Menores retirados à família para sua protecção são agredidos em lar
Manuel, de seis anos, e António, 11 anos, foram retirados de emergência aos pais pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa, que decretou a medida de acolhimento temporário em instituição. Motivo: risco para os menores devido a negligência parental, principalmente no que respeitava à alimentação. Aquilo que poderia ser um alerta para os progenitores e uma salvaguarda para os dois irmãos acabou por se transformar num risco maior: foram transferidos para um lar que acolhe crianças e jovens dos seis aos 18 anos, a 160 quilómetros da sua residência em Lisboa, no qual se registaram agressões dos mais velhos sem que as educadoras se apercebessem.
António foi pontapeado e esmurrado e, perante queixa na GNR por parte dos pais e nova exposição ao tribunal, com fotografias dos ferimentos, este decidiu fazê-los regressar ao Centro de Acolhimento Temporário de Oeiras e promover a aproximação familiar. Durante quatro meses e meio, de Fevereiro a Junho, os menores mudaram três vezes de escola, acabando por regressar ao ponto de partida "sem que sejam perceptíveis os benefícios e argumentos ", como refere a advogada dos pais, Ana Maria Lopes.
O tribunal invoca mesmo, num despacho datado de 27 de Junho, indícios de que os menores poderão ter sido vítimas de maus tratos físicos e psicológicos na instituição onde estavam acolhidos, por parte de educadores e colegas. No Lar "Casa da Criança do Olival", Obra do Frei Gil, Vila Nova de Ourém, decorre entretanto procedimento disciplinar contra uma das educadoras, por negligência. Segundo o advogado da instituição, Luís Coimbra, "foi tudo muito célere e está a seguir os procedimentos normais".
Foi assim necessário um caso comprovado de agressões para que o Tribunal de Família e Menores (TFM) se apercebesse de que o afastamento dos menores do seu local de residência e da sua família era, afinal, desaconselhável aos seus interesses, como justifica o juiz no despacho - fora o mesmo TFM que autorizara a transferência das crianças para tão longe. E, apesar de a situação não se ter alterado - as assistentes sociais ainda não entregaram novo relatório sobre o caso -, é a mesma instância que aconselha agora a manutenção de estreitos contactos com os pais, com vista à reintegração familiar. Pormenor que não estava presente nas primeiras deliberações.
De Oeiras para Ourém
Depois de retirados aos pais a 15 de Fevereiro, os menores foram levados para o Centro de Acolhimento de Emergência de Oeiras, destinado a internamentos de curta duração, onde ficam até ao dia 28 . Podem ser visitados uma vez por semana. Os pais e a advogada escrevem requerimentos ao tribunal e exposições ao Provedor de Justiça. Apresentam declarações de capacidade parental de vizinhos, amigos e do seu farmacêutico. Casam no dia 21 tal como previsto, manifestando ao TFM a sua tristeza por os filhos não terem sido autorizados a comparecer. O pai faz uma avaliação psiquiátrica para atestar mais uma vez as suas capacidades. Não obtém resposta.
O único papel que chega à morada dos pais, na zona de Santa Catarina, é um despacho de 20 de Março que os notifica da transferência de Manuel e António para a "Casa da Criança do Olival", em Vila Nova de Ourém - provavelmente porque não havia vaga mais perto. A instituição tem 40 menores, entre os seis e os 18 anos, e fica a 160 quilómetros de distância.
Sem capacidade económica para empreender a viagem semanal, Mário e Francisca só conseguem ver os filhos graças à ajuda de amigos.
Murro, pontapé e reclusão
Na visita do dia 20 de Maio, Mário e Francisca constataram que Manuel apresentava cortes das orelhas, "que indiciavam puxões", e António hematomas em toda a zona esquerda da face, incluindo o olho.
Segundo relataram ao tribunal - e foi confirmado pelo próprio processo de averiguação interna do lar -, António estava fechado numa sala de arrumações, no vão das escada, de castigo. Quando o foram buscar, tinha a cara coberta de pomada e a monitora de serviço alegou tratar-se de uma alergia na vista. Os pais fizeram queixa à GNR de Ourém e os menores foram submetidos a exame médico, que comprovou sem margem para dúvidas que o filho mais velho tinha sido agredido.
O autor dos "murros e pontapé na cara" terá sido um rapaz de 18 anos, também internado na Casa da Criança do Olival. Segundo a resposta da directora técnica do lar ao tribunal, Cláudia Mendes, a agressão teve como único motivo o facto de António ter des- travado e batido com uma carrinha que estava a limpar, acção que o levou a ser encerrado na tal sala após ter sido sovado.
A funcionária que estava a tomar conta das crianças garante não se ter apercebido de nada - estava ao telefone -, exigindo ao alegado agressor que retirasse António da sala. Quando lhe perguntou o que tinha na cara, alega, este disse ser "uma alergia ao pó e ao escuro", e ela acreditou - tal como as duas monitoras que estiveram mais tarde com o menor.
Na sua exposição, a directora técnica refere que a primeira funcionária "não executou de forma correcta os procedimentos da instituição, comprometendo o bom funcionamento da mesma". Deveria ter sido ela a retirar o menor do vão das escadas. "Não realizou o seu trabalho como devia e foi negligente em algumas situações" - mas não conivente com o alegado agressor, sublinha.
O regresso
Francisca vai ser ouvida no âmbito da queixa que fez à GNR em breve. E também pelo Tribunal de Família e Menores, em relação ao processo de promoção e protecção. Entretanto, já reconquistou o direito a trazer os filhos para casa ao fim de semana, mas só durante o dia: têm de pernoitar no centro de Oeiras, para onde regressaram entretanto por ordem do tribunal.
"Foram os maus tratos em Ourém que levaram a esta decisão", sublinha a advogada dos pais, o que não deixa de ser "irónico". O relatório das assistentes sociais deverá estar pronto em Agosto, e só então se saberá do destino próximo de Manuel e António.