Miguel Júdice: o charme do empresário globetrotter
UM VIAJANTE incansável - globetrotter - é como se define Miguel Júdice no seu cartão de visita. Cogitou epicurista – adepto da filosofia de Epicuro, que tinha como propósito de vida a alegria e a ausência do medo. «Somos mais do que aquilo que fazemos, não é a minha profissão que me define. O que eu mais gosto é da possibilidade de viajar e conhecer pessoas, gostava de conhecer todas as pessoas do mundo», diz.
Ser empresário «pode ser uma coisa muito gira ou muito chata». Aos 36 anos, dirige um negócio de dez milhões de euros. Douro, Dão e Alentejo são as suas regiões vinícolas favoritas e coincidem com a localização dos empreendimentos. Quatro hotéis, restaurantes, um spa e um sector de organização de eventos fazem parte do seu grupo de empresas. Na carteira, o projecto para abrir um hotel na Figueira da Foz e outro relacionado com o turismo e o vinho no Alentejo. «Gosto de criar coisas, e que elas tenham uma evidência física, que possam ser tocadas. Um empresário é uma pessoa que cria, um artista de certa maneira. Não tem de ser aquela coisa cinzenta e relacionada com o dinheiro. Como empresário posso actuar com cultura, criar emoções, ser um filantropo, não há receitas.»
FREQUENTOU Gestão de Empresas na Universidade Católica porque achava «graça», não estava certo do que queria fazer e via no curso a possibilidade de ter um negócio e gerir a própria vida. Aos 24 anos conduzia uma carrinha amarela carregada de chocolates e ração animal. Vendia produtos de uma multinacional americana «de café em café».
Bom vendedor, passou ao marketing nas grandes superfícies. Viajante, percebeu que gostava mesmo de turismo e foi trabalhar para o hotel da família por um ano. Garante que «fazia de tudo» – atendimento, compras, recursos humanos, marketing. Aprendeu o que podia e encontrou um desafio na Sonae Turismo, um «ambiente mais profissional, onde poderia aprender em outra escala». Sentiu que os seus conhecimentos teóricos eram deficientes e partiu para os Estados Unidos, na trilha de um MBA em turismo, concluído na Universidade Cornell, em Nova Iorque.
Gosta de beber o vinho da casa, servido numa jarra, e das «surpresas» que ele pode trazer. Quinta de Cabriz é a sua compra «fácil» para quando está sem tempo para as garrafeiras. Diz não ser um consumidor de luxo e localiza o seu negócio no sector do «charme» – a diária no seu hotel da Quinta das Lágrimas, perto de Coimbra, pode custar entre 243 e 487 euros.
Candeeiros, cinzeiros, talheres e copos, a farda dos empregados e o logótipo, o olhar de Miguel poisa em tudo na sua empresa. Já deixou de abrir um restaurante no Porto porque não conseguiu convencer os sócios da sua estética. «Eu sou o director estético, a decoração de todos os negócios traduz o meu gosto, sou um polícia esteta rígido.»
FILHO mais velho do advogado José Miguel Júdice, sócio de um dos mais conceituados escritórios de advocacia de Portugal, Miguel reconhece em si a trajectória do «filho do papá», mas vê-se no futuro como «patriarca», aglutinador da família. Na infância e adolescência passava as férias na Quinta das Lágrimas, propriedade da família desde o século XVIII. Acompanhou o pai no que seria uma visita de despedida, na década de oitenta.
Anos mais tarde, em 2001, participou na criação do vinho Pedro e Inês – Dão, desenvolvido pelo enólogo Carlos Luca, que mistura as castas Alfrouxeiro e Baga – para comemorar a recuperação da quinta mítica, homenagear a história de amor e o sucesso do negócio. «Sou protector, sinto responsabilidade pelos meus irmãos e primos, por tomar conta e amparar. O negócio é familiar, todos estão envolvidos de um modo directo ou indirecto, é como outro fórum de reunião da família, e uma evidência da nossa união. São diversos níveis de profundidade», adianta.
