Memórias de um "comunicador acidental"
Foi em 1986, quando tinha 31 anos. Nessa altura Luís Paixão Martins, jornalista de agência e de rádio, fartou-se de ver a sua carreira andar aos altos e baixos em função dos governos que entravam e saíam. A informação de agência ou de rádio (e a da televisão) era então quase toda pública. Os governos, assim que entravam em funções, entretinham-se a mudar chefias, adequando-as aos seus gostos. O jornalista decidiu então mudar de vida: de jornalista passou a consultor de comunicação. Vulgo: assessor de imprensa. Aos 61 anos, decidiu afastar-se. A LPM Comunicação tornou-se uma das maiores consultoras de comunicação da Península Ibérica, fatura à volta de 12 milhões de euros por ano. Catarina Vasconcelos ficou diretora-geral; o "pressionante" João Paixão, seu filho, é uma das figuras no topo da hierarquia da empresa.
Tinha Tudo para Correr Mal - Memórias de Um Comunicador Acidental é o título do livro (da Chiado Editora) em que partilha a sua experiência - ou pelo menos o que dela pode partilhar. No princípio, quando quase não havia consultadoria de comunicação em Portugal, os seus principais clientes eram empresas. Depois o universo foi crescendo para a política - a candidatura de Sócrates em 2005, a de Cavaco Silva em 2006, ambas vencedoras, além de várias candidaturas autárquicas - e até chegou a ter um clube de futebol na sua carteira de clientes, o Futebol Clube do Porto.
Aqui o desafio, assume no livro, foi fazer contravapor a todo o spin adverso para o clube e para o seu líder, Jorge Nuno Pinto da Costa, que estava a ser feito por uma sua ex-namorada, Carolina Salgado. O pano de fundo era o processo Apito Dourado, que deixava de rastos a reputação do clube.
O que Luís Paixão Martins não sabia mas depois lhe disseram é que Carolina Duarte tinha uma irmã gémea disposta a dizer das boas. Primeiro avaliou a "solidez das suas declarações". Depois convenceu um diretor de uma televisão da importância de uma entrevista. Mas para evitar fugas de informação não disse nem sítio nem hora.
Escolheu um hotel de Guimarães, reservou o salão principal, telefonou à equipa de televisão, tudo em cima da hora - e depois, enquanto a entrevista decorria, ficou à porta, pedindo gentilmente aos hóspedes que se pusessem dali para fora, de preferência sem fazer barulho, pois que o espaço estava ocupado "com um programa de televisão". E correu tudo muito bem.
O pior veio depois. Paixão Martins conta no seu livro que este caso lhe permitiu descobrir "os poderes ocultos que estão presentes na nossa sociedade, apesar dos mecanismos democráticos e da tão proclamada transparência das instituições". É chamado a provar movi- mentos bancários perante agentes da PJ e funcionários dos impostos. Com ironia remata: "Nada de preocupante. Era pura coincidência temporal. Coisas que estão sempre a acontecer."
O tempo da internet
Numa conversa com o DN, Paixão Martins explica a principal diferença entre a consultadoria para políticos ou a consultadoria para empresas. É simples: na primeira há fugas de informação por todos os lados, os jornalistas acedem diretamente aos políticos muitas vezes sem intermediários, a informação é difícil de controlar. Nas empresas nada disso se passa. São estruturas verticais e completamente hierarquizadas em que só o chefe fala - ou alguém por ele mandatado (os consultores, precisamente). Aos jornalistas não resta a maior parte das vezes outro remédio senão retransmitir o que lhes é comunicado, de "chave na mão". E quem manda na comunicação das empresas muitas vezes nem é o consultor contratado. São, isso sim, os advogados. Os consultores trabalham dentro das balizas determinadas por estes, sobretudo em empresas cotadas em bolsa, sujeitas a fortes limitações legais na divulgação dos seus negócios. A lista de clientes atuais da LPM inclui empresas como a Coca-Cola ou a empresária multimilionária angolana Isabel dos Santos.
Com o tempo - e o aparecimento da internet e a crescente influência das redes sociais - a consultadoria de comunicação foi tendo cada vez mais que fazer. Criaram-se, por exemplo, empresas de online reputation managers. Tradução: são aquelas em que profissionais da consultadoria de comunicação tratam dos sites e das redes sociais dos respetivos clientes.
Cavaco e Sócrates, clientes vip
Na política, Paixão Martins sublinha como clientes principais Sócrates e Cavaco. Um dia, em 2005, Jorge Coelho, o antigo todo-poderoso chefe do aparelho socialista, abordou-o para uma possível colaboração com uma eventual candidatura presidencial de António Guterres. O consultor disse que tinha muita pena mas não podia ser - ia trabalhar com Cavaco Silva, com quem tinha uma relação antiga. "Tinha de elaborar cenários, narrativas e conteúdos", contou no livro. O método era "muito estimulante": só sabia que as suas propostas tinham sido bem recebidas quando "estavam no ar" - "nunca havia um feedback positivo prévio". Sócrates, em 2005, venceu com maioria absoluta - e no ano seguinte Cavaco Silva tornou--se Presidente da República logo à primeira volta.
No caso de Sócrates, a consultadoria de comunicação implicou lidar com o rumor de que o então líder socialista era homossexual. As redes sociais ainda não existiam - só os blogues, hoje quase em desuso - e o rumor não cresceu "porque prevaleceu a ética dos jornalistas". Mais tarde, falando com Santana Lopes - o adversário de Sócrates nessas legislativas - percebeu que "as campanhas podem ganhar dinâmicas próprias que as afastam da vontade e dos princípios dos próprios candidatos" (Santana, no caso).
Hoje, afastado voluntariamente da empresa que criou em 1986, Paixão Martins dedica o seu tempo à construção em Sintra de um News Museum, ou seja, um museu do jornalismo. Também dedica muito tempo à promoção turística de Lisboa - uma paixão pessoal. A outra é o Sporting. Durante a conversa com o DN num hotel da capital o seu rosto foi-se tornado cada vez mais inconsolável à medida que o seu smartphone lhe ia dando alertas sobre o surpreendente desenvolvimento de um jogo para a Liga Europa dos leões com os modestos albaneses do Skënderbeu. A equipa de Alvalade perdeu 3-0.