Médicos recusam fazer horas extra acima das 200 por ano

Cortes de 50% do valor pago por hora está na origem dos pedidos. Serviço de urgência será o mais afetado e o que irá levar os hospitais a recorrer ainda mais a prestações de serviço
Publicado a
Atualizado a

Pelo menos 150 médicos já entregaram o documento onde se recusam a fazer horas extraordinárias além das inscritas na lei. Está previsto que os clínicos façam 200 horas extra por ano, realizadas fundamentalmente nas urgências, mais 50 que a restante função pública. A recusa está criar dificuldades na organização de escalas das urgências em alguns hospitais. Esta decisão surge porque se manteve o corte de 50% no valor das horas extra no Orçamento de Estado deste ano. A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) pediram uma reunião de urgência com o Ministério da Saúde para debater esta questão e a renegociação dos salários.

Tem sido o SIM a fazer a maior pressão para que as horas extra sejam novamente pagas a 100%. "Estamos a pedir aos médicos que entreguem até ao final do mês as minutas para recusa de realização de mais horas extra além das 200. Numa semana mais de 150 médicos já entregaram os pedidos. Há hospitais onde já não está a ser possível fazer escala de urgência para outubro com os profissionais do SNS. Nas áreas de cirurgia, medicina interna e anestesia. Mais de 50% dos médicos já atingiram as 200 horas extra", disse ao DN Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do SIM.

São as urgências que consomem mais horas extra e com menos médicos será mais difícil organizar escalas para garantir o número necessário de clínicos para as equipas. A solução são as prestações de serviço, nem sempre fáceis de assegurar e que já deixaram vários hospitais sem resposta.

Os efeitos já se sentiram no Centro Hospitalar do Baixo Vouga, que inclui Aveiro, onde seis médicos do serviço de cirurgia entregaram as minutas de recusa de mais horas de urgência. "Para ultrapassar este obstáculo auscultámos o CHUC [hospitais da Universidade de Coimbra] no sentido de perceber se no âmbito da partilha de recursos havia a possibilidade de nos serem facultados cirurgiões que pudessem integrar a nossa escala de urgência. Não tendo sido possível (até porque, o CHUC realizou-nos pedido idêntico), partimos para a contratação de prestações de serviços, agora muito mais facilitada com a possibilidade aberta pelo ministério de contratações diretas e não, como acontecia no passado, através de empresas. Estamos certos de que os constrangimentos causados por esta situação concreta serão rapidamente ultrapassados", explicou o centro hospitalar. O DN contactou ainda o Centro Hospitalar de Leiria que disse ter recebido uma recusa, o que não criou dificuldades em organizar escalas e a Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano que disse não ter conhecimento de recusas e que tem a escala de outubro feita. Foram enviadas questões ao Ministério da Saúde que não respondeu até ao fecho desta edição.

Nas contas do SIM, um médico em início de carreira que faça uma hora extra em horário diurno recebe mais 1,98 euros. Já um assistente graduado sénior recebe 2,91. O tema volta a ganhar força quando se inicia a discussão para o Orçamento de Estado de 2017. "O ministério assumiu o compromisso de resolver o pagamento das horas extras no próximo orçamento. Se as chamadas de atenção dos médicos não resultarem e se não houver essa concretização, os médicos serão obrigados a recorrer à greve", adiantou Jorge Roque da Cunha.

Quando o Orçamento de 2016 foi aprovado, em março, a FNAM deu conta do descontentamento: "A previsível rutura dos efetivos das escalas de urgência e o crescimento acentuado do número de médicos que irão abandonar essas escalas por via das disposições legais, são desde já um alerta que fazemos com a devida antecedência". Merlinde Madureira, presidente da FNAM, desconhece pedidos de minutas, mas sabe que alguns médicos queixaram-se por incumprido o limite. "Enquanto a gestão dos hospitais não for clarificada, não vamos a lado nenhum. O SNS precisa de uma estrutura sólida que atraia os profissionais. Queremos que as horas extra sejam pagas, mas o ponto de fundo é a revisão salarial. Há um mau reconhecimento do Estado do valor dos profissionais em termos salariais. Esta é a altura para discutir", afirma, sem colocar a hipótese de greve.

Alexandre Lourenço, presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, defende a criação de equipas médicas dedicadas às urgências: "Não é possível ter um modelo de urgência que cria distorções tão grandes nos hospitais que praticamente fica tudo centrado na urgência em detrimento da atividade programada. Além de ter maior risco de burnout [esgotamento] para os médicos. Temos de criar equipas dedicadas. Compreendo que nos hospitais onde foi feito, os profissionais tiveram um ajustamento salarial. Estamos disponíveis para discutir soluções. As empresas são um remendo, não resolvem nem asseguram qualidade de serviço. Espero que não cheguemos a uma situação de rutura. Os custos com as horas extra até julho aumentaram 7,2% em comparação com o período homólogo. estão em 164 milhões de euros".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt