Mesmo sem escutas Pinto da Costa seria condenado
'Apito Final'. Comissão Disciplinar está apta a defender que, mesmo sem escutas telefónicas, Pinto da Costa e Boavista seriam igualmente condenados. Mas, ainda assim, tem em seu poder um parecer de Vital Moreira que atesta a legalidade das intercepções em processo penal, contraditando Costa Andrade
Parecer de Vital Moreira apoia decisões da Liga
Os factos provados contra o F C Porto, Pinto da Costa e Boavista, por crimes de corrupção, no âmbito das condenações pela Comissão Disciplinar (CD) da Liga "podem prescindir das intercepções telefónicas". E mesmo que não prescinda, o seu uso está de acordo com a Constituição.
Ao que apurou o DN, esta é a tese que aquele organismo está apto a defender - também com base num parecer do constitucionalista Vital Moreira - contra os pareceres jurídicos dos constitucionalistas Costa Andrade e Damião da Cunha, pedidos por Pinto da Costa e usados no recurso da sua pena para o Conselho de Justiça da FPF, que atestam ser inconstitucional o recurso a escutas em processo disciplinar. Costa Andrade defende, inclusive, que sem intercep- ções telefónicas nunca a CD teria elementos de prova para condenar o presidente portista, frisando que Carolina Salgado deveria ser arguida, e não testemunha. A CD está preparada para defender, sabe o DN, que a restante prova é, também, suficientemente forte para a condenação, mas também que a utilização de escutas é também legal.
Para sustentar os seus argumentos, a CD pediu vários pareceres, nomeadamente ao constitucionalista Vital Moreira, segundo o qual "o n.º 4.º do artigo 34º da Constituição só admite a obtenção de escutas telefónicas em processo penal, mas não se refere explicitamente a nenhuma proibição absoluta de utilização das mesmas fora do processo penal."
Para Vital Moreira, não se afigura constitucionalmente irrazoável, muito menos intolerável, admitir a utilização de escutas licitamente realizadas em processo penal também para o sancionamento de outros ilícitos, mediante autorização da autoridade judiciária, desde que se trate de apuramento de responsabilidade civil ou disciplinar decorrente dos factos e pessoas averiguados no ilícito penal.
Insignificância das escutas
À parte desta guerra jurídica, que o Conselho de Justiça (CJ) da Federação terá de ter em conta ao apreciar os recursos, a CD está também apta para mostrar que as intercepções são o material menos importante na fundamentação nas condenações. E se o CJ da FPF remeter o processo de volta à CD da Liga (uma possibilidade admitida), para ser 'limpo' da matéria de prova relacionada com as escutas, as restantes provas serão suficientes para manter a pena (dois anos de suspenção). No processo que envolve o árbitro Augusto Duarte, o encontro entre este o empresário António Araújo e Pinto da Costa foi testemunhado por inspectores da PJ , tendo todos confessado este facto relativo ao jogo FC Porto-Leiria. As escutas são, pois, consideradas insignificantes para a prova.
Já no processo que envolve Jacinto Paixão, independentemente das escutas, as prostitutas têm depoimentos concretos a confirmar os encontros nos hotéis com os árbitros do jogo FCPorto-Estrela da Amadora. Também Carolina Salgado confirma que Pinto da Costa se teria encontrado com António Araújo. O mesmo se verifica nos três processos disciplinares contra o Boavista que ditaram a descida de divisão deste clube por crimes de corrupção. O decisivo não são as escutas, mas os depoimentos dos árbitros Paulo Januário, Elmano Santos, Ezequiel Feijão e Bruno Paixão, prestados na CD. No processo que envolve Valentim Loureiro e Paulo Januário, nem há escutas.
Já no caso dos contactos telefónicos entre João Bartolomeu e Júlio Mouc, para combinarem a nomeação dos árbitros para os jogos do Leiria e respectiva classificação, a CD decidiu aliás arquivar o caso porque tinha como prova apenas as escutas, uma vez que os intervenientes se remeteram ao silêncio.
A CD está, pois, preparada para refazer a sentença caso o CJ entenda ser ilegal o recurso às escutas em processo disciplinar. Contudo, o parecer de Vital Moreira poderá, aqui, ser crucial. Segundo o constitucionalista, não existe razão suficiente para interpretar o artigo 34.º da Constituição no sentido de que a utilização das escutas só é permitida em processo penal. O aproveitamento em processo disciplinar apenas se restringe ao apuramento da responsabilidade emergente dos factos e em relação aos agentes que foram objecto das escutas.