Millôr Fernandes: a pedrada da ironia
É uma das pessoas mais polémicas do Brasil. As suas marcas são a ironia - como se pode ver na resposta que dá sobre o acordo ortográfico (ver entrevista ao lado) - e a crítica. Faz crítica de costumes, mas também política.
Na sua página semanal, tanto pode publicar um longo texto - como, recentemente, a homenagear Raul Solnado, republicando um texto de elogio de 1984 - como deixá-la quase toda em branco para mostrar indignação com alguma coisa. Certa vez, pegou uma placa de rua, levou-a para casa, fotografou-a e publicou-a no seu espaço, unicamente para mostrar a falta de cuidado dos burocratas com a ortografia.
Há anos que critica o ex-presidente da República e actual presidente do Senado, José Sarney, considerado um dos últimos "coronéis" da política. Afirma que só admite ser eleito para a Academia Brasileira de Letras se for para a cadeira 38 - o que só poderia ocorrer com a morte de Sarney. Isso mostra que seu humor, às vezes, é excessivamente cáustico.
Nasceu em 1923, mas só foi registado um ano depois. Ia ser Milton, mas o escrivão errou e ficou Millôr. Talvez seja o único Millôr do mundo, pois o nome não existe.
Teve importante actuação como editor do semanário O Pasquim, que, mesmo no regime militar, fazia muitas críticas com linguagem descontraída, louvada pelos jovens de então.Publicou o primeiro trabalho jornalístico com apenas 11 anos e, desde então, não parou. Lançou o primeiro livro - Eva sem Costela - Um Livro em Defesa do Homem - em 1946 e a primeira peça - Uma Mulher em Três Atos - foi encenada em 1953. O maior sucesso no teatro foi É..., encenada por Fernanda Montenegro. Em 1954, compra o imóvel que se tornaria famoso: "a cobertura do Millôr", em Ipanema, onde vive até hoje. Há uns tempos, um jornal publicou que Millôr estava todo cheio de si por ter recebido uma carta de um leitor com o seguinte endereço: "Millôr Ipanema."
Em 1959, um seu programa de TV foi extinto, a pedido do Presidente da República, Juscelino Kubitschek, após o seguinte comentário sobre a primeira dama: "Dona Sarah Kubitschek chegou ontem ao Brasil depois de 5 meses de viagem à Europa e foi condecorada com a Ordem do Mérito do Trabalho." Certa vez, trabalhou apenas sete dias no jornal Tribuna da Imprensa, após publicar um artigo sobre corrupção na imprensa...
Colaborou, de 1964 a 1974, no Diário de Portugal e diz-se que um ministro de Salazar comentou: "Este tem piada, pena que escreva tão mal o português."
Das inúmeras peças que escreveu destaca-se Liberdade liberdade, com Flávio Rangel, um musical que ficou na história do país, pelas ironias que destilava em relação ao governo militar brasileiro - que durou de 1964 a 1985.
Em auto-análise, disse certa vez: " Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar."