Moita tem mais famílias reconstruídas, monoparentais e uniões de facto

Os novos tipos de agregados familiares ganham relevo em relação ao casamento formal, cujo número está a diminuir. Têm uma maior representatividade neste concelho do estuário do Tejo, o que se explica pela sua diversidade.
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Um quarto das famílias da Moita são constituídas pela mãe e por um ou mais filhos. É também elevada a percentagem dos agregados com filhos não comuns. E casar não é importante para muitos dos residentes. São as novas famílias de Portugal e com uma maior representatividade no concelho.

Vanessa Neves, 34 anos, aproveita o início da tarde para pôr a conversa em dia com a amiga Vera Lúcia, 28, e a irmã Dânia, 21. Nasceram na Moita; a vida levou Vera para o Montijo e Dânia para Alcochete, mas é num café moitense que se encontram.

Vanessa tinha 20 anos e o marido 18 quando decidiram morar juntos "Juntámo-nos cedo, comprámos casa na Moita e fomos vivendo a nossa vida. Há quem tenha gosto em se casar, para nós, nunca foi importante. Nunca criou obstáculos o facto de não termos um papel assinado, até mesmo nas Finanças". Entretanto, nasceram os filhos, agora com 17 e 5 anos, respetivamente. Vanessa é operadora de produto, está desempregada.

Vera ouve e sorri. Vive em união de facto há dez anos, diz que não será por muito tempo mais. "Vou casar daqui a dois anos, sempre foi o meu sonho. Há sete anos que o meu companheiro me pediu em casamento e andámos a adiar. Os meus avós vivem em França, o meu avô reforma-se dentro de dois anos e vem para Portugal, vamos esperar por essa altura". Faz limpezas e passa a ferro.

Dânia Pereira está de licença de parto pela Benedita, de oito meses. Engravidou e decidiu ter o bebé, independentemente de ir ou não viver com o pai da criança. "Pensava que era mais difícil ser mãe solteira, mas consigo gerir as coisas sozinha e há os apoios sociais." Trabalhava numa pastelaria.

As três mulheres testemunham conjugalidades que não passam por um contrato assinado e que cada vez mais se afirmam em Portugal Segundo os Censos 2021 é na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e no Algarve que mais se encontram estes núcleos familiares. A Moita destaca-se (ver infografia).

Desde 2001 que quem vive em união de facto tem os mesmos direitos que os casados. Há mais de um milhão de pessoas que assim vivem (11,2% da população), mais 38,2 % face a 2011. Recensearam-se quase 580 mil famílias monoparentais, mais 3,6 % do que há dez anos, representando 18,5 % dos agregados. E são mais 2,3 % as famílias reconstruídas (pelo menos um dos filhos não é comum), constituindo 8,8 % dos núcleos. Já a população casada diminuiu 2,1 % (4,2 milhões), ao mesmo tempo que a divorciada subiu 2 % (830 mil).

A Moita é um dos 18 concelhos da AML e um dos mais baratos, segundo as três amigas. "É tudo mais caro em Alcochete e no Montijo, sobretudo em Alcochete. Tive a sorte de encontrar uma boa casa no Montijo por um bom preço e acabei por ficar lá, embora goste da Moita, onde é tudo mais barato, um café custa 70 cêntimos e um bolo, 1 euro, por exemplo. O Montijo é uma cidade fantasma durante o dia, queremos beber um café e não há", diz a Vera.

Dânia, acrescenta: "Os preços são quase tão caros em Alcochete como em Lisboa. Aliás, a maior parte das pessoas que vivem em Alcochete não são de lá, são de Lisboa. É a Lisboa dos pobres. As pessoas de Alcochete fugiram".

Vanessa vê essas e outras razões para viver na Moita. "As casas na Moita são mais baratas, tanto para arrendar como para comprar. Está junto ao rio Tejo e tem vida. Tem uma biblioteca, o pavilhão das Vacas [Pavilhão Municipal de Exposições] e a Estrela [Sociedade Filarmónica Estrela Moitense], onde se fazem espetáculos e exposições ".

