Mil anos a sobreviver no Médio Oriente: a bravura dos drusos
Atacados pelo Estado Islâmico nas regiões montanhosas que habitam na Síria e em protesto em Telavive contra a nova Constituição que define Israel como um Estado-nação do povo judeu, os drusos surgiram nos últimos dias de rompante na atualidade do Médio Oriente, logo eles que enquanto minoria têm como estratégia de sobrevivência o passar discretos e adaptar-se à sociedade dominante. E quando digo minoria, estou a falar de um milhão de pessoas repartidas por quatro países, onde constituem no máximo 3,3% da população (Líbano) mas podem não ir além dos 0,2% (Jordânia).
Em termos absolutos, os drusos da Síria são os mais significativos, 600 mil pessoas no início da guerra civil em 2011. Num delicado equilíbrio, e graças à capacidade para defenderem o seu Jabal al-Duruz, ou Montanha Drusa, conseguiram em boa medida manter-se fora do conflito. Sem hostilizar Bashar al-Assad, mas também sem cederem ao exército governamental os homens que tanta falta fazem para contrariar os grupos jihadistas: em 2015, foi a Frente Al-Nusra, filial da Al-Qaeda, a atacar; agora coube ao Estado Islâmico lançar uma série de ataques coordenados, que incluíram desde bombistas suicidas num mercado até raides contra aldeias da província de Sweida, que faz fronteira com a Jordânia. Terão morrido 200 pessoas e houve mulheres e crianças raptadas, a lembrar o que fez o Estado Islâmico no Monte Sinjar, no Iraque, bastião de outra minoria, os yazidis.
Os drusos falam árabe, mas não se consideram muçulmanos nem são vistos como tal por estes. Resultam de uma cisão no islão xiita acontecida há mil anos e desenvolveram um sentido comunitário muito sólido, que se revela, por exemplo, na impossibilidade de haver conversões. Atacados por vezes pelos vizinhos (na guerra civil libanesa de 1975-1990, de repente os cristãos maronitas tornaram-se o inimigo, como em 1860) e tradicionalmente pela maioria sunita que tende a vê-los como hereges, os drusos tornaram-se combatentes capazes de impor o respeito seja aos sultões, seja aos colonizadores europeus. Estiveram na primeira linha das revoltas contra a França que deram a independência à Síria.
Em Israel, onde são 130 mil, os drusos fizeram uma espécie de pacto de sangue com o Estado criado em 1948. Menos de uma década depois da independência estavam já a prestar serviço militar obrigatório. Como dizia um académico ao Le Monde, nenhuma comunidade faz a tropa como a drusa, nem sequer a judaica, pois há isenções para os ultraortodoxos. São 80% a 85% os homens drusos que passam pelas fileiras e calcula-se que meio milhar tenha caído em combate. E se em Israel há cada vez mais políticos que põem em causa a lealdade da minoria árabe (cerca de 20% da população), ninguém se atreve a questionar o patriotismo dos drusos, que fortemente se identificam como israelitas e não como palestinianos. Conta o Financial Times que um oficial druso terá um dia salvado Benjamin Netanyahu numa operação militar na Síria e hoje o primeiro-ministro tem um druso como ministro das Telecomunicações. Talvez por isso negoceie com os líderes drusos compensações para o que dizem ser a descida a cidadãos de segunda.
Sendo tão poucos os drusos, sinto-me privilegiado por conhecer três: um diplomata israelita, o dono de um restaurante libanês em Lisboa e um coronel português nascido na Guiné e com raízes libanesas. É impossível não admirar esta comunidade minúscula que, solidária entre si apesar de repartida por países de fronteiras fechadas, tem conseguido sobreviver ao longo de mil anos no barril de pólvora que é o Médio Oriente, pejado de ódios locais sempre manipulados pelas potências.