Menos de 80 mil "testes do pezinho" pela primeira vez em Portugal
António Maria nasceu em setembro, faz sábado quatro meses. Os pais queriam dar um irmão à Maria Francisca, que tem 3 anos. Ainda assim adiaram o seu nascimento um ano devido à pandemia, mas nunca esteve em causa ter um segundo filho. Pertencem ao grupo de famílias que viram aumentar o número de elementos no ano passado, mas que são muito menos do que em 2021. Realizaram-se 79 217 "testes do pezinho", menos 7,3 % do que em 2020, e já tinham diminuído em relação a 2019.
"Tanto o Pedro [marido] como eu queríamos dar um irmão à Maria Francisca, seria o melhor presente que lhe poderíamos dar, não pensámos em outras questões", começa por explicar Andreia Marques, 36 anos, licenciada em Relações Internacionais e Políticas Económicas. "Ela fez um ano em dezembro de 2019 e tínhamos pensado ter outra criança em 2020, mas no início do ano fomos para confinamento e a pandemia trouxe alguma indecisão, sabíamos muito pouco do que se iria passar. A partir do momento em que surgiram as vacinas e em que as coisas começaram a ficar mais esperançosas, resolvemos avançar", conta.
Mas os dados do Programa Nacional de Rastreio Neonatal , vulgarmente conhecidos por "teste do pezinho", indicam uma grande quebra da natalidade e que, pela primeira vez, Portugal desceu abaixo das 80 mil crianças num ano.
O rastreio é coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, tendo sido estudados 79 217 recém-nascidos. Menos 6239 diagnósticos em 2021 comparativamente a 2020. É uma quebra superior à que existiu no primeiro ano da pandemia (2020), menos 2,9 % diagnósticos do que em 2019, passou de 87 364 para 85 456.
O exame é realizado entre o terceiro e o sexto dias após o nascimento da criança, razão pela qual o seu total não é igual ao número de nascimentos num ano. No entanto, é um grande indicador. E, ao serem realizados pouco mais de 79 mil testes, poderá significar que Portugal pela primeira vez vai descer abaixo dos 80 mil bebés anuais. Em 2020, nasceram no país 84 426 crianças e, em 2019, 86 579, um número sempre inferior ao total do diagnóstico neonatal. Também haverá uma quebra do índice de fecundidade, que há dois anos era de 1,4 filhos por mulher em idade fértil.
As questões económicas, a habitação, nunca seriam um entrave para a Andreia e o Pedro (Neves, 39 anos, diretor de projeto) terem pelo menos dois filhos. Embora reconheça que têm boas condições financeiras. E moram em Cortes (Leiria), numa grande vivenda que, em 2018 custou o mesmo que um T2 na atualidade em Lisboa. Também a creche é mais acessível, mas ainda são 390 euros para o primeiro filho, num colégio privado.
"Claro que é importante termos boas condições, mas não é pelo facto de se ter uma casa mais pequena ou maior que se tem filhos ou não. Há coisas mais importantes quando se pensa em ter um filho", defende Andreia.
No seu caso, até havia a iminência de ficar sem emprego, o que se confirmou. Tinha um cargo de nomeação política numa autarquia do concelho, cujo autarca não se recandidatou. Vai estar de licença de maternidade até fevereiro, mês em que inicia um novo projeto. Em Portugal, os pais têm direito a cinco meses de licença pagos a 100%, mais dois a 83% e mais três (licença alargada) a 25%.
O António Maria vai em fevereiro para o colégio, o mesmo onde anda a irmã. E um terceiro filho? Responde a mãe: "Gostávamos de ter mais crianças , mas depende de como as coisas vão evoluir, não vou negar que é um grande esforço financeiro mantê-los no colégio, vamos ver. Agora, é para usufruir do António e da Maria Francisca. Mas ter mais filhos não é uma porta fechada."
Andreia ouve os dados da redução da taxa de natalidade no país e conta que, no seu núcleo de amigos, há vários casais que já vão no segundo filho e também já há com três. "Ainda nos vamos aventurando", comenta. Considera que é difícil para uma mulher conciliar a maternidade com a carreira, o que faz que se adie esse momento e poderá ser essa a razão da quebra de natalidade. "Se me perguntassem, gostava de ter filhos mais nova? Eu nasci quando a minha mãe ainda estava na faculdade mas tive o primeiro filho aos 33 anos. Houve uma série de dificuldades para que assim fosse. Hoje em dia, o papel da mulher na sociedade, a profissão, faz que se vá adiando a maternidade", explica Andreia Marques.
O maior número de bebés rastreados verificou-se nas duas grandes capitais de distrito do país: Lisboa com 23 494 rastreios e Porto, com 14 736. Seguem-se Setúbal (5 919) e Braga (5833). Em sentido contrário estão os distritos do interior do país, com Bragança a registar apenas 513 testes. Portalegre (584) e Guarda (645) completam a lista dos três distritos com menos recém-nascidos estudados.
O "teste do pezinho" realiza-se desde 1979, com o objetivo detetar doenças graves