Menos sol, melhor sol
Na sua apresentação disse que 95 por cento dos doentes com cancro de pele não melanoma não estão a ser tratados. Porque é que isso acontece?
_Bruxelas convidou-me para estudar o cancro não melanoma na Europa. Foi o que fizemos. O estudo durou mais de três anos em países europeus e concluímos que este tipo de cancro é trinta por cento mais frequente do que pensávamos: nos últimos vinte anos tem havido um aumento de cinco a sete por cento de casos por ano em países europeus. O cancro não melanoma é totalmente desconhecido na Europa e o estádio inicial, a que chamamos de queratose actínica e que pode ser tratado sem cirurgia, é ainda menos conhecido. É por estas razões que só cinco por cento dos casos estão a ser tratados.
Porque há um aumento deste tipo de cancro na Europa?
_Porque não estamos a tratar a queratose actínica.
Trata-se de uma nova descoberta na área do cancro não melanoma?
_Nem por isso. A queratose actínica é uma velha história, mas no passado não era reconhecida como estado inicial de cancro, talvez porque havia demasiados pacientes a sofrer do problema e as seguradoras não queriam tocar no problema. Trata-se de uma doença crónica e os doentes têm de ser tratados e retratados durante toda a vida.
Como ocorre a doença?
_Quando temos alguém diante de nós com o problema significa automaticamente que a pessoa apanhou demasiado sol durante a sua vida, ou seja, o seu banco de UV encheu, acabou. E isto significa que todos os outros cancros de pele relacionados com a luz UV estão potencialmente aumentados. Ainda que a queratose actínica não seja a fase inicial de um melanoma, é o início do cancro espinocelular. E é um sinal biológico de que este doente está em risco elevado.
Quando fala em conta ou banco, significa que o nosso corpo tem um limite para os raios UV? Porque é que as pessoas não sabem? É a primeira vez que oiço falar disso.
Sim, digamos que é um limite. No estudo que fizemos também percebemos que em determinadas sociedades, como a inglesa, as pessoas acham que têm de apanhar uma insolação para ficar bronzeadas. É inacreditável, mas isto explica o número de queimaduras solares entre os ingleses. A queimadura solar é sinal de que apanhámos sol a mais e excedemos o uso da nossa conta. Isto é uma das razões para vermos, em Inglaterra, um aumento de dez por cento de cancros de pele não melanoma.
Durante a conferência referiu que a Dinamarca está no topo da lista dos países com mais casos de cancro de pele. Há razões para haver sociedades ou culturas mais afetadas do que outras?
_Depende sempre do tipo de pele e do comportamento para com o sol. A Dinamarca está no topo da lista porque lá não há verões longos, quando olhamos para o comportamentos dos dinamarqueses percebemos que muitos deles recorrem aos solários. E muitos deles despendem vários meses de férias ou passam a viver em países europeus do Sul, zonas onde normalmente não deveriam ir devido ao seu tipo de pele. Na Austrália, por exemplo, há cinquenta por cento mais incidência de cancro de pele do que na Europa, mas nunca entre os aborígenes. O que aconteceu foi que a população do Norte da Europa, da Irlanda do Norte, foi levada para viver na Austrália, uma zona do globo com muito sol. E assim começou um problema. Ou seja, transferiu-se um determinado tipo de pele para uma zona onde esse tipo não deveria estar. Quando dou entrevistas na Austrália, perguntam-me sempre sobre a camada do ozono, mas o problema não é esse. Quando um aborígene desenvolver cancro de pele, aí podemos pensar na camada do ozono.
O aumento generalizado na Europa também afeta as crianças?
_O cancro de pele nas crianças é raro, mas sabemos que quando há queimaduras de sol em idades prematuras o risco de cancro de pele aumenta na idade adulta, porque começa-se a gastar a conta prematuramente. Digamos que tenho 5 anos tenho pele clara e começo já a encher mais a minha conta. Vinte e cinco anos depois terei a conta cheia, aos 30 ou 35. E é precisamente isso que verificamos hoje. Os doentes com cancro de pele não melanoma são cada vez mais jovens. No passado, eram pescadores ou agricultores de idade avançada, agora são cada vez mais novos. Tenho muitos pacientes com menos de 40 anos com este cancro.
Que riscos ou fatores podem levar à queratose actínica?
_Por definição, é uma doença que ocorre somente em zonas da pele expostas ao sol...
Excessivamente expostas ao sol?
_Não necessariamente. Pode acontecer por acumulação de exposição ao sol e também depende do tipo de pele. Eu tenho um tipo de pele clara e isto significa que a minha conta de UV estará cheia ao fim de vinte ou 25 anos. A conta das pessoas com pele mais escura deverá encher-se ao fim de 35 ou quarenta de exposição ao sol. Portanto, a exposição crónica ao sol é o primeiro fator a considerar.
E os fatores genéticos são importantes?
