May oferece segundo referendo para ver aprovado novo acordo do Brexit
Theresa May ofereceu hoje uma última oportunidade para fazer aprovar um acordo do Brexit na Câmara dos Comuns. Falando num evento empresarial, em Londres, a primeira-ministra britânica, do Partido Conservador, começou por passar em revista o que tem acontecido desde o referendo de 23 de junho de 2016 até hoje.
"Há três anos que me tornei primeira-ministra. O meu objetivo era - e é - fazer acontecer o Brexit. Levar o meu país para além da divisão do referendo. Esse é um objetivo que penso ainda unir o nosso país. Eu sabia que fazer acontecer o Brexit não ia ser fácil. Mas revelou-se mais difícil do que eu imaginava. Ainda acho que um Brexit com acordo é a melhor maneira. Fiz de tudo para conseguir que o acordo fosse aprovado. Fiz as mudanças que os deputados queriam, ofereci-me para sair do meu cargo mais cedo, mas não foi suficiente. Foi então que decidi realizar negociações com os partidos, mas estas negociações, passadas seis semanas, não foram suficientes para o Labour chegar a um acordo connosco."
Hoje, notou num discurso intitulado "Um novo acordo do Brexit: encontrar um consenso no Parlamento", "ofereço um novo acordo do Brexit. Este governo vai criar uma obrigação legal para o governo encontrar alternativas ao backstop, até dezembro de 2020, de maneira a que nunca seja usado. Se o backstop entrar em vigor a Grã-Bretanha continuará alinhada com a Irlanda do Norte. Este novo acordo do Brexit contém alterações significativas para respeitar a integridade económica e territorial do Reino Unido. Este novo acordo tem de ter o apoio de uma vasta maioria de partidos".
May declarou que a nova lei irá garantir os direitos dos trabalhadores tão bem, ou até melhor, do que a legislação da UE. Haverá um novo departamento para manter os níveis ambientais e, frisou, "não haverá alterações nos níveis de proteção ambiental assim que sairmos da UE". A nova lei irá obrigar o governo a manter um comércio de bens em linha com o da UE, mesmo fora do mercado único e após o fim da liberdade de circulação. May prometeu ainda que o Reino Unido "se manterá alinhado com as regras da UE para os produtos agrícolas e agropecuários". "A área mais difícil é a da união aduaneira", admitiu, dizendo que o governo vai deixar o Parlamento decidir sobre se quer ou não ficar numa união aduaneira com a UE. De forma temporária, esclareceu, quando questionada pelos jornalistas sobre o carácter dessa união aduaneira.
"Também ouvi as preocupações daqueles que querem um segundo referendo. Não acredito que devemos ir por esse caminho. Devemos cumprir o que as pessoas disseram no primeiro referendo e não fazê-las votar num segundo referendo. Mas o governo aceitou introduzir um requerimento sobre um segundo referendo", declarou a chefe do governo, esclarecendo que a nova lei incluirá um requerimento para abrir a porta a se deve ou não haver um segundo referendo. Questionada por um dos jornalistas presentes na sala sobre se um voto dos deputados favorável a um referendo significa que eles vão ter mesmo um segundo referendo se o aprovarem? May respondeu que cabe aos deputados definir os progressos da legislação de retirada no Parlamento.
Terá de haver procedimentos legais para assegurar que as alterações contidas neste novo acordo alteram a declaração política, realçou May. "Todos estes compromissos serão garantidos por lei - para que possam perdurar pelo menos durante esta legislatura", sublinhou a primeira-ministra, recusando comentar aos jornalistas a sua demissão em caso de não aprovação do novo acordo. E os seus possíveis sucessores. Na frente da corrida está o brexiteer Boris Johnson, seu ex-ministro dos Negócios Estrangeiros.
A líder do Partido Conservador avisou que os deputados que votarem contra o seu novo acordo estarão a rejeitar o Brexit. "Mas se, por outro lado, os deputados aprovarem este acordo, então o Brexit pode ser levado a bom porto", realçou, lançando um apelo aos parlamentares: "Eu comprometi-me. Agora peço-vos que se comprometam também." May indicou que irá ser publicada a sua nova proposta de lei e que, nesta quarta-feira, irá discuti-la com o Parlamento. "Peço-vos que olhem para os detalhes contidos nesta lei." Ao todo, foram dez os compromissos de alteração ao acordo atual apresentados nesta tarde pela líder britânica.
Antes de fazer este discurso, May, sucessora de David Cameron no n.º 10 de Downing Street, esteve reunida nesta manhã com o seu governo, durante três horas, tendo garantido o acordo do mesmo para apresentar uma nova proposta de saída da UE, para a qual ela espera finalmente conseguir aprovação do Parlamento. Isto depois de ter garantido ao seu Partido Conservador que pretende abandonar o cargo no início do próximo mês de junho, ou seja, logo que o acordo do Brexit seja submetido a uma quarta tentativa de aprovação na Câmara dos Comuns. "Isso são notícias da semana passada", disse, quando instada a comentar a sua saída do poder por uma das jornalistas presentes.
