Miguel Gaspar, de 33 anos, formou-se em Gestão e Administração Pública, em Coimbra, de onde é natural e tem a família. Em 2012, a crise financeira em Portugal, aliada à vontade de conhecer outras realidades e ganhar experiência, levou-o a emigrar, primeiro para Itália, depois para a Suíça. Aconteceu tudo isso - ganhou experiência e autonomia financeira, mas o amor falou mais alto. Regressou há três meses..É um dos 629 portugueses que voltaram a trabalhar em Portugal ao abrigo do Programa Regressar. A medida, lançada há seis meses, implica um apoio financeiro do Estado para emigrantes e lusodescendentes, com valores variáveis que dependem do agregado familiar. Os candidatos trouxeram companheiros e filhos, mais 679 pessoas, num total de 1308 emigrantes que deixaram de o ser em 2019 através do programa..Terminada a licenciatura, Miguel ainda trabalhou na área das finanças e contabilidade em Coimbra. Decidiu, em 2012, emigrar para Milão, onde esteve dois anos na área de auditoria e abraçou vários projetos internacionais. Muito trabalho, entre 50 e 60 horas semanais, mas uma boa aprendizagem, "importante para construir as bases e consolidar conhecimentos". Ganhava cerca de 2000 euros mensais líquidos..Mudou-se, depois, para a Suíça, para a sede de uma multinacional em Zurique. Deu "um salto maior", com mais responsabilidade, também mais incentivos e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido. E estava num ambiente multicultural, a todos os níveis. O horário laboral era de 50 a 55 horas semanais, com pagamento de horas extraordinárias, férias extra e um salário líquido na ordem dos cinco mil euros mensais..Regressam da Europa e têm curso superior.O jovem de Coimbra vivia há quatro anos em Zurique quando decidiu voltar. Regressou de um dos países de onde partem mais candidaturas ao Programa Regressar: Reino Unido (18%), França (17%), Suíça (14%), Brasil (8%), Espanha (6%), Angola (6%) e Alemanha (6%). É uma população ativa, entre os 25 e os 44 anos..O jovem de Coimbra faz parte dos 69% dos candidatos que deixaram o país entre 2011 e 2015, logo, na sequência da crise financeira do país. E, tal como 45% dessas pessoas, tem qualificações ao nível do ensino superior; está, também, nas áreas profissionais mais representadas: ciências físicas, matemáticas, engenharias e técnicas afins (13%), contabilidade, organização administrativa, relações públicas e comerciais (11%), financeira, administrativa e dos negócios (7%) e tecnologias de informação e comunicação (6%).."Vim por questões pessoais, por causa da minha namorada. Ainda se colocou a hipótese de ser ela a ir ter comigo, mas tendo em conta que eu estava há sete anos fora do país e ela já esteve emigrada, pensámos que estava na altura de estabilizar, pensar em ter filhos, e que seria melhor ficarmos em Portugal", conta Miguel.."A ideia já estava definida", mas o Programa Regressar foi uma boa ajuda, só tinha de cumprir os critérios. Um deles era encontrar um emprego em Portugal, o que não foi fácil. A maioria das propostas era para jovens sem experiência, quando ele tinha ido para o estrangeiro precisamente para consolidar as bases e adquirir traquejo. Além de que trabalhava na Suíça e teve de dar um pré-aviso de três meses para se despedir.."Continuo na mesma área, mas não foi fácil arranjar emprego, não tanto pela questão remuneratória, mas pela minha experiência. Tendo em conta o meu desenvolvimento profissional a médio e longo prazo e, uma vez que ia abdicar de uma carreira, queria trabalhar numa empresa que me desse oportunidade de crescer", justifica..Aconteceu com uma startup portuguesa, a Feedzai, que utiliza a inteligência artificial para combater a fraude em pagamentos online e está presente em Portugal, Reino Unido, Estados Unidos e China, empregando 500 pessoas no total..Sente que tem a possibilidade de crescer, além de que a sede é em Lisboa, onde vive com a namorada. Vai frequentemente ao escritório de Coimbra, onde fica em casa dos pais. Trabalha cerca de 50 horas, tem 25 dias de férias e ganha 1700 euros líquidos mensais..Além disso, é beneficiário do Programa Regressar, o que permite que, durante cinco anos, apenas pague IRS sobre 50% dos rendimentos. Estima que seja uma poupança de 200 euros mensais..Além dos portugueses que regressam, continuam a vir para Portugal muitos estrangeiros. "Os dados preliminares levam a dizer que em 2019, pela primeira vez na nossa história, é ultrapassada a barreira do meio milhão de cidadãos estrangeiros a residir em Portugal", disse nesta quarta-feira Eduardo Cabrita na Assembleia da República..O programa, sob a palavra de ordem "É Hora de Voltar a Casa! O Seu País Apoia o Seu Regresso", destina-se aos que emigraram até 31 de dezembro de 2015 e que tenham vivido mais de 12 meses no estrangeiro. Devem iniciar uma atividade laboral em Portugal até 31 de dezembro de 2020, sendo as candidaturas apresentadas através do portal online do Instituto do Emprego e Formação Profissional..O apoio financeiro pode chegar aos 6536 euros por candidatura, dependendo do número de pessoas do agregado familiar. Inclui uma prestação monetária e comparticipação nas despesas de viagem, transporte de bens e de reconhecimento das habilitações. Miguel Gaspar era o único elemento do agregado familiar na Suíça e recebeu cerca de quatro mil euros..Arrependido? "Não", responde o ex-emigrante, que ainda encontrou outra vantagem no bom clima de Lisboa, no luxo que é "ter sol em dezembro às cinco da tarde".."O ideal seria ter o melhor dos dois mundos, de Portugal e da Suíça. O facto de ter trabalhado fora ajudou-me na autonomia financeira, noto que os meus amigos e colegas não podem comprar, jantar fora e viajar com tanta facilidade como eu. Na Suíça, é tudo muito caro, mas também se ganha muito bem. O processo de adaptação demora o seu tempo mas, regressando a Portugal, é mais fácil do que foi em Itália e na Suíça. Sinceramente, o que vai demorar mais é a adaptação à empresa", diz..Está a aprender a lidar com os carros em segunda fila, as ruas sem passeios, os buracos na estrada e, por vezes, com o sentimento que falta em Portugal cultura global. "Atenção, não estou a criticar, é uma observação. E uma pessoa habitua-se."