Modernidade e tradição: o olhar de Steve McCurry na Índia
Chegou pontualmente às 21.00, quando já umas dezenas de pessoas o esperavam. Assim que a porta se abriu, a galeria Barbado, em Campo de Ourique, Lisboa, encheu-se de gente que queria tirar fotos ao mestre, Steve McCurry, que ontem à noite inaugurou a primeira exposição a solo em Portugal, India.
"É uma honra que as pessoas queiram ver o meu trabalho", disse ao DN. Chegar ao fotógrafo foi uma gincana. Houve fila para pedir autógrafos. McCurry teve de mudar três vezes de sítio para ter espaço suficiente para assinar catálogos e até a velha caixa de uma máquina fotográfica da locutora da M80 Anabela Gonçalves, fã confessa do trabalho do norte-americano e a caminho de uma viagem à Índia (a primeira) em junho.
McCurry chegou a Lisboa na quinta-feira vindo do Japão. É a terceira vez em Lisboa. "Veio sozinho", diz o dono da galeria, João Barbado. "Viajo o tempo todo", acrescentou McCurry. Só este ano já esteve na Índia duas vezes. Passou pelo México, Suíça, China... E voltou ao Afeganistão, onde fez a sua foto mais conhecida - a da menina afegã que fez a capa da revista National Geographic.
Por que razão há menos jornalistas hoje em cenários de guerra, do que nos anos 80, quando era esse o seu cenário preferido? "Há menos jornais, menos revistas, toda a gente tem telemóveis e internet. O mundo é um lugar muito diferente", diz, antes de ser raptado pelo dono da Barbado para mais uma ronda de autógrafos. São 22.00. Na rua, há ainda uma fila de gente para entrar.
As fotografias em exposição começam em 1983, época das primeiras viagens. Captou tempestades de areia e a estação de comboios de Agra. São edições limitadas, que já foram vistas na noite de sexta-feira numa private view. João Barbado prefere não dizer se já vendeu alguma. As que aqui estão vão do 5500 euros aos 29 mil euros. A mais valiosa é a que captou mãe e filho à janela de um carro, em 1993.
A exposição chama-se India, remetendo de imediato para a proveniência destes instantes, um país que tem estado na lista de preferências do fotógrafo desde sempre.
As duas dezenas de imagens que aqui traz foram tiradas entre 1983 e 2010 e são as mesmas que fazem o livro com o nome da exposição editado pela Phaidon Press. "É uma Índia diferente, e é aqui, nos sítios suspensos entre a modernidade e a tradição, que a maioria das imagens no livro foram feitas", disse o autor, por ocasião do lançamento da obra.
É a primeira vez que Steve McCurry, 66 anos, expõe em nome próprio em Portugal, embora tenha lugar cativo nas mostras da Galeria Barbado, dedicada à fotografia. Em junho do ano passado, quando inaugurou, também mostrou algumas imagens do fotógrafo, um autêntico globetrotter, como demonstra o seu site oficial. Há seis pontos diferentes do globo onde ver o seu trabalho: Lisboa, Venaria Real e Pordenone (Itália), Munique, Budapeste e Carolina do Norte (EUA). E outros nove locais à espera até setembro - de cidades nos EUA e Itália a Hong Kong, passando pela Bulgária, Canadá, República Checa e Alemanha.
Duas das exposições acontecem no estado norte-americano onde nasceu. Steve McCurry é de Filadélfia, Pensilvânia. Cresceu num subúrbio da cidade e estudou cinema. Deu os primeiros passos na fotografia num jornal local. Foi como freelancer que visitou pela primeira vez a Índia, com uma mala de roupa e outra de rolos de fotografia, como consta da sua biografia oficial. Hoje já visitou o país mais de 80 vezes.
Da Índia ao Afeganistão
Meses de exploração na Índia levaram-no, em 1984, ao Paquistão, onde travou conhecimento com um grupo de refugiados do Afeganistão. Entre eles estava Sharbat Gula, a rapariga de olhos verdes da capa da revista norte-americana National Geographic, no ano seguinte. A menina afegã, como ficou conhecida, órfã, tinha 12 anos na altura e o momento foi captado quando ela estava sem burca.
A imagem, considerada a mais icónica de sempre da publicação, tornou-se símbolo dos conflitos vividos no Afeganistão, onde McCurry entrou com a ajuda deste grupo de refugiados, clandestinamente. O país estava fechado aos jornalistas ocidentais e são dele as primeiras imagens do conflito que se vivia então. Valeram-lhe a medalha de ouro Robert Capa.
Também quatro vezes premiado pelo World Press Photo, entre outras distinções, Steve McCurry tem 12 livros editados com os seus projetos realizados um pouco por todo o mundo. Sobressaem os retratos, mas também as paisagens, transformadas (ou não) pelo Homem.
A exposição "India", de Steve McCurry, pode ser vista até 9 de junho, na rua Ferreira Borges, 109-A, de terça a sábado, das 11.00 às 20.00.