Mentir em tribunal sem sanção penal

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Se está habituado a ver nos filmes americanos o arguido a ser perguntado se "jura dizer a verdade, só a verdade, e nada mais que a verdade assim Deus o ajude?", e o suspeito a responder "sim", nos tribunais portugueses esta situação é impossível. O arguido não beneficia directamente de um "direito à mentira", mas também não está obrigado a dizer a verdade em tribunal. Por isso, Carlos Silvino, "Bibi", apesar de agora confessar ter mentido durante o julgamento, não poderá sofrer qualquer sanção penal.

Na justiça portuguesa, apenas as pessoas ouvidas como testemunhas estão obrigadas a dizer a verdade. E, caso se verifique que mentiram, poderão ser alvo de um processo por falsas declarações. Já o arguidos apenas estão obrigados por lei a responder com verdade quanto à sua identificação e antecedentes criminais. Como explicou ao DN o juiz José Mouraz Lopes, os arguidos "não estão obrigados a dizer a verdade, o que não quer dizer que tenham o direito a mentir". Isto é, o arguido pode dizer o que bem entender em sua defesa, mesmo responsabilizando co-arguidos, mas "depois caberá ao tribunal avaliar a credibilidades das suas declarações".

Opinião idêntica foi transmitida ao DN pelo advogado António Pragal Colaço, conhecido no meio judiciário como um crítico quanto à margem de manobra de que beneficiam os arguidos no sistema penal. "A nossas leis constitucional e penal permitem que um arguido tenha o direito a mentir quantas vezes quiser, podendo mudar o seu depoimento quantas vezes lhe apetecer e a remeter-se ao silêncio quantas vezes lhe aprouver", começou por declarar ao DN o advogado. Concluindo: "Tudo isto conjugado, faz com que as declarações que devem ser menos levadas em conta para condenar alguém são as dos co- -arguidos. Por isso, é que a lei penal tem um válvula de segurança, que é a apreciação da prova pela livre convicção do julgador."

Em 2008, o Supremo Tribunal de Justiça clarificou assim o problema: "Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de direito." Em português simples, tal como consta do site da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), na lei portuguesa "o arguido apenas está obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe forem colocadas quanto à sua identificação pessoal; quanto ao mais, o arguido pode remeter-se ao silêncio e até faltar à verdade sem qualquer sanção legal".

Ora, tal como o DN tem vindo a descrever nos últimos dias, durante os sete anos de processo da Casa Pia, os depoimentos de Carlos Silvino têm sofrido oscilações. Mas, para a actual fase do caso, os recursos no Tribunal da Relação de Lisboa, o que conta são as declarações do ex-motorista da Casa Pia prestadas em tribunal. E para o colectivo que julgou o processo da Casa Pia - os juízes Ana Peres, Lopes Barata e Ester Santos - "Bibi" não foi determinante para as condenações, mas foi importante, já que, em alguns casos, ajudou a consolidar as declarações das vítimas em relação a alguns dos co- -arguidos do processo.

Entretanto, Carlos Tomás, o jornalista que assinou a entrevista a Carlos Silvino, afirmou ontem na sua página do Facebook que já renovou a carteira profissional e diz- -se alvo de calúnias ao ser acusado de tentar aliciar vítimas para agora mudarem a sua versão.

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