Mieloma Múltiplo: cada vez mais casos, cada vez mais cedo

Março é o mês em que se chama a atenção para o Mieloma Múltiplo, um cancro de sangue que todos os anos afeta centenas de pessoas em Portugal e que, graças aos avanços da medicina, tem cada vez melhor prognóstico.
Publicado a
Atualizado a

O Mieloma Múltiplo é a segunda doença hemato-oncológica mais comum e caracteriza-se pela acumulação de um tipo de glóbulos brancos (os plasmócitos) que produzem uma quantidade elevada de proteína anormal, a que chamamos monoclonal. Estes plasmócitos, que têm origem na medula óssea - uma verdadeira fábrica biológica que produz milhões de células sanguíneas todos os dias - podem também formar agregados (plasmocitomas) e levar à fragilização dos ossos das pessoas. Estas lesões destrutivas são responsáveis pelo principal sintoma do Mieloma Múltiplo - a dor - presente em até 90% dos casos.

Há casos graves que devem ser tratados com urgência de forma a minimizar sofrimento e evitar sequelas irreversíveis a nível dos rins, dos ossos ou do sistema nervoso, mas muitos têm uma evolução mais lenta. Seja qual for o caso, o doente deve estar munido do conhecimento que lhe permita compreender a situação e participar no processo de decisão. A este propósito, há duas questões que surgem muitas vezes nas consultas e que, colocando-me no lugar do doente, gostaria de abordar.

Sendo uma doença associada ao envelhecimento, o Mieloma Múltiplo tem na idade avançada o principal fator de risco. Por este motivo, com o envelhecimento da população, assistiremos nos próximos anos a um aumento significativo da incidência - ou novos casos - desta doença. Outros fatores de risco, como a exposição a radiação, pesticidas ou benzeno, não são identificáveis na esmagadora maioria dos doentes e, mesmo que o sejam, é improvável que se possa estabelecer um nexo de causalidade. Por outro lado, apesar de ser uma doença associada a uma proteína anormal, esta não tem qualquer relação com as proteínas alimentares. Está, isso sim, relacionada com o sistema imunitário e, por vezes, associa-se a distúrbios que podem ter como consequência o aumento do risco de infeções. Portanto, regra geral, nada que possa fazer vai influenciar o risco de desenvolver esta doença.

A avaliação das proteínas do sangue tornou-se frequente, mesmo nos check-ups mais rotineiros - e, por isso, encontramos cada vez mais casos, cada vez mais cedo. Estima-se que 5% da população geral com idade superior a 65 anos tem uma pequena fração de proteína monoclonal. Na esmagadora maioria dos casos não se trata de Mieloma Múltiplo, mas sim de uma situação de pré-doença, a maior parte das vezes sem significado clínico e com um risco baixo de evoluir para fases avançadas. No entanto, de forma a permitir o diagnóstico precoce, deve ser vigiada, sendo que a quantificação da proteína monoclonal ao longo do tempo é o principal elemento que permite avaliar o ritmo de progressão e prever a necessidade de tratamento.

Quando existem critérios para tratamento, a perspetiva deve ser otimista. Em poucas áreas da hemato-oncologia se viu uma evolução tão significativa da terapia como no Mieloma Múltiplo. A inovação ao nível terapêutico permite fazer combinações de diferentes fármacos de forma a tornar o tratamento mais eficaz, mais personalizado e menos tóxico. Os esquemas de tratamento são frequentemente atualizados de forma a incluir novos produtos com mecanismos de ação diferentes e é habitual tratar-se os doentes com combinações de 3 ou 4 fármacos distintos, direcionados aos mecanismos biológicos da doença (mais frequentemente imunomoduladores, inibidores dos mecanismos de sobrevivência das células e anticorpos monoclonais). Uma das maiores vitórias da ciência contra o Mieloma Múltiplo é precisamente o uso de terapias dirigidas que, de tão eficazes, permitem tratar os doentes sem recorrer ao uso de quimioterapia e, portanto, com menos efeitos secundários.

Por tudo isto, assistimos nos últimos anos a uma melhoria significativa do prognóstico dos doentes com Mieloma Múltiplo, que hoje em dia podem esperar viver vários anos após o tratamento, sem manifestações da doença e com boa qualidade de vida. E o futuro guarda para breve novas terapias imunológicas e celulares, com o potencial de oferecer uma resposta duradoura mesmo em doentes que, devido à idade avançada ou doenças prévias, não seriam elegíveis para transplante de medula óssea.

Neste contexto de rápida inovação, os grupos colaborativos, como o Grupo Português de Mieloma Múltiplo, que agrega profissionais dos serviços de hematologia de vários hospitais públicos e privados do nosso país, reveem regularmente a evidência científica, emitem recomendações, e promovem a otimização do tratamento e da monitorização dos doentes. Esta missão eleva os padrões de qualidade e é uma das maiores garantias de acesso igual às soluções mais adequadas, onde quer que o doente seja tratado.

O trabalho conjunto das instituições de saúde e toda a comunidade médica com as autoridades de saúde e do medicamento, de forma a construir e aplicar uma estratégia de combate às doenças oncológicas eficaz, é uma parte fundamental do caminho, para que, daqui a um ano, quando se celebrar mais um mês do Mieloma Múltiplo, possamos estar ainda mais otimistas quanto ao futuro das pessoas com esta doença.

Hematologista na CUF Oncologia - Hospital CUF Cascais e Hospital CUF Tejo

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt