Médicos especialistas em urgência e equipas fixas melhoravam organização de serviços e atendimento
Há mais de 20 anos que um grupo de médicos defende a criação de uma nova especialidade: medicina de urgência e emergência. Há dois anos, este grupo juntou-se e criou a Sociedade Portuguesa Medicina de Urgência e Emergência. E, agora, acredita que o objetivo pelo qual lutam há tanto tempo pode estar mais perto de alcançar. Ontem mesmo, a Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência e Emergência foi ao Parlamento explicar aos deputados a importância da especialidade e como esta poderá ajudar na resolução do problema crónico de falta de médicos nas urgências - situação que tem vindo a a encerrar alguns serviços de unidades de norte a sul do país, desde o início de junho, e que se deverá prolongar durante o verão. O "feedback foi muito positivo", afirmou ao DN a presidente da SPMUE, Adelina Pereira. Agora, resta esperar-lhes pela decisão final, que deve ser trabalhada entre Ordem dos Médicos, a quem compete a discussão sobre a necessidade da sua criação, e Ministério da Saúde.
Segundo explicou ao DN, a Ordem nomeou um grupo de trabalho que elaborou um relatório sobre a criação da especialidade em Medicina de Urgência, que foi entregue ao Conselho Nacional que está a analisar a proposta para posterior envio à Assembleia dos Representantes, órgão máximo que define as especialidades.
"Sabemos que o Sr. bastonário se mostrou favorável e a ministra também à criação da especialidade e só isso é uma excelente notícia. Faz-nos acreditar que poderemos estar mais perto da concretização deste objetivo", salientou ontem a especialista de Medicina Interna, que sempre preferiu o lado da medicina de urgência e emergência.
Mas esta questão é ainda mais importante agora pela situação que se vive no SNS, porque "pode ajudar na resolução da falta de médicos nas urgências", embora refira: "Não resolve tudo, mas resolve uma parte, que é a parte das pessoas, que são fundamentais. Portanto qualquer processo de mudança ou de reforma no SNS também terá de passar pela formação e organização dos serviços".
A presidente da SPMUE - que manifestou ao DN ter ficado muito satisfeita com a audição no Parlamento, "sentimos que fomos ouvidos. Os deputados tinham questões muito concretos sobre a necessidade de uma especialidade como esta, mas o verdadeiro impacto da reunião só o saberemos quando for necessário algum "in put" para a concretização deste objetivo" - é muito simples explicar a importância de uma especialidade na área da urgência e emergência.
"Em primeiro lugar, e sou muito honesta nesta questão, pela qualidade do serviço que se pode prestar. A urgência é um serviço crítico, com doentes agudos, e quem lá está tem de ter uma capacidade de decisão rápida para dizer se um doente vai para casa ou se fica no serviço".
Portanto, "em termos de qualidade e de segurança do serviço prestado ao utente melhoraria muito". Em segundo lugar, e porque "são médicos diferenciados que ali estão todos os dias, a organização e os tempos de espera também melhorariam". Por último, os serviços de urgência passariam a ter "equipas fixas, com especialistas do próprio serviço, não havendo a necessidade de estar a consumir recursos de outras especialidades que além da urgência tem os seus serviços".
No entanto, salvaguarda, "não quer isto dizer que estamos a tirar outras especialidades das urgências. Não estamos cá para isso. Esta especialidade permitirá reduzir a necessidade de deslocar mais especialistas de outros serviços".
Como explica Adelina Pereira, "os serviços de urgência sobrevivem apenas com dois tipos de médicos, os não especialistas, que podem ser contratados à hora e com os quais não há qualquer compromisso de gestão de férias ou de folgas, e com os especialistas dos diferentes serviços hospitalares, que prestam serviço por turnos um dia ou dois por semana, consoante as necessidades, ou com aqueles gostam de fazer urgência e que almejam a especialidade. Mas este tipo de equipa é manifestamente insuficiente em número e em formação. Se tivermos um grupo de pessoas cujo serviço e local de trabalho é a urgência vamos conseguir ganhos de diferentes tipos".
Sublinhando: "Ao termos médicos com diferenciação em medicina de urgência e emergência, que terão cinco anos de formação, iremos precisar de muito menos gente das outras especialidades. Em vez de termos um serviço com quatro a cinco especialistas, cirurgiões ortopedistas ou outros e internistas, alocados à urgência 24 horas, que depois têm de descansar oito horas e não estão nos seus serviços a fazer consulta ou cirurgias, teremos três, e especialistas com formação em doentes agudos, traumatizados em tudo um pouco".
A presidente da SPMUE volta a referir que a criação da especialidade não vem retirar ninguém da urgência, mas a diminuir a necessidade de especialistas de outros serviços. Por exemplo, no caso dos internistas, assumindo que a criação da especialidade é um problema para alguns, "há sempre resistência à mudança", "esta área cresceu tanto nos últimos anos que os médicos já não fazem só consultas, enfermaria ou urgência. Hoje, estão em equipas de paliativos, de hospitalização domiciliária, ambulatório, etc. Há muitos outras áreas para a Medicina Interna. A urgência é um dos serviços que mais recursos consome a esta especialidade". Daí, dizer que não resolve tudo mas resolve uma parte no que toca à falta de recursos humanos no SNS.
Questionada sobre se o processo de criação da especialidade fosse rápido e se já haveria médicos em condições de obterem a especialidade, Adelina Pereira explica que sim. "Os primeiros a ter a especialidade seriam os médicos que sempre têm trabalhado nesta área e que adquiriram formação pela prática. A especialidade seria atribuída por consenso, porque o primeiro interno a formar-se ainda levará algum tempo, mais de cinco anos que é o tempo que leva a fazer a especialidade".
Quanto mais tempo se levar a decidir, "mais tempo se perde", destaca. A verdade é que Portugal integra o grupo de quatro países dos 27 da União Europeia que não têm a especialidade de urgência. Na mesma situação estão a Áustria, Chipre e a Espanha, que já tem a especialidade no setor militar, indo avançar no setor civil já este ano, estando "muito perto de alcançar esse objetivo", disse ao DN. A nível mundial a especialidade já existe em 87 países.
"No dia 27 de maio, que é o Dia Internacional da Urgência, lançámos uma petição de apoio à criação da especialidade que reuniu em pouco tempo quase 1800 assinaturas de médicos de várias especialidades. Isto significa que as urgências são um problema que nos preocupa a todos", argumentou a especialista.
Numa altura em que a falta de médicos se agrava a cada verão, a cada inverno ou durante uma pandemia "é importante que se façam reformas e melhorias a pensar na organização dos serviços".