité Olímpico Internacional, moveu a sua influência, quase sinónimo de ele próprio deixar influenciar-se, e, coisa estranha, conseguiu que Paris ganhasse a concorrida a uma dezena de outras candidatas.
É claro que esta "influência" olímpica não passou em claro. Mas, por outro lado, o mundo andava entretido nos seus mais diversos quadrantes. Algumas mulheres, devidamente dotadas de poder de sufrágio, andavam por aí de calças. O fascismo, que já usava calças há muito tempo, emergia em pujança. Mussolini, depois da marcha sobre Roma, em 1922, tinha em Itália o seu domínio. Gago Coutinho e Sacadura Cabral, viram Mussolini lá de cima, a bordo do seu hidroavião, que faria a primeira viagem entre a Europa e a América do Sul.
Em 1923, depois do famigerado Golpe de Munique - "putsch" -, um ex-cabo do exército, de bigode pouco expansivo e criterioso, que servira no regimento de reserva bávara, estava na cadeia, condenado a cinco anos por traição, a escrevinhar o ideário do nazismo, não sonhando que o seu "Mein Kampf", havia de se transformar na bíblia do xenófobo totalitarista e que ainda hoje tem leitores. Nos Estados Unidos, os americanos embebedavam-se na Lei Seca, Hollywood florescia, Charlie Chaplin emudecia multidões. E em Paris, ou melhor, para Paris, vigorou a lei de Coubertin. Mas, cuidado: o barão tinha Paris debaixo de olho. E não permitiria outro fiasco.
Desta vez tudo foi planeado ao detalhe. Mas os problemas começaram na sua execução, já que as obras de construção do estádio de Colombes ou da magnífica piscina de Tourelles, atrasaram, com Charles Pierre quase a perder a cabeça e a entregar os Jogos Olímpicos de 1924 a Amesterdão. Paris acelerou. E, atempadamente, esmerou-se. Foram estes os primeiros Jogos Olímpicos da história a ter uma aldeia olímpica, embora muitos dos atletas mais tarde se queixasse da comodidade duvidosa das casas de madeira da aldeia, construída de estaca zero. Paris bateu igualmente todos os recordes em matéria de presença de atletas e de países envolvidos, trazendo 3075 atletas de 44 nacionalidades.
Quanto às olimpíadas propriamente ditas, foram um sucesso, dando ao mundo novos recordes e novos heróis, como os que inspiraram o famoso filme "Momentos de Glória", fazendo jus aos atletas britânicos no atletismo. Da natação e do pólo aquático, estava presente um atleta imparável, que em criança lhe fora diagnosticado raquitismo, mas que haveria de nadar para a glória e, um ano depois destas olimpíadas, havia de ser eternizado no papel de Tarzan. O norte-americano John Weismuller foi uma das estrelas mais brilhantes, mais esteve longe de ser a única. E Paris redimiu-se, como uma verdadeira cidade de luz.