Miguel é modesto em relação aos vinhos, julga que conhecê-los exige «experiência e sabedoria». Reconhece ter provado de garrafas maiores que o seu paladar, como o californiano tinto Opus One, parceria entre os produtores Philippe de Rothschild e Robert Mondavi.
Na vida privada e na gestão dos negócios opta por não pedir nem dar conselhos. Julga que eles são «poderosos», podem moldar as decisões de quem os pede, fazer que se deixe de lado a opção correcta e acarretam responsabilidade a quem os dá. «Tomo decisões sem muita certeza, assumo os riscos que elas acarretam. Se me pedem conselhos aponto os prós e os contras de cada opção. No mundo dos negócios peço orientação aos especialistas de cada sector, que é diferente de pedir conselhos. Bato bola todos os dias com o meu pai, trocamos ideias e opiniões.»
ASSIM como tem prazer com vinhos tintos e brancos, também aprecia os rosés, Miguel identifica-se com as ideias políticas de um amplo espectro. «Não tenho apego às ideologias. Acho que os políticos são todos inteligentes e têm o poder de me convencer, sejam da direita ou da esquerda. Penso que há boas propostas e lideranças no PC, no PS e no PSD. Posso não gostar das pessoas que estão à frente desses partidos, mas há argumentos válidos em todos os sectores.»
Não tem ideologia mas vota, ainda que faça uso do voto em branco. Avalia que o ideal para o país seria a concertação. «São precisas decisões conjuntas em algumas áreas, porque a alternância no poder é inevitável e deste modo as decisões pontuais não condicionariam o trabalho futuro. Há aspectos estruturais da nação que têm um impacte tão grande que não deveriam ser deixadas ao arbítrio dos partidos. Mas é preciso coragem para chamar o outro para a concertação política.» Se opina e discute política, não se vê a fazê-la, pela «entrega filantrópica» que acredita necessária e porque gosta de «portar-se mal» e não quer exposição.
Vê como característico da sua geração o não vestir camisolas políticas ou levantar bandeiras, resultado de se ter crescido «num mundo de facilidades, democrático, sem tensões e terrorismo, que nos torna indolentes, acomodados». O acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho, barreiras típicas da sua geração, preocupam-no na medida em que podem levar à «mobilização negativa», a exemplo da criminalidade. O que sugere aos jovens é que se «envolvam socialmente».
Assume a responsabilidade pública de líder empresarial, reconhece que as suas decisões têm impacte no quotidiano das famílias das 250 pessoas que emprega. A crise ainda não se mede no grupo, que mantém uma ocupação dos hotéis em índices semelhantes ao ano anterior. A redução dos juros sobre os empréstimos contraídos é positiva para o negócio e a previsão é que sejam gerados quarenta novos empregos em 2009.
«A MINHA obrigação é garantir os empregos, pagar em dia e manter um clima de trabalho adequado, tratar bem as pessoas. Não me preocupo com o background dos empregados, se fizeram ou não determinado curso, mas sim como desempenham as suas actividades, dou liberdade para que sejam propositivos. Se todos os empresários gerassem três postos de trabalho por ano o problema do desemprego resolver-se-ia.»
Miguel tem 1,83 metros e mantém o olho na balança para não ultrapassar os 80 quilos – os risotos ocupam espaço privilegiado na sua cozinha. É adepto do Benfica, mas o azul está presente nos fatos, nas camisas, nos jeans e numa eventual écharpe. Joga à bola como avançado, gosta de ganhar, mas não se importa de não marcar golos. Estar com o filho Manuel, de 6 anos, é «a melhor coisa do mundo». Divorciado, não tem namorada e diz não estar preparado para um relacionamento amoroso, «a não ser que se apaixone perdidamente».