As queixas são para os autocarros, que mudaram de empresa e "as coisas estão confusas",

"O concelho da Moita é muito interessante para se viver. Tem património, está ligado ao rio, espaços verdes, agenda cultural, está próximo de Lisboa e oferece qualidade de vida", defende Maria José Moura, coordenadora do Gabinete de Intervenção Social e Habitação da Câmara Municipal da Moita (CMM). Tem mais pessoas do que há dez anos, mas é uma subida residual. Alhos Vedros é a freguesia que mais cresceu, mais 7,28 % de habitantes face a 2011. As outras três são Moita, a União de Freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira e União de Freguesias de Gaio-Rosário e Sarilhos Pequenos.

Tanto o Montijo, com 55 682 habitantes, como Alcochete, com 19143, registaram subidas maiores, mais 8,71 % e 8,98 % de residentes, respetivamente. Provavelmente, muitos vindos de Lisboa, cujo número de habitantes decresceu 1,25%, tal como outros concelhos a norte da AML. Destaca-se Mafra, com a maior subida ( 12,8 %).

Mais pessoas, significa mais necessidades. Andreia Lourenço, assistente social na CMM tem recebido mais pedidos. "Há um aumento de pedidos de habitação social e em todas as freguesias do concelho. São as famílias monoparentais e os idosos, muitos deles que vivem sós, que mais nos procuram".

Está na sede, mas trabalhou muitos anos no Vale da Amoreira, "que tem uma população muito própria", sublinha a técnica. "Essencialmente imigrantes que vieram dos PALOP, com famílias grandes, alargadas, também com um só progenitor e os filhos, na maioria mulheres. Vêm primeiro os homens e, depois, o restante agregado familiar. Normalmente, regularizam-se e procuram uma alternativa de trabalho no estrangeiro". É esta a sua explicação para tantas famílias monoparentais.

É o caso de Ivânia Silva, 22 anos, mãe de gémeos com três meses. Filha da pai angolano e de mãe portuguesa, nasceu no Barreiro e cresceu no Vale da Amoreira, onde vive com a mãe. O pai trabalha em Londres. "Está tudo a correr bem, tenho o apoio da minha mãe, mas não há uma creche, só a partir dos três anos. Estou a acabar o 12.º ano à noite e quero voltar a trabalhar", diz. Espera pelo autocarro que a levará a uma entrevista de emprego em Lisboa. Despede-se a dizer que não gosta do bairro. "Tem mau ambiente, deviam pintar os prédios, construir casas, espaços verdes, ser mais desenvolvido".

Uma das instituições que apoia a comunidade é o Centro de Reformados e Idosos de Vale da Amoreira, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que tem várias valências e não apenas para os mais velhos. Aliás, uma das apostas é na qualificação dos adultos. Gerem o protocolo do Rendimento Social de Inserção (RSI), a resposta alimentar (264 pessoas), o programa Escolhas (jovens), a loja social, o apoio domiciliário e centros de dia e de convívio para os mais velhos (120 pessoas). Resposta que será alargada através do Plano de Recuperação e Resiliência.

Kátia Lopes, 38 anos, coordenadora da equipa de protocolo de RSI, caracteriza o bairro: "Maioritariamente, é uma zona de habitação social, multicultural, com muitas pessoas de Cabo Verde, Guiné, Angola e de etnia cigana, onde o casamento não é visto da forma formal. Há muitas uniões de facto e famílias monoparentais, senhoras que estão cá com os filhos e os pais vivem no estrangeiro. Também temos famílias alargadas, na sequência da falta de resposta do parque habitacional, acaba por existir uma reunificação, os filhos voltam para casa dos pais e vêm com os seus filhos. Há muitas casas com pais, filhos, netos e avós. Há, ainda, muitas famílias reconstruídas, o que tem a ver com a imigração. Os homens vão para o estrangeiro e as mulheres ficam cá, acabando por reconstruir as suas vidas, muitas têm filhos de pais diferentes. Há famílias numerosas, sobretudo na etnia cigana, há casais com 30 anos que já têm cinco filhos".

