As notícias na imprensa, o esforço de mobilização, o dinheiro envolvido e algumas acções modelares têm tornado especial a ajuda a Moçambique, na sequência da calamidade provocada pelo ciclone Idai, em Março passado. O que nos diz tudo isto sobre o estado do mundo? Ainda é cedo para fazer o balanço, mas para já diz-nos que o mundo é aquilo que as pessoas quiserem fazer dele, e que ainda há muita gente que o quer tornar melhor. Vejamos..Uma parte importante da população mundial vive no limiar da pobreza, qualquer que seja a forma como esta é definida. Desses, a esmagadora maioria habita a África subsariana. São várias centenas de milhões de pessoas em condições de subsistência, com recursos limitados para competir num mundo largamente industrializado e altamente globalizado. Quando produzem arroz, produzem a preços mais elevados e têm dificuldades em colocá-los nos grandes mercados; quando produzem roupas têm às suas portas a concorrência da roupa importada em segunda mão dos países mais ricos. As infra-estruturas que têm à sua disposição, de escolas a hospitais, de estradas a fornecimento de energia, são escassas, assim como é a escolarização e o acesso aos mercados financeiros. Tudo isto é sabido, mas nem sempre tudo isto é tomado em consideração..Nos últimos 50 anos, algumas partes do mundo de fora do continente africano ultrapassaram a extrema pobreza, mas são mais as excepções do que a regra (e a China, ao contrário do que às vezes se escreve, não cabe nessa história). Os países da África negra, como Moçambique e seus vizinhos, de costa a costa, não conseguiram ainda ultrapassar as pesadas limitações ao desenvolvimento de que padecem. A explicação para essa incapacidade não cabe aqui e passa por um amplo leque de factores, e só o tempo dirá quais os mais importantes..Perante esta realidade, o mundo mais desenvolvido, com maior capacidade institucional e maiores recursos financeiros, tem respondido de duas formas. Uns procuram ajudar através de instituições de cooperação internacional, de programas não governamentais ou de ajuda estatal. Outros lavam as mãos e dizem que qualquer ajuda que se dê agrava a situação. A ajuda internacional acarreta necessariamente problemas, pois a eficácia depende do desenho na origem e do enquadramento institucional no destino. Se os programas de ajuda forem mal desenhados e se o dinheiro transferido for mal utilizado, o balanço final pode ser negativo. Todavia, é necessário colocar seriamente a questão de saber se os erros ultrapassam os benefícios, se devem implicar o fim dos programas de ajuda..Alguns no mundo desenvolvido pensam que os programas de ajuda têm saldo negativo, devendo por isso cessar. Esse pensamento é sufragado em publicações de economistas influentes e, mais importante ainda, tem sido aplicado por alguns governos ricos e desenvolvidos. Para citar exemplos importante, foi esse chapéu-de-chuva teórico que os governos norte-americanos de Bush (filho) e Trump aplicaram aos desastres dos furacões de Nova Orleães, em 2005, e de Porto Rico, em 2017. Do mesmo modo, uma das bandeiras dos "meninos" do Brexit é levar o actual governo conservador a reduzir substancialmente a ajuda externa britânica. Essa forma de tratar o mundo não é mais do que uma extensão do tratamento dado pelas entidades da mesma área política aos desfavorecidos dos respectivos países. Aqui se pode ver a tradução de uma opção em que as pessoas são deixadas às condições em que vivem, procurando-se gastar o menos possível de dinheiro público. O fundamento político dessa opção é claro, pois o dinheiro público implica, necessariamente, uma transferência de recursos de pessoas com mais rendimentos para pessoas com menos..Ora, a resposta portuguesa - e de outras partes, com mais ou menos interesses - ao que aconteceu em Moçambique, segue a linha oposta, a saber, a da necessidade da ajuda financeira, do apoio institucional e à reconstrução, por parte de quem tem recursos. Sem dúvida que sobressaiu a posição dos que querem um mundo melhor. O sentimento de urgência ajudou, mas o que está a acontecer deixará lastro para o reforço da ideia da imperiosa necessidade de cooperação internacional..Assentes os benefícios da cooperação, torna-se essencial velar por um enquadramento institucional que leve a que as decisões sobre a ajuda sejam bem tomadas e que a ajuda seja recebida em conformidade. Há problemas de ineficiência em todas as áreas da actividade humana, dos bancos e das indústrias, às empresas e ao Estado, mas isso não quer dizer que essas instituições fechem ou sejam coarctadas no seu desenvolvimento..O caso extraordinário que merece ser notado, neste contexto, foi a ajuda financeira a Moçambique concedida por uma família detentora de uma grande fortuna, um caso muito raro, no contexto nacional, e que merece ser notado. Talvez indique uma mudança geracional, a que outros poderão ter ficado atentos..Professor universitário e investigador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.