Missão: encontrar o cocktail de 007 em Lisboa (e arredores). Difícil, mas não impossível
Apenas um bar em Lisboa tem permanentemente na sua carta a bebida de assinatura de James Bond, o mais famoso agente secreto do mundo -- cujo mais recente filme, 007 - Sem Tempo Para Morrer, estreia esta quinta-feira. Trata-se de um estabelecimento já histórico que tem, desde sempre, a clássica bebida. Pelo menos, foi o que nos disseram vários bartenders que consultámos para esta reportagem -- e de facto nos bares em que eles próprios trabalham tal bebida não consta.
Já nos arredores da capital, concretamente na Costa da Caparica, fomos surpreendidos por um espaço relativamente novo que lá tem, orgulhosamente, a receita original inventada por Ian Fleming no primeiro livro de 007. Mas já cá voltamos.
Comecemos por esclarecer ao que nos referimos. Ao contrário do que ao longo de mais de 40 anos o cinema incutiu no imaginário popular, naquele que se tornou o franchise mais bem-sucedido (e duradouro) da história da sétima arte, a bebida de eleição do James Bond "verdadeiro" não é "vodka martini, shaken, not stirred". Tratou-se de uma simplificação -- isto é, da necessidade de transformar a sofisticação do universo criado por Ian Fleming em algo que o público em geral entendesse e se resumisse num sound bite (que curiosamente só aparece no segundo filme da saga, Goldfinger, de 1964. No primeiro, Dr. No, o vilão serve a Sean Connery um "martini semi-seco, batido, não mexido, como prefere". Ele não chega a pedir a bebida).
Foi preciso esperar por 2006 e pelo primeiro filme de Daniel Craig, Casino Royale -- que como reboot da série adapta o primeiro livro de James Bond -- para ouvirmos, finalmente, a receita que, por esta altura, era já uma bebida clássica:
- Três medidas de gin (especificamente Gordon's na receita original), uma de vodca (marca não especificada), meia de Kina Lillet (hoje em dia apenas Lillet blanc). Bater com gelo no shaker até ficar próximo de 0º, depois juntar uma longa e fina casca de limão.
O cocktail é uma criação do próprio Ian Fleming e surge logo no livro de estreia de James Bond, Casino Royale, de 1953. Quando, por fim, a série oficial o adaptou para o cinema, lá arranjou maneira de pôr Daniel Craig a pedir a bebida.
Lillet é um vinho licoroso francês, um aperitivo, que desde 1986 perdeu a designação Kina por ter deixado de ter quinino na sua composição. Vende-se em Portugal, em casas especializadas. Quanto ao cocktail propriamente dito, que no livro (e no filme) acaba por ser batizado Vesper em homenagem à companheira de Bond na aventura, é uma bebida de teor alcoólico elevado, bem seca mas ligeiramente frutada. Desaconselhada para quem só gosta de coisas doces (Licor Beirão, Amarguinha...), mas um must para verdadeiros apreciadores de "London dry gin" ou whiskeys de qualidade.
Como referido, vários bartenders garantiram-nos que apenas um bar em Lisboa tem o Vesper na sua carta permanente. Surge sob a secção: "Cocktail Ecfráctico", ou seja, aperitivo. Se é para ter estilo...
O Foxtrot está na travessa de Santa Teresa, número 28, há 43 anos. É um dos mais clássicos bares/pubs da cidade, com a sua decoração art-déco dividida por quatro salas, uma com mesa de snooker. A variedade de oferta nas bebidas é imensa e, recentemente, Joaquim Gonçalves, o proprietário desde 2007 (mas que trabalha no espaço há 35 anos), acrescentou à ementa os bifes, pregos e hambúrgueres que são deliciosos.
Quanto ao Vesper, a pergunta que se impõe é... shaken ou stirred? Afinal, um Dry Martini tradicional é mexido...
"Prefiro a versão stirred, porque apresenta um produto mais rico, mais denso", diz-nos Hugo Gonçalves, herdeiro do Foxtrot e bartender de serviço na naquela noite. Aos 43 anos, é o mais velho da equipa de bartenders e, inevitavelmente, o mentor. Mas garante que não gosta desse papel.