Pablo Neruda – cita de memória «morre lentamente quem evita uma paixão» –, Lord Byron e William Yeats estão entre os seus poetas. Confessa-se romântico e sedutor. «Ser romântico significa ser sensível com as pessoas, ter uma componente emocional no modo de relacionar-se. A sedução está presente em todos os momentos, quando faço uma compra e sou simpático com a rapariga do supermercado. Trato todas as pessoas do mesmo modo, o homem do lixo e um empresário. A pior coisa do mundo é a arrogância, não estar com um sorriso nos lábios. Gosto de adaptar-me às pessoas e aos ambientes em que estou.»
NO ANO passado acampou sozinho nos Lençóis Maranhenses (Brasil), para este planeia uma viagem à China e outra a África. São Tomé e Serra Leoa são destinos prováveis. Diz que «não», que não lhe pesam as responsabilidades como filho, pai ou empresário.
«Eu gosto de estar muito ocupado, é uma pena não conseguir esticar os dias. Há momentos de maior e menor desânimo, mas sou uma pessoa de bem com a vida, consigo dar a volta nas chatices que acontecem todos os dias. Não descarrego nas pessoas e só faço aquilo que me apetece, não tenho feitio para fazer nada por obrigação.» E chora quando é tocado pela emoção. «Choro quando partem pessoas que estão próximas, nos casamentos da família ou quando oiço música. Choro imenso, chorar torna-nos doces, mais próximos de nós mesmos, um sentimento mais interior do que exterior.»
Os vinhos do Miguel
Tintos, maduros, com taninos marcantes, de acidez equilibrada, persistentes e com bouquet a vegetal. Características que descrevem o prazer do vinho para Miguel Júdice. É sensível aos rótulos (prefere a simplicidade nas linhas) na hora de escolher uma garrafa e estas não costumam ultrapassar os trinta euros. Sugere que se beba vinhos «maus», para desenvolver o paladar. «Essencialmente», bebe às refeições e «acompanhado».
Lamenta que um vinho «grande» tenha rolha artificial. Gosta dos vinhos feitos pelos «amigos, porque vinho é afecto, antes de ser negócio, um prazer para quem o faz». Participa de degustações, mas deixa aos especialistas a escolha das garrafas presentes na carta dos seus hotéis e restaurantes. Instalou um software no telemóvel que permite fazer anotações sobre os vinhos que experimenta. «O vinho não é apenas uma bebida, faz parte da alimentação e da cultura. Um afrodisíaco, que solta o espírito, a língua e o sorriso. O vinho é como um animal, precisa de ser bem tratado.»
Fotógrafo coleccionador
O retrato de uma criança africana a usar uma máscara tribal, da espanhola Isabel Muñoz, é a fotografia que mais prazer lhe deu adquirir. É um «modesto coleccionador» de fotos. Uma máquina fotográfica é companhia permanente, usa Nikon e faz os registos em slides, pela qualidade, que considera superior ao filme e ao digital. As pessoas são o seu enfoque favorito, contudo, não tem retratos de familiares em casa – alega que faz-lhe confusão ter fotos de familiares vivos, apenas uma imagem da avó, já falecida.
A responsabilidade do cidadão
Residências para artistas nos hotéis do grupo, parceria na realização de exposições – está a promover uma com o artista plástico Domingos Loureiro –, projectos de prevenção à obesidade infantil nas escolas de Coimbra, criação de jardins e palestras sobre empreendedorismo a jovens do ensino superior estão entre as acções de «responsabilidade social» de Miguel Júdice. Contudo, no site do grupo não há qualquer referência às actividades, fazer e não promover é o seu lema. «A responsabilidade social por vezes é um chavão, há empresas que o fazem apenas para melhorar a sua imagem ou ligar-se a determinado público. Independentemente do motivo, penso que o importante é que se faça. As empresas podem e devem cooperar com a sociedade, com o seu bem-estar, não se pode estar apenas à espera do Estado.»