Medida insólita no congresso de Mafra

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Ontem, o congresso do PSD decidiu institucionalizar o delito de opinião. A proposta de um ex-presidente do partido, Pedro Santana Lopes, foi aprovada em Mafra e prevê a aplicação de sanções - que podem chegar à expulsão - a quem, nos 60 dias anteriores a um acto eleitoral, diga mal da direcção do PSD. "Acho bem", comentou Manuela Ferreira Leite, a líder cessante. Ao mesmo tempo, Pedro Passos Coelho, Paulo Rangel e José Pedro Aguiar-Branco demarcavam-se (e bem) quase de imediato desta decisão.

Na véspera, o País tinha assistido ao desfile de ex-líderes como Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e, até, o próprio Santana Lopes, a apelarem à unidade interna. Mas o que ontem aconteceu é bem a demonstração da enorme distância a que o partido está da unidade. Esta não se impõe por decreto ou normas estatutárias. Quando se chega a este ponto é porque a unidade ou não existe ou é falsa.

Por outro lado, o mesmo partido que anda há dois anos a pregar contra a "asfixia democrática" e os atropelos à liberdade de expressão põe em causa um saudável e valioso património de liberdade e pluralismo de ideias, aprovando esta deriva quase soviética de imposição do silêncio. Felizmente que todos os candidatos, sem excepção, repudiaram esta norma. Resta-nos agora esperar que sejam coerentes e, uma vez eleito o próximo presidente do PSD, revogue com urgência a "lei da rolha", que nunca deveria ter sido convocada para Mafra.

Concentrar no essencial

Aprovado que está o Orçamento do Estado para 2010, dispõe o Executivo da principal ferramenta de governação dos próximos nove meses. A apresentação, hoje, ao Parlamento do Programa de Estabilidade e Crescimento abre formalmente o período de discussão até à sua aprovação e envio a Bruxelas. As suas linhas orientadoras já são conhecidas e, se a sua divulgação se destinou a tomar o pulso aos interlocutores políticos, sociais e financeiros, dentro e fora do País, o resultado é neutro. Ninguém se pôs em bicos de pés, afirmando que este PEC não é credível, mas também não houve um coro de elogios rasgados - com a excepção importante da OCDE. Este ponto morto tem toda a justificação: faltam naquelas nove páginas do resumo os detalhes, quer para as diversas etapas da estabilização financeira quer para as medidas de estímulo ao crescimento económico num contexto envolvente particularmente pouco entusiasmante.

Apurar o grau de concretização da estratégia é, em si mesmo, dar um forte sinal aos mercados daquilo que se pretende alcançar e, simultaneamente, quem se pretende mobilizar para esse efeito. Voltamos, assim, ao essencial: Portugal sofreu nos últimos dias várias réplicas do terramoto que perpassa pela recomposição do peso económico dos diversos continentes. Não houve progressos na produtividade e a abertura da economia é insuficiente, bem como a quantidade e a qualidade dos bens e serviços transaccionáveis.

Estas debilidades só se superam aplicando capital. E a confiança para um nível reforçado de investimento - investimento directo estrangeiro, investimento das grandes empresas, investimento das PME - só se consegue com previsibilidade entre o poder político e os diversos poderes económicos. Já é tempo de uma concertação tenaz, sem espectáculo, consistente, continuada, ir removendo os obstáculos, um a um, que travam o fluxo de capitais em novos projectos, em novas ideias, em novos processos produtivos.

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