Há 367 beneficiários do RSI, correspondendo a 1044 indivíduos.

Neuza Barros, 38 anos, vive na Baixa da Banheira e é técnica auxiliar de farmácia no Vale da Amoreira. Pensa seguir os estudos superiores. Tem dois filhos, de 13 e 5 anos de idade, fruto de duas uniões de facto que terminaram. Estão com os respetivos pais de 15 em 15 dias. O companheiro tem uma filha de 5 anos,

Nunca pensou em casar até conhecer o novo companheiro, com quem vive há três anos. "É uma pessoa estável e já falámos em casamento. Talvez tenha a ver com a minha maturidade, tenho uma profissão e ele, se calhar, conseguiu abrir-me o coração como os outros não conseguiram", justifica.

Ele tem uma filha de 5 anos e vai tirar férias para ficar com as três crianças na pausa do Natal. Passam o dia 24 com os outros progenitores e a 25 reúnem-se os cinco.

Alhos Vedros foi a freguesia que mais cresceu nos últimos dez anos. Foi lá que Irina Póvoa, 39 anos, e o marido compraram casa quando decidiram viver juntos, há 14 anos. Ela vivia no Barreiro.

"Era uma casa nova e estava dentro do nosso orçamento, muitas famílias mudaram-se para cá. As casas são mais acessíveis e há uma boa resposta de equipamentos para as crianças. Há escolas, supermercados, é fácil chegar ao hospital, aos trabalhos, também a Lisboa. Temos o comboio e os autocarros", conta. É enfermeira no Centro de Saúde de Vale da Amoreira. O casal tem dois filhos, de 4 e 10 anos, respetivamente. Nunca pensaram em casar. "Não iria alterar em nada as nossas vidas".

A freguesia é a sede da Fundação Santa Rafaela Maria, criada há 15 anos para desenvolver os projetos sociais. Faz parte da congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus. Vivem há 30 anos na Quinta da Fonte da Prata (Alhos Vedros).

"A Quinta da Fonte da Prata é um bairro social mas não é de habitação social, a maioria são casas privadas", explica a irmã Ana Castro, 39 anos, salientando como a população se tem vindo a alterar. "Eram essencialmente famílias vindas dos PALOP, sobretudo guineenses, cabo-verdianos, angolanos, alguns moçambicanos. Hoje em dia, tem muita mistura, portugueses que encontraram aqui rendas mais baixas e muitos compraram casa, muitos brasileiros, alguns oriundos de países de Leste. E, nos últimos anos, começaram a vir asiáticos. Está sempre a chegar gente nova. Há grande diversidade cultural".

Vêm também muitas crianças. "Os africanos têm o conceito de família alargada, sobretudo os angolanos e guineenses e, como os pais privilegiam o acesso à escola, mandam os filhos para Portugal", diz.

Em contrapartida, "a questão do papel não é valorizada e não só no casamento. Tudo o que é burocrático é difícil, mesmo para pedirem apoios. Além de que a comunidade guineense é muçulmana, têm a mulher na Guiné e aqui constrói outra família. "Há, também, famílias reconstruídas, tanto imigrantes como portuguesas".

É uma população com baixa escolaridade, os jovens pensam em tirar cursos profissionais, daí que um dos programas da Fundação seja a prevenção de abandono escolar. Têm projetos sociais e de apoio ao imigrante, gabinete de inserção profissional, centro de apoio familiar e aconselhamento parental (decretado pelo tribunal), de apoio à família, ajuda alimentar (240 pessoas, 80 regulares).

ceuneves@dn.pt

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