O Mieloma Múltiplo é a segunda doença hemato-oncológica mais comum e caracteriza-se pela acumulação de um tipo de glóbulos brancos (os plasmócitos) que produzem uma quantidade elevada de proteína anormal, a que chamamos monoclonal. Estes plasmócitos, que têm origem na medula óssea - uma verdadeira fábrica biológica que produz milhões de células sanguíneas todos os dias - podem também formar agregados (plasmocitomas) e levar à fragilização dos ossos das pessoas. Estas lesões destrutivas são responsáveis pelo principal sintoma do Mieloma Múltiplo - a dor - presente em até 90% dos casos. .Há casos graves que devem ser tratados com urgência de forma a minimizar sofrimento e evitar sequelas irreversíveis a nível dos rins, dos ossos ou do sistema nervoso, mas muitos têm uma evolução mais lenta. Seja qual for o caso, o doente deve estar munido do conhecimento que lhe permita compreender a situação e participar no processo de decisão. A este propósito, há duas questões que surgem muitas vezes nas consultas e que, colocando-me no lugar do doente, gostaria de abordar. .Sendo uma doença associada ao envelhecimento, o Mieloma Múltiplo tem na idade avançada o principal fator de risco. Por este motivo, com o envelhecimento da população, assistiremos nos próximos anos a um aumento significativo da incidência - ou novos casos - desta doença. Outros fatores de risco, como a exposição a radiação, pesticidas ou benzeno, não são identificáveis na esmagadora maioria dos doentes e, mesmo que o sejam, é improvável que se possa estabelecer um nexo de causalidade. Por outro lado, apesar de ser uma doença associada a uma proteína anormal, esta não tem qualquer relação com as proteínas alimentares. Está, isso sim, relacionada com o sistema imunitário e, por vezes, associa-se a distúrbios que podem ter como consequência o aumento do risco de infeções. Portanto, regra geral, nada que possa fazer vai influenciar o risco de desenvolver esta doença. .A avaliação das proteínas do sangue tornou-se frequente, mesmo nos check-ups mais rotineiros - e, por isso, encontramos cada vez mais casos, cada vez mais cedo. Estima-se que 5% da população geral com idade superior a 65 anos tem uma pequena fração de proteína monoclonal. Na esmagadora maioria dos casos não se trata de Mieloma Múltiplo, mas sim de uma situação de pré-doença, a maior parte das vezes sem significado clínico e com um risco baixo de evoluir para fases avançadas. No entanto, de forma a permitir o diagnóstico precoce, deve ser vigiada, sendo que a quantificação da proteína monoclonal ao longo do tempo é o principal elemento que permite avaliar o ritmo de progressão e prever a necessidade de tratamento. .Quando existem critérios para tratamento, a perspetiva deve ser otimista. Em poucas áreas da hemato-oncologia se viu uma evolução tão significativa da terapia como no Mieloma Múltiplo. A inovação ao nível terapêutico permite fazer combinações de diferentes fármacos de forma a tornar o tratamento mais eficaz, mais personalizado e menos tóxico. Os esquemas de tratamento são frequentemente atualizados de forma a incluir novos produtos com mecanismos de ação diferentes e é habitual tratar-se os doentes com combinações de 3 ou 4 fármacos distintos, direcionados aos mecanismos biológicos da doença (mais frequentemente imunomoduladores, inibidores dos mecanismos de sobrevivência das células e anticorpos monoclonais). Uma das maiores vitórias da ciência contra o Mieloma Múltiplo é precisamente o uso de terapias dirigidas que, de tão eficazes, permitem tratar os doentes sem recorrer ao uso de quimioterapia e, portanto, com menos efeitos secundários..Por tudo isto, assistimos nos últimos anos a uma melhoria significativa do prognóstico dos doentes com Mieloma Múltiplo, que hoje em dia podem esperar viver vários anos após o tratamento, sem manifestações da doença e com boa qualidade de vida. E o futuro guarda para breve novas terapias imunológicas e celulares, com o potencial de oferecer uma resposta duradoura mesmo em doentes que, devido à idade avançada ou doenças prévias, não seriam elegíveis para transplante de medula óssea. .Neste contexto de rápida inovação, os grupos colaborativos, como o Grupo Português de Mieloma Múltiplo, que agrega profissionais dos serviços de hematologia de vários hospitais públicos e privados do nosso país, reveem regularmente a evidência científica, emitem recomendações, e promovem a otimização do tratamento e da monitorização dos doentes. Esta missão eleva os padrões de qualidade e é uma das maiores garantias de acesso igual às soluções mais adequadas, onde quer que o doente seja tratado. .O trabalho conjunto das instituições de saúde e toda a comunidade médica com as autoridades de saúde e do medicamento, de forma a construir e aplicar uma estratégia de combate às doenças oncológicas eficaz, é uma parte fundamental do caminho, para que, daqui a um ano, quando se celebrar mais um mês do Mieloma Múltiplo, possamos estar ainda mais otimistas quanto ao futuro das pessoas com esta doença..Hematologista na CUF Oncologia - Hospital CUF Cascais e Hospital CUF Tejo