Ministra desafia Igreja a esclarecer preservativo
A ministra da Saúde desafiou ontem a Igreja Católica a esclarecer a sua posição em relação ao uso do preservativo para evitar a sida. Ana Jorge disse que uma posição esclarecedora do Papa sobre a utilização do contraceptivo seria uma "grande ajuda" na luta contra a doença, cujo dia se assinalou ontem.
Em resposta ao pedido de esclarecimento do Governo, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) lembrou que Bento XVI se pronunciou recentemente sobre o assunto numa entrevista que foi publicada em livro esta semana. "Lendo essas palavras compreende-se que o Papa foi muito claro no que disse", afirmou ao DN Manuel Morujão, porta-voz dos bispos portugueses. No livro "Luz do Mundo", Bento XVI disse que a distribuição de preservativos "não é a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por HIV". Contudo, abriu a porta à sua utilização, quando há o risco de contaminação.
"Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer", afirmou Bento XVI em entrevista ao jornalista alemão Peter Seewald.
Manuel Morujão sublinha ainda que o que o Papa agora disse, "com a sua autoridade e força moral, corresponde ao que já era a prática pastoral comum". Ou seja, ao que os católicos já defendiam. Por isso, na opinião do porta-voz da CEP, "não há mais nada que a Igreja possa esclarecer".
No Dia Mundial da Sida, a ministra da Saúde defendeu que, embora o número de novos casos esteja a descer, essa evolução não significa "que os que existam não possam procurar mais ajuda". Ana Jorge respondia assim às declarações da presidente da Abraço, Margarida Martins, que alertou que a associação recebe cada vez mais pessoas infectadas. Portugal tinha, em 2009, cerca de 49 mil pessoas infectadas pelo vírus.
Para a ministra, há actualmente dois grandes desafios no combate à doença: continuar a apostar na prevenção e nos cuidados a ter pelos cidadãos. Isto porque, acrescentou, como as terapêuticas são mais eficazes e se morre menos "perdeu-se o medo do contágio". A este nível, há que prestar especial atenção ao grupo dos homossexuais, no qual se regista um aumento de casos lento, mas consistente. É ainda preciso apostar no diagnóstico precoce e simples.
O infecciologista Kamal Mansinho também alertou que os jovens estão mais "complacentes" quanto aos comportamentos de risco por pensarem que a sida já não mata rapidamente. "É muito importante reforçar medidas de prevenção na população mais jovem para quem a sida já não é uma doença rapidamente mortal e, portanto, estarão mais complacentes, como é próprio da adolescência, quanto a comportamentos de risco", disse à Lusa o director de Infecciologia do Hospital Egas Moniz.
Mansinho explicou que "a ideia não é inibir ou proibir esses comportamentos; é proporcionar informações de maneira mais adequada possível e ajustada à idade, de modo a que este grupo possa adoptar medidas de precaução no momento certo". Porqu, diz,é comum encontrar adolescentes infectados que dizem saber como a doença se transmite. "Mas naquele momento não foram capazes de colocar um preservativo".