Miranda Otto: "Fico muitas vezes a pensar quais são os segredos dos outros atores"

É um dos segredos do filme australiano "A Filha", inspirado em Ibsen. Na entrevista faz as suas confissões sobre a participação no filme "A Guerra dos Mundos" e da saga de J.R. Tolkien "Senhor dos Anéis"
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Ouvimos alguém neste filme a dizer "todos temos segredos". Acredita que podemos viver uma vida sem segredos?

Todos temos segredos! Essa é, aliás, a minha frase preferida de A Filha. A minha família tem segredos... e são chocantes. Quando me contaram fiquei espantada por algo tão monumental estar tapado. Quando é preciso, as pessoas sabem guardar um segredo. Os segredos podem ser uma propriedade pessoal, podem ser só nossos. A minha personagem acredita que o seu segredo pode ser guardado toda a sua vida. Acredita que, se mais ninguém souber, a realidade pode ficar diferente. Ela decidiu acreditar numa outra verdade e seguiu o seu rumo para uma vida diferente. Acabou por encontrar algo de que não estava à espera. O mesmo se passa com a personagem do seu marido, que antes pensava que iria transformar-se num advogado de relevância. São duas pessoas que se contentaram com aquilo que acabaram por receber da vida. Ele tem uma mulher que é a sua terra e uma filha que é a sua estrela.

O suficiente para ser feliz...

Sim. Encontrou a felicidade.

Mas continuando a falar de segredos, a Miranda tem os chamados segredos de atriz?

Tenho os meus pequenos segredos, mas fico muitas vezes a pensar quais são os segredos dos outros atores.

Entre vocês não surge aquela coisa de partilharem métodos, técnicas ou segredos de representação?

Às vezes... Mas os atores têm a tendência para guardar para si próprios a semente da inspiração. Quando se articula essa inspiração pode haver o perigo de se perder algo... Muitas vezes, quando faço sequências mais emocionais, prefiro não falar muito sobre o que estou a sentir. Enfim, é coisa que nós fazemos bastante para não racionalizar em demasia as cenas.

Muitos atores não querem ensinar em workshops de interpretação. Há coisas que não se partilham?

Sim, vemos certos atores a fazer coisas que são impossíveis de ser explicadas. Coisas que outros atores não conseguem repetir... Por exemplo, nunca ensinei representação. Sinto que sou demasiado antitécnica. Não tenho fórmula. Cada vez que vou fazer um filme fico sempre sem saber o que fazer.

É, portanto, uma atriz que se coloca sempre em risco?

Sim, exato! Sinto-me sempre aflita antes de começar. O que achei importante neste filme é que o tom de representação fosse um pouco low-key, sobretudo no começo. Creio que era bom que o espectador não sentisse que nada do que disséssemos nas primeiras cenas fosse muito importante. Quis que a prioridade fosse a descrição daquela família e a energia entre eles. Achei que era escusado carregar algum aspeto... A intenção era que o espectador fosse atraído por estas vidas familiares e só depois, a partir daí, é que algo começa de facto.

Acredita que para se ser bom ator é preciso estar disponível para olhar a natureza humana? Um ator realizado é aquele que fica a conhecer melhor a natureza humana?

Sim. Espero que passe por esse sortilégio de conhecer o fator humano e a condição humana. Ao longo da minha carreira fiquei a perceber algo do nosso comportamento. A condição primordial de um ator é saber olhar para a natureza humana e tentar percebê-la, muito mais do que saber transformar-se numa outra pessoa. O mais importante passa pelo pensamento psicológico, ou seja, tentar perceber como nos comportaríamos em determinadas circunstâncias.

Sem revelar o final, tem curiosidade em imaginar o que vai acontecer à sua personagem?

Por vezes fico mesmo a pensar no que se passará a seguir. Devo dizer que chegámos todos a falar muito sobre o desfecho do filme. Quando estávamos nas filmagens, a resolução tornou-se só por si um tema de debate. Havia opiniões muito diferentes.

Muda alguma coisa quando se é dirigido por um realizador estreante como Simon Stone?

Não se percebia que era estreante, talvez pelo facto de já ter dirigido teatro e ser ator. A única coisa que acontece com realizadores estreantes é que por vezes ficamos sem saber como é que comunicam connosco. Tenho medo de que possam pensar que um ator seja um adereço, rezo sempre para que me digam coisas que possa de facto usar.

Em Veneza

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