Seja como for, explica a escolha quanto ao Vesper: "A versão shaken ganha porque o cocktail fica mais gelado, mas perde algumas características. Ainda há o throw -- aquela em que a mistura é lançada pelo ar entre um copo do shaker e o outro, explicamos nós --, que é o melhor dos dois mundos, porque dilui q.b., gela q.b. e dá-lhe uma dimensão, a este tipo de cocktails secos, aérea, ou seja, dá ar, oxigénio ao cocktail, o que também é bom, porque desperta em quem bebe outro tipo de sabores, abre os paladares".
Cada uma das versões fica de facto diferente, de uma forma difícil de descrever. O melhor mesmo é experimentar. Bem como as outras bebidas. E os bifes....
Surpreendeu encontrar uma garrafa de Lillet num supersimpático e relativamente recente (desde 2017) bar da Costa da Caparica. Culpa nossa. O Janus, logo ao lado do maior hotel situado na marginal da vila piscatória, o enorme edifício que fica mesmo frente à praia, tem o bom e velho Vesper na carta -- até com o subtítulo "shaken, not stirred". Ai a falta de vista!
Além disso, a quantidade (e qualidade) da oferta de bebidas disponíveis -- perfeitamente ao nível dos melhores bares de Lisboa -- devia levar a adivinhar que havia ali cocktails de qualidade. E de facto há mesmo.
Ilda Gomes apostou no Janus e continua no local com os filhos, João e Susana Camacho. Aos 33 anos, João é hoje o bartender principal, apesar de a irmã também ser especialista, e ainda contar com a imprescindível colaboração de Carla Silveira. Entre todos, conseguem, noite após noite, sete dias por semana (no outono/inverno passa a seis) um ambiente familiar, atencioso, mas simultaneamente profissional e de qualidade a todos os níveis.
Quanto às bebidas... Comecemos pelo Vesper. João prefere a versão shaken por duas razões: "É como o Bond pede sempre e porque fica fresquíssimo". A não ser que o cliente peça algo diferente, segue a receita original: "Gordon"s, Vodka e Lillet", mas acrescenta um toque pessoal no fim: Angustura.
É assim que cada bartender pode fazer com que uma receita clássica como o Vesper tenha um sabor próprio. Por exemplo, uma das formas usadas por Hugo Gonçalves, do Foxtrot, neste cocktail -- se o cliente quiser -- é adicionar champanhe. Outra é mudar a marca de gin que está na base da bebida.
Quanto ao Janus, se ainda hesita em passar pelo número 47 da Avenida General Humberto Delgado, na Costa da Caparica, fique sabendo que há ainda tostas (em nove variedades) -- não perca a de presunto e queijo da serra -- que são absolutamente magníficas.
O Imprensa tem o privilégio de ser o primeiro "oyster bar" da capital. É muito recente. Abriu "um mês antes da pandemia", como nos conta Frederico Falcão, 28 anos, um dos cinco proprietários e bartender. "Foi ótimo -- prossegue, com ironia -- foi a melhor altura para investir num bar. Estivemos a trabalhar um mês e meio, depois fechámos durante três!".
Assim que as coisas começaram a regressar ao normal foi então possível retomar (o mais correto será dizer iniciar) atividade, na Rua da Imprensa Nacional, n.º 46. Com ostras de fornecedores setubalenses escolhidos criteriosamente. De facto, provavelmente, das melhores do mundo.
A acompanhá-las, o bar faz questão de estar preparado para servir qualquer cocktail que o cliente peça -- além das criações próprias. Prefere não ter alguns clássicos como o Vesper em carta, mas têm como princípio que o que interessa é que o cliente se sinta satisfeito. Além de que: "Os cocktails têm ciclos. Há cinco anos ninguém pedia Negronis; neste momento é dos mais pedidos. Acontece o mesmo com os Moscow Mules. Acho que todas estas receitas clássicas, que são a fundação do bar, vão vivendo por ciclos, vão aparecendo e desaparecendo", afirma João Silva, 32 anos, outro dos donos e também bartender.
