O cemitério de Mingorrubio tem sido, até agora, um lugar de paz. Pequeno, tranquilo e com apenas algumas visitas, situa-se nas proximidades de El Pardo, na região de Madrid, onde Franco teve a sua residência oficial durante a ditadura (1939-1975). Mas esta calma está ameaçada pela iminente chegada, esta quinta-feira, dos restos mortais do ex-ditador espanhol, para ser enterrado na cripta deste campo-santo que foi mandado construir por ele próprio.."Isto é muito calmo, há apenas 10 visitas, nos dias de mais movimento. É dos poucos cemitérios onde se pode entrar de carro", conta ao DN um dos seus trabalhadores. Há semanas que vários carros de polícia e mais de dez agentes controlam a porta, o interior e as imediações do lugar e, para entrar, é preciso mostrar a identificação. "Às vezes só deixam passar os familiares diretos dos que estão enterrados", indica o trabalhador, para quem é indiferente "que Franco esteja aqui ou não. É um morto". Espera que nas primeiras semanas depois da exumação sejam dias mais movimentados mas acredita que, em pouco tempo, "se recupere a paz"..A exumação e transferência dos restos mortais de Franco do Vale dos Caídos, a cerca de 70 km de Madrid, para o cemitério de El Pardo-Mingorrubio, está prevista paras as 10.30 desta quinta-feira (09.30 em Lisboa). O caixão com os restos mortais do ditador deixará a basílica do Vale dos Caídos aos ombros de alguns dos seus familiares, sem bandeiras nem honras militares e será, posteriormente, transferido, se a meteorologia o permitir, num helicóptero das Forças Armadas espanholas para o cemitério..Segundo o dispositivo organizado pelo governo espanhol, dentro da basílica, onde não poderão ser captadas imagens, só poderão estar os trabalhadores estritamente necessários para extrair a laje que cobre a tumba, de 1 500 Kg, um médico legista, a ministra da Justiça, Dolores Delgado, como notária superior do reino e responsável pela elaboração do registo da exumação, além de 22 familiares que demonstraram desejo de comparecer, entre netos e bisnetos do ditador..Após um breve voo que durará cerca de 10 minutos, no qual o caixão será acompanhado por um dos netos do ditador e pela ministra da Justiça, o helicóptero pousará num antigo heliporto da Guarda Real, muito perto do cemitério. Em Mingorrubio será celebrada uma cerimónia religiosa só para a família, que estará a cargo do prior do Vale dos Caídos e do padre Ramón Tejero, filho de Antonio Tejero Molina, um guarda civil condenado pela tentativa de golpe de Estado de 23 de fevereiro de 1981, no Parlamento espanhol..A exumação, cujo custo total ronda os 90 mil euros, segundo a família do ex-ditador, será realizada no âmbito da Lei da Memória Histórica, aprovada pelo Parlamento em 2017, bem como de acordos adotados pelo governo em funções de Pedro Sánchez este ano. Depois de o Executivo do PSOE ter anunciado o dia e hora da exumação, foram proibidas concentrações de saudosistas do franquismo junto ao cemitério de Mingorrubio..Francisco Franco Bahamonde foi um militar espanhol que integrou o golpe de Estado que, em 1936, marcou o início da Guerra Civil Espanhola entre nacionalistas e republicanos. Tendo saído vencedor, liderou o país em regime de ditadura a partir de 1939, até morrer com 82 anos em 1975, ano em que se iniciou a transição do país para um sistema democrático..No cemitério de Mingorrubio, para onde agora vão os seus restos mortais, está o mausoléu da família Franco, situado no subsolo da cripta situada à entrada e com capacidade para uma dúzia de sepulturas. Quase ninguém alheio à família visitou o espaço, mas diz-se que tem um interior austero sem simbologia franquista e no teto está escrito "Eu sou o Alfa e o Omega". O cemitério está situado em terrenos que são Património Nacional cedido à empresa municipal de serviços funerários e que foram uma prenda do então presidente da Câmara de Madrid, Carlos Arias Navarro, à família de Franco nos anos 1960..Neste pequeno espaço, estão sepultados, além da mulher de Franco, Carmen Polo (que veio com ele a Portugal em 1949), velhos amigos, como o ex-primeiro-ministro espanhol Carrero Blanco (o seu homem de confiança, morto pela ETA em 1973) ou Arias Navarro. E nos arredores da cripta dos Franco encontram-se até seis dos seus ministros. Em Mingorrubio também está o mausoléu da família de José Banús, um dos grandes apoios empresariais do regime franquista, dono da então imobiliária com mais poder. E até há presença internacional, a do ditador dominicano Rafael Leónidas Trujillo, responsável por numerosos crimes na América-Latina, assassinado em 1961 e enterrado neste cemitério em 1970..A escassos 500 metros do campo-santo já há mais movimento. É uma zona onde moram "pessoas de diferentes idades e diferentes ideologias" e não estão "contentes com a chegada dos restos mortais de Franco" por considerarem que isso lhes vai tirar a tranquilidade. "Estamos num oásis de paz e vive-se muito bem assim", conta ao DN um jovem, que prefere não se identificar. "Isto é muito pequeno e não quero que alguém me deixe de falar", acrescenta. O seu colega opina o mesmo, lembra que há respeito entre todos mas receiam problemas. Alicia Serra não se importa de dizer o seu nome. Leva 53 anos em Mingorrubio e já passa dos 70. "Eu não percebo tanta confusão com este tema, para nós é indiferente, isto é coisa dos políticos. Eu nunca fui ao cemitério e não penso ir", afirma ao DN..Na esplanada de um bar que todos os fins de semana enche à hora do almoço, duas amigas falam com o DN, também na condição de anonimato. "Estamos desgostosas porque vai acabar a paz, viemos viver para esta zona por causa da tranquilidade e não queremos que isso mude", comentam. Muitos dos habitantes da zona nem conheceram Franco, mas há outros, como F.R., que viveu a guerra e pede respeito pelo ex-ditador. "É uma vergonha o que vão fazer, levantar os seus restos mortais. Que se preocupem com outras coisas. Franco foi bom para Espanha e fez o que que era preciso, eram outros tempos", desabafa..Uma das questões que este tema suscita é se a exumação de Franco vai ter impacto nos resultados das eleições legislativas antecipadas de 10 de novembro em Espanha. O Vox, partido de ultradireita liderado pelo neto de um franquista, o basco Santiago Abascal, irá ganhar mais votos por causa disto? "É difícil adivinhar o impacto exato", começa por afirmar ao DN Carlos Rico, politólogo e professor da Universidade Pontifícia de Comillas, em Madrid. "Penso que o impacto será pequeno e a campanha eleitoral não vai estar centrada nisto, mas sim no problema catalão, como estamos a ver", acrescenta..Rico pensa que, em geral, os espanhóis "não se perguntam se é bom ou não tirar Franco do Vale dos Caídos, mas sim porque se faz isso agora. E isso sim pode virar-se contra o PSOE" de Pedro Sánchez. Desse ponto de vista, refere, os socialistas "estão a ajudar a Vox porque vai receber os votos dos zangados, dos que procuram um desabafo emocional. E a questão de Franco pode contribuir um pouco para isto". O politólogo considera que "Franco estava esquecido e conseguiram trazê-lo de volta. Isso é uma munição para a extrema-direita" e provavelmente, afiança, "vamos ver, nos primeiros dias [a seguir à exumação], reações muito estranhas".