Numa primeira reação, Ian Duncan Smith, ex-líder dos Tories, citado pela Sky News, disse: "Não vejo que tenhamos recuperado o controlo sobre o que quer que seja. O backstop continua lá, é uma união aduaneira em tudo menos no nome e deixa Bruxelas no controlo do nosso destino. Não há nada de verdadeiramente novo neste mau buffet de opções de Brexit. Numa altura em que as pessoas estão a desertar dos principais partidos, é esta a resposta da primeira-ministra, numa tentativa de tudo fazer para desafiar aquele que foi o resultado do referendo. Hoje o governo passou do recuperar o controlo para o devolver o controlo."
Respondendo ao discurso de May, sem esperar para ver os detalhes, Corbyn indicou de imediato que o Labour não apoiará este novo acordo. "Não podemos apoiar esta legislação porque ela é, basicamente, uma reedição do que já foi discutido antes", declarou o líder trabalhista, aos jornalistas britânicos. "Em elementos-chave - alfândegas, alinhamento [com a UE] na proteção ambiental e no alinhamento com os mercados - aquilo que a primeira-ministra chama o seu novo acordo do Brexit é, efetivamente, um reembrulhar do velho e mau acordo, que já foi rejeitado três vezes pelo Parlamento."
O Partido Democrático Unionista da Irlanda do Norte, DUP, de quem May dependia para chegar a maiorias na Câmara dos Comuns, considera, por seu lado, que existem "falhas fundamentais" no acordo de retirada que permanecem lá, mesmo depois do discurso de May. "Vamos analisar a legislação quando ela for publicada, mas as falhas fundamentais do tratado sobre o acordo de retirada permanecem, em si mesmas, inalteradas", declarou Nigel Dodds, líder parlamentar dos unionistas da Irlanda do Norte. Segundo avança o jornal Guardian, por causa da sua intenção de permitir que os deputados decidam sobre um segundo referendo ao acordo do Brexit, May arrisca-se a perder o apoio de vários Tories, tendo alguns deles começado a dar sinais, logo no imediato, a quente, de que pretendem abandoná-la nesta última batalha.
Também na campanha People's Vote houve pouco entusiasmo com a oferta de May de um segundo referendo. Num comunicado, a deputada do Labour Margaret Beckett, que apoia o movimento por uma nova consulta aos cidadãos, declarou: "A última tentativa da primeira-ministra para forçar a aprovação do seu acordo tem ainda menos hipóteses de ser bem-sucedida do que as anteriores. Os deputados devem desconfiar das ofertas feitas por uma primeira-ministra que está prestes a demitir-se e será provavelmente substituída por alguém da linha dura. Seria muito perigoso votar um acordo de saída da União Europeia sem ter uma ideia clara do nosso destino final - um Brexit às cegas que só iria prolongar a incerteza das famílias, das empresas e do Parlamento."
Vince Cable, líder do Partido Liberal-Democrata, que nalgumas sondagens para as europeias aparece como o segundo partido com mais intenções de voto, a seguir ao Partido do Brexit de Nigel Farage, afirmou: "A última tentativa da primeira-ministra de ver o seu acordo de retirada aprovado nos Comuns sem um referendo confirmatório anexo está condenada ao fracasso. A sua autoridade está a esfumar-se. A menos que - e enquanto não o fizer - o governo aceite que um voto popular tem de estar na legislação, ela não terá o nosso apoio."
O acordo do Brexit, negociado entre May e a UE 27, já foi votado - e chumbado - três vezes - duas delas de forma vinculativa. A 15 de janeiro, 432 deputados votaram contra o acordo, 202 a favor e um absteve-se. A 12 de março, 391 eleitos votaram contra o acordo, 242 a favor e um absteve-se. A 29 de março, 344 votaram contra, 286 a favor, quatro abstiveram-se. Como é possível ver, o número de votos contra foi diminuindo ligeiramente, entre acordos de bastidores e dissidências nos dois maiores partidos: os Conservadores de Theresa May e os Trabalhistas de Jeremy Corbyn.
O pomo da discórdia foi - e mantém-se - o ponto do backstop, ou seja, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após a saída do Reino Unido da UE. Recorde-se que, no referendo de 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos votaram a favor do Brexit e 48% contra o Brexit. Mediante a ausência de maioria parlamentar e de um acordo Conservadores-Trabalhistas - as negociações entre Tories e Labour foram dadas como terminadas no passado dia 17 de maio pelo próprio Corbyn - a UE 27 aceitou adiar o Brexit.
Inicialmente previsto para 29 de março, foi adiado, através de uma primeira extensão do artigo.º 50. Essa reagendou o Brexit para 12 de abril ou 22 de maio. Como não houve consenso no Parlamento, houve uma segunda extensão, que permitiu adiar novamente o Brexit, em última análise, até 31 de outubro, como uma revisão do processo em junho. Os britânicos terão por isso de participar nas eleições para o Parlamento Europeu, já esta quinta-feira, podendo os eurodeputados eleitos assumir ou não os seus lugares em Bruxelas e Estrasburgo. Tudo depende de se, entretanto, há Brexit ou não.