_Sim, o tipo de pele. As peles mais claras têm um risco agravado porque o banco de UV enche mais rapidamente. Pessoas que trabalham ao ar livre e estão expostas ao sol de forma crónica correm maior risco de ter a doença. _Sempre que os raios UV nos tocam, há risco. Isto não significa que apanhar sol não é bom. O sol é muito bom e precisamos dele para produzir vitamina D, entre outras coisas, mas devemos manter-nos afastados dele entre as 11h00 e as 15h00. Se fizermos isto evitamos 75 por cento dos raios UV daquele dia. E isto é ótimo. E se usarmos um bom protetor solar, óculos, roupa e chapéu podemos andar na rua fora deste período sem qualquer problema.
Basta sermos razoáveis na forma como usamos o sol para se evitar o cancro de pele...
_Exatamente. Suponhamos que existe um aumento do número de casos de cancro do fígado na Europa. Não podemos meter o nosso fígado em cima da mesa e analisá-lo de forma a perceber se tem algum problema ou se podemos protegê-lo. Mas quanto à nossa pele é diferente, porque podemos protegê-la facilmente. Existe um aumento do número de cancros de pele na Europa, mas este problema demora anos, não é uma doença que se manifeste severamente em poucos meses.
A queratose actínica é uma lesão muito subtil na pele. Como é que as pessoas a podem identificá-la?
_Não é complicado de identificar. As lesões surgem em zonas que estiveram expostas ao sol, como por exemplo a cabeça, e a sensação é de que a pele está áspera e essa sensação não passa. A pele nessa zona não está macia, não está normal, e a pessoa não se consegue livrar da aspereza. Numa fase muito inicial essa aspereza é média mas em estádios avançados torna-se severa e aqui desenvolve-se a queratose actínica II.
Dói?
_Não, infelizmente não. Praticamente nenhum cancro de pele dói.
A doença surge somente numa zona da pele?
_Surge nas zonas que apanharam sol de uma forma regular como as mãos, a cabeça, o pescoço, a cara. Raramente temos só as mãos ou a cara expostas à luz. É comum surgir em diferentes zonas que apanharam sol.
É possível prevenir o cancro?
_Sou presidente da European Skin Cancer Foundation e um dos meus projetos mais famosos é o dos jardins infantis. Estamos a educar as crianças e as pessoas que trabalham nos infantários relativamente à exposição aos raios ultravioleta. Esperemos que esta abordagem tenha resultados. Estamos a trabalhar com o objetivo de chegar aos mil infantários em 2013 e depois aos cinco mil infantários na Alemanha. Se resultar, pleneamos ir para outros países.
Que tipo de programa de prevenção implementam?
_Vamos ao infantário A e observamos o comportamento deles neste momento relativamente à exposição ao sol. Se usam protetor solar, quanto tempo passam ao ar livre entre as 11h00 e as 15h00, se têm sombras para brincar ou não, se usam chapéu quando brincam fora do edifício. Educamo-los quanto ao uso do sol e três meses depois voltamos para verificar se alteraram os comportamentos. É um processo bastante fácil de pesquisar e comparamos o início e a fase final para vermos se houve melhorias. É claro que na maioria dos casos há grandes melhorias.
Em Portugal temos bastante sol durante o ano e muitos portugueses acham que o sol não lhes faz mal porque têm a pele morena e estão habitados a ele. É comum irmos para a praia ao meio-dia e levarmos crianças a essa hora, muitas vezes sem sombra. Como é que se consciencializa a população quando esta cultura do sol está tão enraizada?
_Hoje há um problema sério de cancro de pele na Dinamarca e na Alemanha porque os bancos de UV atingiram o limite dez ou 15 anos antes. O problema no vosso país está a começar a acontecer agora. Em Espanha, onde existe um tipo de pele semelhante ao dos portugueses, há um aumento enorme de casos de cancro de pele. Acontece mais tarde do que na Alemanha ou na Dinamarca porque o tipo de pele é diferente, mas está a começar a acontecer. Se considerarmos que as pessoas vão para a praia ao meio-dia, só posso dizer que é um comportamento errado. O comportamento certo é sempre o mesmo: usar um bom protetor todos os dias do ano, roupas leves, chapéu e óculos de sol que protejam contra os UVB e UVA e manterem-se longe do sol entre as 11h00 e as 15h00.
Mantermo-nos longe do sol significa fugir do sol a essas horas?
_Sim, evitá-lo mesmo. E é muito simples de perceber porquê, porque 75 por cento da exposição de raios UV acontece durante essas horas. Para evitar esses 75 por cento na nossa pele, o melhor que temos a fazer é evitar o sol. Quando olhamos para os países do Norte de África, ninguém sai à rua durante essas horas. Mantém-se dentro de casa.
O mesmo acontece, ou acontecia, no Sul de Portugal e de Espanha.
Exato, é a hora da siesta. Talvez consigamos convencer os leitores dizendo-lhes que a exposição ao sol os torna mais velhos mais depressa. Alguém que tenha exposição crónica ao sol fica com aspeto envelhecido, e se for fumador pior será. Na Austrália, fui convidado para ir a um programa de televisão em prime-time, com outros dois especialistas em cancro de pele, e tínhamos de adivinhar a idade das raparigas que nos puseram à frente. Estavam tapadas e só lhes víamos a pele do decote. Em média, errávamos por uma margem de 25 anos. Ou seja, dizíamos que ela deveria ter 65 anos quando na verdade era uma rapariga de 23. É com este tipo de exemplos que consciencializamos as jovens.