May promete sonho em discurso de pesadelo num partido dividido

Primeira-ministra foi interrompida por humorista que lhe entregou carta de despedimento no fecho do Congresso dos Tories.
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Tosse, falta de voz, um rebuçado oferecido pelo ministro das Finanças, uma interrupção por um humorista que lhe entregou uma carta de despedimento e letras que caíram do cenário azul. Theresa May bem pode ontem ter prometido aos eleitores o "sonho britânico", mas o discurso da primeira-ministra mais pareceu o pesadelo de qualquer político, no encerramento do Congresso do Partido Conservador, em Manchester. Uma reunião para a qual os potenciais candidatos à sucessão de May afiaram as facas mas onde guardaram a ambição no bolso em nome da união do partido.

Procurando afastar os Tories da imagem de partido do brexit, May apostou na política interna. E apresentou propostas para impor um teto aos preços da energia, colocando 17 milhões de famílias ao abrigo das taxas variáveis; prometeu investir dois mil milhões de libras em habitação social e anunciou a revisão da Lei da Saúde Mental.

Assumindo a culpa pelo mau resultado nas eleições antecipadas de junho - que convocou para reforçar a sua posição antes de negociar o brexit com a UE e nas quais os Tories perderam a maioria absoluta -, May adotou um tom bastante pessoal. Admitindo não ter "as emoções à flor da pele" e nem se importar que lhe chamem a "princesa de gelo", a segunda mulher a liderar um governo britânico (depois de Margaret Thatcher) deu a avó, empregada doméstica cujos netos são agora professores e uma até primeira-ministra, como exemplo do sonho britânico que a inspira. No poder desde julho de 2016 - na sequência da demissão de David Cameron após a vitória do brexit no referendo do mês anterior -, May saudou o serviço nacional de saúde (NHS, na sigla em inglês) pela forma como a apoiou quando foi diagnosticada com diabetes. E voltou a confiar a "imensa tristeza" por não poder ter filhos, sublinhando acreditar que "a vida devia ser melhor para a próxima geração tanto quanto uma mãe, um pai ou uns avós".

Contrapondo a sua defesa do capitalismo ao socialismo do líder trabalhista Jeremy Corbyn, May terminou a intervenção pedindo o fim das lutas internas no partido, referindo o "dever para com o Reino Unido" de mudar o foco da discussão dos empregos dos seus ministros para os dos britânicos.

Nos últimos dias, 12 membros do governo criticaram o ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, depois de este ter ter escrito um artigo de opinião e dado uma entrevista a traçar as suas "linhas vermelhas" para as negociações do brexit. Uma atitude vista como uma forma de minar a autoridade de May.

Concurso de beleza

Segundo o The Guardian, muitos esperavam que o Congresso dos Tories fosse uma espécie de "concurso de beleza" em que os candidatos à sucessão de May aproveitariam o discurso para se posicionarem na corrida. Mas a verdade é que até Boris Johnson, no seu "Discurso do Leão", sublinhou a "união" de todo o gabinete - apesar de ter sido alvo de críticas de vários colegas. Primeiro devido às suas declarações sobre o brexit, depois por ter afirmado que Sirte, na Líbia, até é um sítio perfeito para o turismo se "afastar os cadáveres". Palavras que lhe valeram apelos à demissão, inclusive entre os conservadores.

Com May debilitada pelo mau resultado de junho, são vários os nomes que foram falados pelos media britânicos para lhe suceder na liderança dos Tories: do próprio Boris a David Davis ou Philip Hammond, os ministros do brexit e das Finanças, respetivamente, até ao deputado Jacob Rees-Mogg, cuja popularidade tem sido comparada à de Corbyn junto às bases do Labour.

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