Mercado de transferências políticas (Episódio 32)
Quando chegou a última hora da silly season - às 24.00 de 31 de agosto, como se sabe, fechou o mercado das transferências - foi uma emoção no campeonato político português. Trocas de camisolas, contratos falsos ou verdadeiros, alguns assinados e muitas desilusões. A mais bombástica notícia veio do clube da primeira circular de Lisboa (a Praça do Município). Depois de Santana Lopes ter mostrado desinteresse por um convite por quatro épocas, o comentador da TVI Marques Mendes (do programa Mais Transferências) garantiu Assunção Cristas como nova aquisição dos alfacinhas. A ideia era rodar a atleta no campeonato municipal para a lançar no outono de 2017, no campeonato de São Bento.
A informação suscitou algumas dúvidas. O passe de Cristas estava nas mãos do CDS e tinha sido adquirido à PAF, um fundo de investimento de políticos, entretanto falido. Ora o CDS, para rentabilizar a atleta, quis juntar o PSD na proposta, um partido que não admirava particularmente o estilo de jogo de Cristas. Interessado também no negócio estava um fundo sediado em Belém, tido próximo de Marcelo Rebelo de Sousa, o Jorge Mendes da política portuguesa. Em todo o caso, mesmo que o negócio fosse efetuado, nada garantia que Cristas viesse a jogar, pois a sua posição estava tapada por Fernando Medina, o preferido do atual treinador de São Bento.
De notar que estas hesitações em Lisboa não aconteceram no Porto, onde o Rafa das autarquias, o armador de jogo Rui Moreira, era requestado pelos três grandes (CDS, PS e PSD). E - ainda melhor do que o ex-bracarense! - Rui Moreira podia vir a alinhar por todos... O sucesso desse Rui causou alguma mágoa em outro Rui local (o Rio, não o Reininho, nem o Veloso), que até àquela altura da corrida política só tinha garantido o apoio de um clube do meio da tabela, o circuito da Boavista.
Entretanto, houve grande desilusão no BE e no PCP, por não terem os encaixes financeiros esperados. A dupla da ala esquerda, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, já não saía para clubes estrangeiros. Tinham sido dados como certos, respetivamente, no Zenit de São Petersburgo e no Panathinaikos de Atenas. Porém, Jerónimo não assinou porque, da velha guarda, preferia o Spartak de Moscovo. Quanto a Catarina, torceu o nariz à tática atual dos gregos por afunilarem demasiado e jogarem pouco pelo lado que ela mais gostava.
Durante o defeso, dois estrategos do BE, os professores José Manuel Pureza e Francisco Louçã proferiram declarações de efeito desastroso para o clube deles no mercado das transferências. O primeiro disse: "Em muitas circunstâncias vamos ter de desobedecer a Bruxelas." Ora, Bruxelas era para a política o que Berna era para a UEFA, a sede onde tudo se decidia. Por seu lado, Louçã disse: "A União Europeia é um projeto falhado." Ora, a UE era a UEFA, embora não tão importante. Resultado, nenhum partido europeu, até à hora do fecho das transferências, quis contratar um bloquista. Até o mercado inglês lhes foi vedado. Apesar do brexit, José Mourinho não queria com ele uma Mariana Mortágua, armada em médica do Chelsea de má memória, a contestar--lhe as táticas.
Nem tudo, porém, tinha sido más notícias nas vendas para o estrangeiro. Paulo Portas trocara o ser ideólogo, como Jorge Jesus, para se tornar um Bruno de Carvalho a transformar tudo o que tocava em milhões. Portas lá andava pelos campeonatos mexicanos que escolhera: era como se o Messi tivesse assinado pelo Guangzhou Evergrande. Na esteira de outros peseteros nacionais, Durão Barroso, que por cá andou (em jovem, foi extremo), e os eternos centrais António Vitorino e Jorge Coelho, que seguiam a tabela classificativa das suas equipas no PSI-20. Entretanto, A Bola e o Mais Futebol seguiam atentos cada desafio de outra estrela nacional, António Guterres, particularmente frágil quando jogava com equipas femininas. Ele esperava a supercontratação na ONU - clube que por estar sediado em outro hemisfério fechava o mercado de transferências só no outono.
Entretanto, o mercado interno vivia sobretudo de boatos. Os comentadores desse desporto chamado política adoravam as mudanças de camisola. As idas às universidades de verão alheias eram vasculhadas à lupa. As palavras de Jaime Gama a jovens sociais-democratas dizendo coisas óbvias - como ser-se europeísta, entre socialistas e sociais-democratas - eram treslidas. Era como os sportinguistas, há meses, desconfiados com Carrillo. A verdade é que este agora era encarnado e Gama, até ao fecho das transferências, continua vermelho, embora suave.
Assinale-se, ainda, que André Silva, o único deputado com nome de futebolista (tirando, talvez, António Eusébio, deputado socialista algarvio), continuava a alinhar no PAN.
Continua amanhã. Leia os episódios anteriores do Folhetim de Verão:
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