Mensalão, consolidação democrática e lulismo
O ano de 2012 no Brasil termina com a democracia e a justiça fortalecidas. A ação penal 470, conhecida como "mensalão" - o maior julgamento do Brasil, foi conduzido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e levará diversos membros da antiga cúpula do PT (Partido dos Trabalhadores) para a cadeia. As condenações são um marco para a democracia, para a justiça e para duas histórias que se confundem: a do PT e do seu antigo líder e fundador, o ex-presidente Lula da Silva.
Para sustentar a primeira presidência de Lula, em 2002, o PT organizou um esquema de compra de votos de parlamentares. O Congresso foi terreno fértil para que o esquema desse frutos. O "mensalão" tinha três núcleos: o político, chefiado pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu - condenado a 10 anos de prisão; o operacional, pelo empresário Marcos Valério - condenado a mais de 40 anos; e o financeiro, sustentado pelo Banco Rural e seus executivos - também condenados. Milhões de reais circularam por uma teia complexa.
A dimensão do "mensalão" jamais poderia mantê-lo invisível aos olhos da justiça. A "delação premiada" fez que Valério acusasse Lula de conhecer o esquema e também envolvesse Miguel Horta e Costa, ex-presidente da Portugal Telecom. A Presidente Dilma Rousseff, com altos índices de popularidade, saiu em defesa do antecessor e padrinho político.
Se situarmos na história o julgamento como um marco da consolidação democrática, e regressarmos ao processo de redemocratização do país, notaremos que Lula foi figura constante na política brasileira. A redemocratização surge com o retorno do poder civil em 1985, com a aprovação de uma nova Constituição em 1988 e com a realização de eleições diretas para presidente em 1989. Lula disputou todas as eleições para presidente desde então, perdendo três (1989, 1994 e 1998) e vencendo duas (2002 e 2006). Nas últimas não pôde candidatar-se, mas elegeu Dilma Rousseff, como é possível que volte a fazer no futuro.
Lula e o PT habitam contextos políticos aparentemente incompatíveis: os anos de "mensalão" e a consolidação democrática. O "lulismo", enquanto fenómeno político apartidário, um tipo de "poder simbólico", ao mesmo tempo que explica a contradição surge como possibilidade de se fazer política e alcançar o poder sem ideologia.
Números do processo
O maior processo do STF: foram sete anos, desde a delação até ao julgamento; 12 juízes; 37 réus - 25 condenados; 50 advogados de defesa; 50 mil páginas processuais; mais de 600 testemunhas ouvidas em 42 cidades; 5 partidos e 14 políticos envolvidos; mais de 4 meses de julgamento divididos em 53 sessões; penas de prisão que oscilam entre 40 e 3 anos.
Novo presidente do Supremo
O ministro Joaquim Barbosa foi o primeiro negro a presidir o STF. Indicado pelo então presidente Lula, em 2003, Barbosa foi elogiado por sectores da sociedade por sua independência no julgamento do "mensalão", tendo proposto duras condenações a afetos de Lula. O El País, em edição recente, inclui o nome de Barbosa na lista de líderes iberoamericanos de 2012.
* Jornalista 'freelance' brasileiro