Modelos policiais
Desde que foram conhecidas as Grandes Opções Estratégicas de Defesa e Segurança Nacional e depois de um certo interregno após a divulgação do programa do XIX Governo Constitucional, que, como se sabe, advoga para o nosso país um modelo dual de segurança interna semelhante ao existente noutros países nossos vizinhos, não há praticamente dia nenhum em que articulistas, dirigentes sindicais de qualquer das forças ou serviços de segurança ou até outras entidades, directamente ou através de estudos encomendados para o efeito, não venham contestar a opção do Governo, agora reiterada pelas Grandes Opções Estratégicas de Defesa Nacional.Até aqui nada de novo porque os elementos das várias forças e serviços abrangidos por algumas das alterações previstas estão corporativamente a defender-se e naturalmente a lutar contra a mudança.Contudo, seria sério e adequado que ao defenderem os respectivos serviços e a manutenção do seu statu quo, primeiro não atacassem os outros serviços e entidades que com eles exercem também funções na segurança interna e, segundo, que ao apresentarem exemplos e modelos, não faltassem à verdade. Também os órgãos de comunicação social, ao contrário do que vem sucedendo, deveriam, para melhor esclarecer a opinião pública, estudar mais aprofundadamente esta questão.O objectivo deste texto não é atacar qualquer pessoa ou instituição, mas antes levantar pistas para um melhor esclarecimento geral sobre esta problemática.Começando pelo desfazer de um mito. A generalidade dos países do mundo têm mais do que um corpo policial, porque se entende que a existência de uma só força de polícia, para além de perigoso, torna a sua gestão mais complexa e não resolve o problema do eventual conflito entre polícias, porque transfere-o para dentro da organização, confrontando especialistas e não especialistas. Não será por acaso que na Europa a 27, apenas 5 países (Irlanda, Suécia, Dinamarca, Luxemburgo e Áustria) optaram por uma só polícia. Todos estes países estão localizados longe de Portugal, com sistemas jurídicos e até políticos muito diferentes dos nossos, para além de matrizes históricas e culturais completamente distintas.Uma outra "verdade" que seria útil desmentir, é a de que a Bélgica, o Reino Unido ou a Alemanha possuem apenas uma polícia: a Bélgica tem presentemente 195 polícias locais ou interlocais, geridas pelos respectivos presidentes de câmara (bourguemestres), e uma polícia federal; o Reino Unido possui 52 corpos policiais territoriais independentes, um por "condado", para além de dezenas de forças especializadas; e a Alemanha, uma polícia por cada "Land", o que perfaz 18, mais duas federais (a de fronteira e a criminal), estando a polícia criminal na dependência do ministro do Interior.E por último, o argumento economicista de que uma única polícia é menos dispendiosa está por provar, sobretudo quando nos referimos ao modelo dual, em que uma das forças tem natureza militar, o que implica uma polivalência de missões militares e policiais, a que acresce o facto de os seus membros terem uma disponibilidade permanente, sem horários de trabalho ou pagamento de horas extraordinárias.Todos os países do Sul da Europa, nossos vizinhos, com uma tradição histórica e cultural semelhante à nossa e com os quais mantemos uma identidade administrativo-política e jurídica, possuem modelos de dupla componente policial, alicerçados essencialmente em duas forças, uma de natureza militar e outra civil, como são os casos de Espanha, com a Guardia Civil e o Cuerpo Nacional de Policia, de França, com a Gendarmerie e a Police Nationale, e de Itália, com os Carabinieri e a Polizia di Stato, que distribuem entre si quase todas as competências de polícia administrativa e criminal. Não parece, pois, que a solução apresentada pelo Governo português de manter uma Guarda Nacional Republicana, militar a par de uma polícia civil, possa ser considerada uma originalidade.A propósito, importa reter que o Relatório Anual de Segurança Interna referente a 2012 define como Orientação Estratégica para 2013 o respeito pelo "sistema dual, com uma força de segurança de natureza militar e outra de natureza civil", dissipando assim quaisquer dúvidas acerca desta questão que parece perturbar alguns elementos das forças e serviços de segurança, criando tensões desnecessárias entre instituições.