Metade das têxteis com menos vendas e 80% cortaram nas margens

Custos energéticos ameaçam unidades de acabamentos das quais depende toda a cadeia do setor têxtil. São cerca de cem fábricas e dez mil trabalhadores, mas que suportam 130 mil, alerta presidente da ATP
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Cerca de metade das empresas da fileira têxtil estão com quebras no volume de negócios, comparativamente ao período homólogo e 80% cortaram nas margens de lucro de modo a acomodar o aumento da inflação e dos custos de produção, designadamente energéticos. Mais: quase dois terços das empresas estão com uma carteira de encomendas reduzida neste último trimestre do ano. Os dados, ainda provisórios, são do mais recente inquérito à atividade realizada pela Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) cujo presidente fala numa situação "muito difícil" e que pode pôr em causa a sobrevivência de muitas empresas.

"Se a guerra continuar e os preços do gás se mantiverem elevados, as empresas que são consumidoras intensivas de gás não têm hipótese se não forem ajudadas", admite Mário Jorge Machado, que prefere nem explorar muito esta realidade, sublinhando que "é um cenário que nem vale a pena falar nele, seria catastrófico para o país e para o setor". Na abertura da recente convenção europeia do setor, o presidente da ATP tinha alertado para o risco de uma "enorme purga nos negócios, permitindo apenas aos mais capazes sobreviver", salientando que "cada falência é uma vitória de Putin, que está a usar o gás como arma económica".

O empresário está agora um pouco mais animado, dado que os preços do gás começaram a cair, passando dos 100 para os 40 euros por megawatt-hora (MWh). "Há aqui já sinais positivos de que o grande medo da falta de gás se começa a desvanecer e isso é muito bom porque dá outra confiança", diz. Mas reconhece que se vivem tempos de "extrema volatilidade" e a situação pode mudar a qualquer momento.

Sobre os dados do inquérito, que mostram que 29% das empresas reduziram as suas margens entre 10 e 30% e acima disso no caso de 12% dos inquiridos, Mário Jorge Machado afiança que não constituem qualquer surpresa. "As marcas estão a comprar menos e isso começou a notar-se a partir de julho, por efeito conjugado da inflação na subida dos preços e do medo da recessão que vem aí", refere.

A verdade é que a situação não afeta todos da mesma forma e há 33% dos inquiridos que registam aumento de vendas no último trimestre comparativamente a igual período de 2021. A maioria com crescimento até 10%, mas também há 2% de empresas com aumentos do volume de negócios acima dos 30%.

CitaçãocitacaoAs marcas de segmento médio serão as que estão a sofrer mais, admite a ATP. Já o mercado de luxo está em alta e com grande vontade de trocar as fábricas da Ásia pela Europa

"Há segmentos de mercado que, felizmente, estão a funcionar melhor, designadamente tudo o que está ligado ao luxo. Em contrapartida, os têxteis-lar estão a ser mais impactados do que o resto do setor", explica. O facto de terem sido dos artigos que os portugueses mais compraram em pandemia, e por se tratar de bens duradouros, ajuda a entender esta performance menos positiva.

Sem informação sobre quem está a comprar menos, a ATP admite que serão as empresas que operam no segmento médio do mercado. "O luxo é, normalmente, menos afetado por estas situações e essas empresas estão a procurar deslocalizar mais as suas produções da Ásia para a Europa, e não têm problemas em pagar os preços europeus. Temos sido abordados nesse sentido por muitas marcas de luxo europeias", garante o dirigente associativo. As marcas de média dimensão "também querem produzir na Europa, mas têm maiores dificuldades em encontrar produtores dentro da sua gama de preço", frisa.

É essa procura acrescida, até por razões de sustentabilidade, que dá confiança quanto ao futuro. "A situação é difícil em termos conjunturais, mas estruturalmente, desde os anos 90, que o setor não tinha um horizonte tão positivo como o que tem nesta década com a reindustrialização da Europa e com a procura crescente por sustentabilidade e pela circularidade dos produtos, áreas em que a fileira têxtil tem vindo a investir fortemente e que hão de produzir ainda melhores resultados quando o passaporte digital for obrigatório", diz.

Este documento, que Mário Jorge Machado acredita que a UE levará dois a três anos a implementar, terá informações sobre a sustentabilidade ambiental dos produtos, permitindo aos consumidores fazerem escolhas informadas. "Vai ser uma verdadeira revolução", promete.

Mas primeiro é preciso sobreviver à crise energética. Os dados do inquérito mostram que, nos últimos três meses, o custo da eletricidade aumentou para 93% das empresas, sendo que, para um terço delas, o aumento foi superior a 50% e para outro terço variou entre os 30 e os 50%. No gás natural, a realidade é diferente, já que só 33% das empresas usam esta fonte energética. Deste universo, a parcela maior, de 14%, registou um aumento de preços entre os 100 e os 250%, 5% viu a fatura aumentar até aos 500% e outros 5% acima disso.

"São as empresas de acabamentos que têm este impacto, mas, se estas fecharem, é toda a cadeia que fica posta em causa. As tecelagens não terão onde tingir a malha, nem as confeções terão malha para fazer as peças", explica Mário Jorge Machado, que estima que existam em Portugal cerca de uma centena de unidades de acabamentos e que darão emprego a aproximadamente dez mil pessoas, mas que suportam, sublinha, os 130 mil trabalhadores da fileira do têxtil e vestuário. As ajudas às empresas, apesar de reforçadas para 40% sobre o custo elegível e aumentado o limite do apoio dos 400 mil para os 500 mil euros, não são, ainda, suficientes.

"Se a guerra estivesse a acabar, os 40% chegavam, porque mesmo tendo prejuízos, as empresas iriam digeri-los nos anos seguintes. Mantendo-se a guerra e os preços altos do gás, sempre dissemos que seriam necessários apoios da ordem dos 70% e que o limite devia ser de dois milhões por empresa", defende a ATP. Já a possibilidade em estudo de poderem vir a ser cobertos EBITDA negativos provocados pelo aumento dos custos energéticos até aos cinco milhões de euros"é uma medida que faz todo o sentido".

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