Missões de observadores europeus em eleições da América Latina
As missões de observação eleitoral cumprem um grande papel na consolidação da democracia a nível global. Em particular, na América Latina existem vários casos em que essas missões de observação contribuíram para que os processos eleitorais se desenrolem em liberdade, com transparência e que a vontade do povo seja respeitada.
A contribuição da Organização de Estados Americanos (OEA) que organiza missões de observação eleitoral desde 1962 é muito significativa para a região. Nesse ano, precisamente, constituíram-se duas missões que, em plena Guerra Fria, cumpriram a histórica tarefa de colaborar com a passagem da ditadura de Leónidas Trujillo (o expoente máximo dos ditadores sul-americanos) à democracia na República Dominicana e na consolidação do sistema pluralista na Costa Rica, que é hoje a democracia com mais longevidade entre todos os países latino-americanos.
Nos turbulentos anos 1980, voluntários de todas as nacionalidades dedicaram-se à tarefa extraordinária de vigiar os processos eleitorais em sociedades que tinham sofrido ditaduras brutais, como foi o caso das eleições no Paraguai (1989), ou que saíam de violentas guerras civis, como a Nicarágua (1990). Essas missões cumpriram uma tarefa complexa e ao mesmo tempo delicada em sociedades que pretendiam construir uma cultura democrática de igualdade e tolerância com mecanismos institucionais capazes de proteger o Estado de direito.
Nos últimos anos, a União Europeia constituiu verdadeiros exércitos de observadores com vários desdobramentos e que se diferenciam das missões da OEA, que se deslocam para fora da Europa e intervêm em quase todos os continentes. Esta particularidade converte-os em autênticos vigilantes globais que observam, analisam e sugerem ações em processos eleitorais de sociedades muito diversas com sistemas políticos complexos e diferentes.
O verdadeiro valor destas missões reside na possibilidade de que a presença externa colabore no garante de uma sociedade internacional democrática. A observação imparcial cumpre assim o papel de impedir que a manipulação ou o uso da força se consolide numa legalidade sem legitimidade que logo pretenda pactos, acordos e vantagens no comércio internacional.
Missão de observação difícil nas Honduras
As eleições na América Latina já se vivem com paixão. Os violentos comícios das Honduras em novembro de 2017 representaram uma dura prova para a observação internacional e, em particular, para a missão europeia liderada pela portuguesa Marisa Matias, que, perante o insólito apagão do centro de escrutínio e posterior mudança de resultados, acabou por aceitar os resultados oficiais e com isso validar a contestada vitória do presidente Juan Orlando.
Esta atitude pode caber na antiga lógica da Guerra Fria, essa real politik que procura a estabilidade da formalidade sem valorizar a vigência da democracia e os direitos humanos, princípios arvorados pela União Europeia.
No caso das Honduras existiram antecedentes contundentes que desvirtuam o conjunto do processo eleitoral, como a habilitação inconstitucional do presidente em funções para postular a reeleição. O período de campanha caracterizou-se pelo uso abusivo dos recursos estatais para favorecer a candidatura do presidente. E, por fim, uma suposta falha técnica no centro oficial de escrutínio quando a oposição estava em vantagem paralisou a contagem, e quando voltou a funcionar os resultados passaram a estar a favor do candidato governamental.
Imediatamente os protestos com acusações de fraude saíram à rua, milhares de pessoas foram reprimidas com um saldo de numerosos mortos. A missão da OEA pediu novas eleições, mas a missão de observação da União Europeia considerou os resultados válidos. E, como final deste triste processo eleitoral, o presidente tomou posse do governo com metade do país contra.
As Honduras podem ser pouco conhecidas, mas foram a vanguarda dos processos políticos sul-americanos. Assim, pode dizer-se que a destituição do presidente Zelaya foi o antecedente da destituição de Fernando Lugo no Paraguai ou de Dilma Rousseff no Brasil. Cabe então perguntar se estas eleições são o antecedente de outros processos similares na região? E aí, qual será o papel das missões de observação eleitoral da União Europeia?
Investigador ISCTE-IUL e ex-embaixador Paraguai em Lisboa