Mister Joao, o rei da noite de Caracas, diz que ainda há vida na capital da Venezuela
Não é Juan, nem João. É Joao, pronunciado sem til. E, na verdade, nem tem esse nome. É José, mas quase toda a gente o trata por "Mister Joao". Com direito a cognome, El Perrero de Las Mercedes. Porque vende perros calientes (cachorros-quentes). Tem uma rulote numa zona movimentada da capital venezuelana, perto de vários restaurantes, bares e discotecas bem conhecidos. Os que lá vão comer garantem que não há melhor. Além dos molhos, os elogios vão para o tipo de pão, servido sempre quentinho. O apetite faz o resto.
É local de paragem obrigatória para os noctívagos famintos de Caracas. Não há descanso para quem lá trabalha, o movimento é contínuo. O proprietário é madeirense. Com o nome de batismo José Manuel Gonçalves. A história começa nos idos anos 70 do século passado quando comprou o negócio ao primo João. O apelido manteve-se. José Gonçalves explica que "para os venezuelanos, os portugueses eram quase todos Francisco ou João", pronunciado sem a nasalidade tão característica dalgumas palavras da língua portuguesa. E o nome foi ficando...
O sucesso, como explica, deve-se "à constância e à qualidade" dos produtos. "Buscar sempre o melhor que existe no mercado, embora com as coisas como estão na Venezuela, agora que não existe quase nada, seja quase um milagre." Este emigrante oriundo de famílias de Câmara de Lobos diz que "o êxito está em se saber que podes contar contigo todos os dias".
Nestas declarações feitas já noite dentro, as questões do futuro da Venezuela e da falta de segurança são afloradas. O empresário reconhece que "à medida que vão passando dos dias a esperança é mais vaga, mas vamos apostando neste país. Espera-se que mais cedo do que tarde a Venezuela vá crescer e volte ao que era". E como que a convencer-se conclui que "vai ser melhor".
Os filhos já tentaram outras paragens. "O mais moço não se deu em Inglaterra. É muito frio. Onde o clima é melhor, como na Madeira ou nas Canárias, não há trabalho." Já sobre as questões de insegurança, José Gonçalves diz que não sabe o que se passou, mas "depois das manifestações a segurança melhorou bastante. Há uns cinco, seis meses que não nos sentimos tão ameaçados. Há menos sequestros, há menos roubos. Pode ser que já não haja nada para roubar, mas é um facto que não nos sentimos ameaçados".
Já sobre as vendas que continuam pela noite dentro, o empresário assegura que "todos os dias são bons, especialmente aos fins de semana, quinta, sexta, sábado e também no domingo". O pico é entre as sete e as onze da noite. Por vezes com uma fila longa. O pagamento, como há falta de notas, é feito através de um terminal de multibanco. "Tem de ser", justifica o madeirense.
Por ali perto há uns quantos negócios que estão também a fazer furor. Os mais badalados são os de um outro madeirense. "O rei da noite de Caracas é da freguesia de Santo António, no Funchal", explica-nos outro madeirense que se junta à conversa. Destinam-se à classe alta, "para quem tem muito dinheiro". Na rua veem-se estacionados os carros blindados com os respetivos guarda-costas à espera. Lá dentro, a abarrotar de gente, ouve-se música, dança-se e bebe-se, em grandes doses. Afinal, ao contrário do que se podia pensar, há noite em Caracas. É uma cidade onde não há silêncio.
Este texto foi originalmente publicado no Diário de Notícias da Madeira