Já com o Imprensa a funcionar em pleno, as rotativas mentais de João, Frederico, Carlota Melo, e os irmãos João Nuno e Bruno Cabral (os outros sócios) não param. Está para breve a concretização dos planos de expansão adiados pela covid.
Há muito do espírito de Ian Fleming no bar Klandestino, no Intendente. Como correspondente da agência Reuters, viveu na Rússia e na China (concretamente em Xangai), pertenceu aos serviços secretos e depois da II Guerra, recusando-se a suportar o inverno no frio britânico, ia passar todos os anos três meses para a sua casa na Jamaica, Goldeneye. Foi lá que criou James Bond.
Fleming provavelmente iria achar interessante a carta de cocktails do Café Klandestino. "É um globo terrestre. São cocktails criados por nós. Temos 12 países, que vamos trocando, de dois em dois meses. Trabalhamos com os ingredientes e com os produtos de cada país", explica-nos João Resende, 29 anos, bartender e um dos donos da empresa, ela própria internacional até na estrutura, uma vez que os outros sócios são o irmão, Marcelo, e Antonio Romero, que é espanhol.
Mesmo a opção por Portugal não foi líquida (trocadilho intencional), como conta João Resende: "Fomos ver vários sítios, fomos a Barcelona, a Ibiza, a Madrid... mas claro, o que acontece a toda a gente quando vem a Lisboa... fica-se apaixonado! Quando o António veio cá, decidimos abrir aqui o bar. Começou assim a aventura do Klandestino", na Rua da Benformoso, n.º 256.
Um espírito de aventura de sabores que convidam a visitas regulares, para descobrir novas criações com ingredientes do mundo. Ou então, para variar, a um delicioso Vesper -- é só pedir. Afinal: "As pessoas já sabem os clássicos de que gostam e nós podemos executar quase todos".
O nome é internacionalmente reconhecido: em 2017 o Red Frog entrou para a conceituada lista ultraespecializada dos "The World 50 Best" -- 97.º lugar num top 100 mundial. Então, estava à vista de todos, numa rua de Lisboa. Hoje, encontrá-lo revela-se uma missão divertidamente digna de filme de espionagem.
Vicissitudes da pandemia e do mercado imobiliário, conta-nos Paulo Gomes, 43 anos, bartender e um dos proprietários, atiraram o Red Frog literalmente para aquilo que ele já era em espírito: um bar "secreto", um verdadeiro speakeasy, como os do tempo da Lei Seca americana. Este é, provavelmente, o mais exclusivo bar do país. "Só com reserva é que se entra cá dentro. Essa reserva é feita através do nosso site e só se pode estar cá cerca de duas horas", diz Paulo Gomes.
Parece estranho mas funciona, e bem. A marcação é feita em redfrog.pt, marca-se dia e período horário, recebe-se confirmação por email com link para confirmar. No site, apenas nos é dito para ir à Praça da Alegria 66b. Aí apercebemo-nos que vamos para outro bar -- o Monkey Mash....?
Não está enganado. O Red Frog fica dentro deste outro bar e a entrada faz-se, literalmente, por uma porta secreta. Que só se abre por dentro, depois de uma batida secreta que só o proprietário conhece!
Entramos num ambiente sofisticado e acolhedor. A oferta é distinta. "É um bar que é inspirado na altura da Prohibition, mas também com influências europeias. Trabalhamos maioritariamente gin, vodca e whiskey", como diz Paulo Gomes. Daí encontrarem-se aqui algumas marcas ou variedades destas três bebidas que não existem em nenhum outro local em Portugal.
Quanto aos cocktails, além de clássicos como o Vesper, se o cliente pedir, existem surpresas precisamente inspiradas nos anos 20. O Midnight Smugglers, por exemplo, vem embrulhado num saco de papel pardo (afinal, não se podia ver que havia álcool a circular) e sobre uma pequena caixa de madeira com gengibre, que depois se põe a arder na mesa.... For your eyes only
Com AC