Tribunal de Contas: Ministério da Saúde falseou dados sobre tempos de espera

Auditoria refere que acesso ao SNS degradou-se entre 2014 e 2016 e concluiu que ao fazer a limpeza da lista de espera para consultas apagou pedidos antigos "falseando os indicadores de desempenho reportados"
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"As iniciativas centralizadas, desenvolvidas pela Administração Central do Sistema de Saúde, em 2016, de validação e limpeza das listas de espera para primeiras consultas de especialidade hospitalar do universo das unidades hospitalares do SNS, incluíram a eliminação administrativa de pedidos com elevada antiguidade, falseando os indicadores de desempenho reportados", conclui o Tribunal de Contas, numa auditoria divulgada hoje sobre o acesso ao SNS entre 2014 e 2016.

Segundo o relatório, houve uma degradação do acesso dos utentes a consultas de especialidade hospitalar e à cirurgia programada, que se traduziu no aumento do tempo médio de espera para uma primeira consulta no hospital de 115 para 121 dias e do "incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos de 25%, em 2014, para 29%, em 2016".

O Tribunal de Contas continua, apontando o aumento do número de utentes em lista de espera cirúrgica, em 27 mil utentes (mais 15%), do tempo médio de espera até à cirurgia, em 11 dias (mais 13%), e do incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos, de 7,4%, em 2014, para 10,9%, em 2016.

"Na área cirúrgica, a não emissão atempada e regular de vales cirurgia e notas de transferência aos utentes em lista de espera, aumentou os tempos de espera suportados pelos utentes", salienta o relatório, que acrescenta que "a qualidade da informação disponibilizada publicamente, pela ACSS, IP [Administração Central do Sistema de Saúde], sobre as listas de espera não é fiável, devido a falhas recorrentes na integração da informação das unidades hospitalares nos sistemas centralizados de gestão do acesso a consultas hospitalares e cirurgias, bem como devido às iniciativas centralizadas acima referidas.

O Tribunal de Contas especifica que "as diminuições verificadas em 2013 e 2016 no número de utentes a aguardar primeira consulta de especialidade hospitalar não traduzem uma melhoria efetiva do acesso, resultando de procedimentos administrativos de validação e limpeza das listas de espera, centralizados na Administração Central do Sistema de Saúde".

A falta de fiabilidade dos indicadores, reforça a auditoria, "prejudica em especial a utilização desta informação, pelos médicos e utentes, na escolha do hospital de destino aquando da referenciação para uma primeira consulta hospitalar, no âmbito da medida introduzida em 2016 de Livre Acesso e Circulação do Utente no SNS".

"Foram dadas instruções pela ACSS às unidades hospitalares, no sentido de serem recusados administrativamente pedidos de consulta com tempos de espera muito elevados e ser promovida uma nova inscrição a nível hospitalar, produzindo resultados falsos sobre o tempo de espera efetivo do utente", refere o Tribunal de Contas.

O Tribunal recomenda ao Ministro da Saúde a criação de mecanismos de emissão automática de vales cirurgia nos prazos regulamentares, sempre que não seja possível cumprir os tempos máximos de resposta garantida nos hospitais do SNS, de forma a que o processo de internalização da produção cirúrgica no SNS não ponha em causa o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde em tempo considerado clinicamente aceitável.

Doentes oncológicos esperaram mais tempo

No que diz respeito às cirurgias, o documento salienta que no final de 2016 "14,92% dos 2010 906 utentes da lista de inscritos para cirurgia (LIC), encontravam-se a aguardar cirurgia além do tempo máximo de resposta garantido (TMRG) definido para o respetivo nível de prioridade. Na doença oncológica, o TMRG estava já a ser incumprido em mais de 27% dos utentes inscritos (1214 utentes)".

O relatório refere mesmo que a capacidade de resposta dos hospitais do SNS aos doentes com cancro deteriorou-se face a 2014. Salientando que dos 8621 doentes oncológicos operados em 2016, quase 20% foram-no foram do tempo recomendável, quando em 2014 tinham sido 16%.

"No último trimestre de 2016, num período de apenas 23 dias (entre 3 e 26 de outubro) foram emitidos 49 495 vales cirurgia e notas de transferência, 60,5% do total de emissões do ano. Nos anos anteriores (2014 e 2015), a emissão de vales cirurgia e notas de transferência ocorreu, como seria expectável, ao longo de todo o ano", aponta ainda o Tribunal de Contas.

"A emissão realizada nessa data não respeitou os direitos dos utentes e as regras definidas para a sua transferência para outra unidade hospitalar", diz a auditoria, salientando que a transferência de utentes acabou por não ser efetiva já que houve vales cirurgias cancelados por expiração do prazo e abrangeu utentes com cirurgias já agendadas no hospital onde estava a ser seguidos.

Perante os resultados, o Tribunal de Contas recomenda que o Ministro da Saúde "sujeite a verificações regulares, por uma entidade externa à ACSS, IP, a qualidade dos indicadores de acesso publicitados respeitantes à primeira consulta hospitalar e à cirurgia programada". E à ACSS "recomenda que não adote procedimentos administrativos que resultem na diminuição artificial das listas e dos tempos de espera".

Sugere ainda à ACSS que "produza relatórios que explicitem os critérios adotados, métodos e resultados obtidos, sempre que sejam modificadas as bases de dados dos sistemas de informação - quer da consulta a tempo e horas (CTH), quer da gestão integrada de inscritos para cirurgia (SIGIC) - a nível central, para correção de erros".

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