MIÚDOS DE BAIRRO COM FAMA DE GANGUE

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Porto. Morte de um jovem de 17 anos durante acidente com carro roubado voltou a trazer à ribalta o chamado 'gangue da Lapa'. Moradores do bairro que lhe dá o nome não se conformam com a etiqueta, que a própria polícia diz não ter correspondência com a morada dos envolvidos nos vários crimes que originaram a designação. Explicação residirá no facto de ser local de passagem para alguns destes indivíduos

Sigla Lapa Boys Gang "é alter-ego de grupo de miúdos que faz graffiti"

Um "miúdo pequenito", "superengraçado", "toda a gente gostava dele, era como se fosse uma mascote". André Campelo, 17 anos, morreu no final de Agosto após um despiste num automóvel roubado. O "Cheirinha" logo saltou para as páginas dos jornais por ser membro do chamado "gangue da Lapa", um conjunto de jovens a quem são imputadas centenas de assaltos na região norte. No bairro - um aglomerado de 74 fogos no centro do Porto - cresce a insatisfação perante a etiquetagem, que até já motivou o envio de cartas a jornais. A própria polícia diz que "essa classificação foi inventada pela comunicação social e não tem correspondência com a morada das pessoas envolvidas". Uma rotulagem que, diz fonte da PSP do Porto, tem efeitos nefastos: "Quando rotulamos alguém como desviante, essa pessoa tem tendência a assumir características de quem o é."

Quando morreu, "Cheirinha" circulava com mais cinco rapazes entre os 17 e 20 anos (três morreram e um dos que ficaram feridos está em prisão preventiva após ter sido detido pela PJ, na terça-feira, por ligação a carjacking, burlas e furtos). Apesar de apenas André ser do Bairro da Lapa, a ligação ao "gangue" voltou aos jornais, assim como o graffiti que imediatamente surgiu em sua homenagem (o mesmo no hi5, onde nasceu a página "eterno Cheirinha"). O jovem morava com a mãe, mas tinha um historial de internamento em centros educativos e vários processos pendentes, muitos deles por furtos, e julgamentos marcados nos tribunais de Matosinhos e de Família e Menores do Porto.

No bairro, ninguém nega a existência de "um ou outro jovem" com um percurso desviante, mas dizem que "o que aconteceu foi criar algo que não existe", chamando "gangue da Lapa" ao que afinal é um grupo de jovens oriundos do Grande Porto. "Enquanto presidente, homem e morador, sinto- -me triste por estes acontecimentos que não correspodem à realidade." Recorrentemente confrontado com a colagem ao bairro, o presidente da Associação de Moradores da Zona da Lapa teme que "qualquer dia ninguém aqui entre". A Carlos Alberto, 63 anos, até aperta o coração quando algum transeunte lhe pergunta se para chegar à estação de metro tem de atravessar o bairro: "Mas por que é que não há-de passar aqui? Nunca houve problemas, isto é sossegado." Por alguma razão, diz, " a polícia nunca cá vem. Fala-se que há um gangue, nos outros bairros não há gangues, mas a polícia entra lá sempre de cacetete".

Admitindo sempre a existência de "um ou outro miúdo mais malandro", Carlos diz apoiá-los incondicionalmente: "Estes rapazes têm valor, não há gangues, são os miúdos da Lapa. Enquanto não me derem razões em contrário estou do lado deles."

Agora já não gerará tantos risos, por ser "uma bola de neve que só dá problemas", mas os moradores garantem que até a sigla do Lapa Boys Gang serviu para associações ao mundo do crime. "As inscrições são o alter-ego de um grupo de miúdos que desde há uns tempos fazia graffiti nas paredes. É LBG como podia ser dueto fantástico, pegaram no nome da zona de onde são e pintam isso nos muros", conta Paulo Paranhos - um músico de hip-hop de 23 anos que na semana passada actuou nas Noites Ritual, no Palácio de Cristal -, que não se resigna com os "dados viciados". "Quem conta um conto acrescenta um ponto" e "quem sofre são as pessoas da zona. Os negócios desvalorizam e se calhar as casas também", afirma o MC Porte, acrescentando que "da mesma maneira que aqui pode haver um jovem, homem ou miúdo que se calhar teve um percurso menos feliz, o mesmo também pode acontecer na Foz - mas aí já não se vai generalizar".

Com o seu EP (PassaPorte) na mão, que será lançado ainda este mês, Paulo acredita poder ser um exemplo motivador para os miúdos do bairro: "Luto e trabalho muito pelo que faço, quero que compreendam que para ter as coisas é preciso lutar, não nos aparecem feitas."

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