Mergulhador espanhol que ajudou a resgatar jovens tailandeses: "Devem saber que tiveram muita sorte"
Fernando Raigal, natural de Ciudad Real, foi para a Armada espanhola com apenas 16 anos, depois de chumbar no liceu. Acabou mais tarde os estudos secundários e na sua passagem pela Marinha esteve num submarino e fez cursos de mergulho. Passados quatro anos, saiu e optou por uma vida nómada, com o seu fato de mergulho sempre na moto, a percorrer o país à procura de trabalho, nomeadamente em obras subaquáticas.
Em seguida, viajou para a Escócia, onde queria melhorar o inglês, e continuou a trabalhar como mergulhador. Mas os invernos lá eram muito frios e foi à procura do calor que chegou a Singapura. Passou três anos e meio em barcos pela Ásia, a fazer parte de equipas de mergulho em trabalhos que podiam durar desde uma semana a três meses. Cansado de viajar, instalou-se no norte de Tailândia, em Chiang Mai. Agora, a sua base está em Banguecoque, a capital a partir da qual viaja para os distintos projetos em plataformas petrolíferas em que trabalha.
Como entrou para a equipa de mergulhadores que procuraram os miúdos na gruta de Tham Luang?
Tinha voltado de um trabalho e ouvi o que tinha acontecido na gruta. Mas pensei que estava totalmente controlado pela Marinha da Tailândia. Era o dia 30 de junho. Às 23.00 recebi um e-mail de um colega tailandês, um ex-navy seal, em que me diz que estavam à procura de mergulhadores. Procurei voos e o primeiro que encontrei era para as 06:30 da manhã. Lá fui eu. E trataram-me muito bem, era mais um deles.
Não havia tempo a perder...
Foi incrível a coordenação de todos. É certo que no início havia mais desorganização, chegaram quase cem mergulhadores de diferentes proveniências. Mas conseguiram organizar o trabalho de forma muito rápida e houve participação voluntária de muitas pessoas. Nós dormíamos numa quinta que os donos emprestaram à equipa de resgate.
Qual foi o seu primeiro trabalho na gruta?
Eu estava sob as ordens dos ex-navy seals e fui para a câmara 3. A nossa missão era instalar o cabo-guia. A equipa seguinte a entrar foi a dos britânicos, especialistas em grutas, com muita experiência, que iam com mais ar. A sua missão era chegar o mais longe possível e garantir que tinham ar para o regresso. Estivemos à espera durante cinco horas e quando chegaram deram-nos a boa notícia.
Confiava em encontrar com vida aos rapazes e o treinador?
Pensei que havia 50% de possibilidades. Tentamos sempre ter fé, mas devemos estar preparados para tudo.
Houve uma explosão de alegria...
Sentimos muita alegria, sim, mas controlada. Estavam vivos mas era preciso tirá-los de lá. O importante, primeiro, era saber como estavam. Havia muitas perguntas por responder. E foi transmitido tudo por rádio em circuito interno para a equipa de fora.
Então surgiu um imprevisto que o obrigou a abandonar a gruta um dia...
Sim. No meio da confusão toda lembrei-me de que caducava o meu visto e tive de ir urgentemente tratar disso para não ter problemas futuros com o trabalho.
Quando estava fora soube da notícia da morte do mergulhador Samam Kunan...
Foi muito difícil para todos mas fizemos um esforço para deixar os pensamentos negativos de lado. Ficámos preocupados com a sua mulher, que ficou viúva, vai ficar sem nada e queremos ajudá-la entre todos.
Chega o momento de decidir o resgate...
Houve dois dias em que não sabíamos o que se ia passar. A ideia era tirar os miúdos a mergulhar mas não se sabia como. Existiam muitas incógnitas porque nunca se tinha feito algo assim. E não podíamos garantir que fossem sair com vida. Realizou-se um estudo rápido da zona, à procura de uma chaminé. Mas estava a chover e sabíamos que se as bombas se partissem a gruta iria inundar rapidamente.
Esteve em contacto com os miúdos dentro da gruta?
Não. Quando Samam morreu decidiu-se que só os navy seals no ativo e os mergulhadores de gruta poderiam ir até onde estavam os rapazes para levar comida, roupas, oxigénio e cuidados médicos.
Sentiu medo?
Não. Senti muito respeito. Era um ambiente novo para mim e era preciso estar muito concentrado no resgate, estar atento onde punha os pés. A última coisa que queria era ser um problema para o resgate O objetivo de cada um era ajudar da melhor forma possível. Debaixo da água não conseguias ver nada.
Como coordenaram os trabalhos de resgate?
Cada um levava a lição bem estudada. Eu estava com os ex-navy seals na câmara 2. Não era preciso mergulhar mas estavam muitas rochas soltas e havia desníveis. É um cenário onde não queres arriscar. Estávamos quase 20 pessoas e quando chegaram as macas fomos muito rápidos.
O que pensava quando passavam os miúdos junto de si?
Sabia que estavam bem mas, mesmo assim, confirmava se estavam a respirar. Sentia que estavam relaxados e ficava contente por saber que iam de caminho a casa.
E foi assim até o último ser retirado...
Nessa altura senti um grande alívio e alegria. A operação estava completa. Só faltava esperar pelos quatro navy seals que ainda estavam lá dentro e o filme chegava ao fim. Partiu-se uma bomba e tivemos de evacuar rapidamente a zona. Os reguladores já estavam guardados e não podíamos utilizar as bombas de oxigénio. Felizmente não aconteceu nada de mal mas o último a sair sofreu bastante.
Foram retirando do mais forte para o mais fraco...
Sim, foi a decisão dos chefes tailandeses. As opções têm a sua lógica. O último a sair foi o treinador.
Voltou agora a Banguecoque. Gostava de encontrar os jovens que ajudou a salvar?
Sim. Seria um momento muito especial. Gostaria de abraçá-los e dizer-lhes que estou muito feliz por estarem vivos. Que devem saber que tiveram muita sorte.
Agora vai receber a Cruz de Ouro do Mérito Civil do governo espanhol. Sente-se honrado?
É uma honra, mas o que fiz foi um trabalho voluntário, como tantos outros que se fazem no mundo todo. Por isso vai ser um galardão que quero partilhar. Neste caso foi mediático e foi por acaso que o meu nome chegou à imprensa. Enquanto estive lá, só quis esclarecer através do Facebook que era um mergulhador voluntário e não da equipa de especialistas em grutas, como foi publicado no início.
Em Madrid