May diz que se demite depois do Brexit
Theresa May ofereceu hoje a sua demissão depois de estar concluído o Brexit. A primeira-ministra britânica deixou esta garantia numa reunião esta tarde com os deputados do Partido Conservador no chamado comité 1922, avançam media britânicos como a Sky News e o jornal Guardian
A chefe do governo afirmou que deixará o poder quando houver acordo aprovado para uma saída dos britânicos do clube europeu. Sem apresentar uma data concreta. Assim, já não seria ela a liderar a segunda fase das negociações, ou seja, a parte relativa à nova relação entre o Reino Unido e a União Europeia.
"Escutei muito claramente o que me quis transmitir o partido no Parlamento. Eu sei que há um desejo de uma nova abordagem - uma nova liderança - na segunda fase das negociações do Brexit - e eu já não estarei aqui para isso. Sei que muitos estão preocupados de que se votarem no acordo de retirada eu verei nisso um mandato para passar à fase seguinte sem o debate que precisamos de ter. Não o farei - escutei o que me quiseram transmitir", afirmou a primeira-ministra.
May recordou: "Mas precisamos de aprovar o acordo do Brexit e levar o Brexit a bom porto". E garantiu aos deputados Tories no comité 1922: "Estou pronta para deixar este cargo mais cedo do que tencionava para fazer o que é certo para o nosso país e para o nosso partido. Peço a todos nesta sala para apoiarem o acordo para que possamos completar o que é o nosso dever histórico - levar a bom porto a decisão do povo britânico de deixar a União Europeia de forma ordeira".
Na segunda-feira, na câmara dos Comuns, perante todos os deputados, May admitiu não haver ainda uma maioria para submeter o acordo do Brexit a uma nova votação. Este já foi rejeitado duas vezes, uma a 15 de janeiro, outra a 12 de março.
O pomo da discórdia tem sido o ponto do backstop, ou seja, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após o Brexit. A UE27, em apoio à Irlanda, recusa fazer mais cedências neste ponto. Os brexiteers radicais do Partido Conservador e o Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP) eram quem mais exigia essas alterações ao backstop.
Atualmente, enquanto o DUP continua reticente em apoiar o acordo de May, os brexiteers radicais estão mais abertos a fazê-lo, pois antes preferem esse acordo para o Reino Unido sair da UE a um Brexit soft que possa surgir com uma extensão longa do Artigo 50.º
Citada por Pippa Crerar, Pauline Latham, uma brexiteer, indicou que, após o anúncio feito esta tarde por May, está disposta a votar a favor do acordo do Brexit. "Sinto-me aliviada", declarou a deputada, citada pela editora de politica do jornal Daily Mirror.
À saída da reunião do comité 1922, Jacob Rees-Mogg, líder dos conservadores brexiteers radicais, disse que não vai festejar o fim da carreira política de May, mas adiantou que, para ele, a abstenção dos deputados do DUP seria suficiente para apoiar agora o acordo do Brexit, reporta Carl Dinnen, jornalista de política da ITV News. "Se o DUP se abstiver isso será suficiente para mim, sim. Sinto-me no direito de apoiar [o acordo]. Se o DUP continuar a ser contra o acordo então não o poderei apoiar", declarou Mogg, colocando agora toda a pressão no partido liderado por Arlene Foster.
Num comunicado, divulgado esta noite no Twitter de Foster, o DUP informa: "Dado o facto de que são necessárias as alterações que procuramos obter em relação ao backstop nas negociações entre o governo e a UE, e que se mantém o risco estratégico de a Irlanda do Norte ficar encurralada nas provisões do backstop no final do período de implementação, não iremos apoiar o governo se ele submeter um novo voto vinculativo [ao atual acordo do Brexit]". Num outro tweet, o líder parlamentar do DUP, Nigel Dodds, esclareceu que o partido também não vai optar pela abstenção.
Rees-Mogg, líder do think tank eurocético European Research Group (ERG), foi o promotor da tentativa de afastar May do poder, quando apresentou uma moção de censura interna contra ela. Esta foi derrotada a 13 de dezembro. Nesse contexto, a primeira-ministra britânica já tinha prometido aos deputados conservadores demitir-se antes das eleições de 2022, o que significa que não seria ela, nessa altura, a candidata dos Tories. May sobreviveu depois também, a 16 de janeiro, a uma moção de censura apresentada contra o seu governo pelo líder do Labour, Jeremy Corbyn.
Numa reação às notícias saídas da reunião do comité 1922, o líder trabalhista declarou, no Twitter: "A oferta de demissão feita por Theresa May aos deputados se aprovarem o acordo dela mostra, uma vez mais, que tudo nas negociações caóticas dela sobre o Brexit sempre esteve relacionado com a gestão do partido, não com os princípios do interesse público. Uma mudança de governo não poder ser uma mera troca dos Tories entre si, o povo tem que decidir". Corbyn volta, assim, a sugerir que haja eleições antecipadas no Reino Unido.
Segundo o Huffington Post.Uk, também Boris Johnson, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de May, admitiu que está pronto para aprovar o acordo do Brexit. No passado, Johnson, conhecido eurocético que durante anos foi jornalista correspondente em Bruxelas, condicionara esse apoio à remoção do ponto do backstop do acordo. O também ex-presidente da câmara de Londres, que fez campanha pelo Brexit em 2016, chegou mesmo a acusar May de quer "colocar um colete suicida" à volta da Constituição britânica e "entregar o detonador a Bruxelas".
Recorde-se que, por falta de maioria absoluta na câmara dos Comuns, o Partido Conservador depende do apoio dos 10 deputados do DUP para aprovar o que quer que seja. May perdeu a maioria que os conservadores detinham com as eleições antecipadas de 2017, nas quais procurou legitimar-se nas urnas, após suceder a David Cameron no N10 de Downing Street. Cameron, o grande responsável pela aventura do Brexit (mas não o único), demitiu-se depois de, no referendo de 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos terem votado a favor do Brexit e 48% terem votado contra.
A hipótese de o acordo ser votado na sexta-feira, dia 29, data inicial para o Brexit, tem sido alvo de insistentes relatos não confirmados. Entretanto, o speaker da câmara dos Comuns, John Bercow, voltou a avisar hoje May de que não permitirá uma terceira votação do acordo do Brexit se este não sofrer alterações substanciais na sua essência.
A seguir à declaração de hoje de Bercow, o ministro britânico para o Brexit, Stephen Barclay, indicou que o governo vai submeter uma moção para que haja uma sessão na câmara dos Comuns na sexta-feira, para o caso de decidir, entretanto, realizar uma terceira votação ao acordo do Brexit. Não confirmou que é isso que vai acontecer. Mas também não descartou a opção.
Numa altura em que muitos de questionam de que forma é que o acordo do Brexit poderia, subitamente, passar a conter uma alteração substancial, algumas fontes falam na possibilidade de a alteração da data e hora do Brexit poder, só por si, ser considerada uma alteração, contornando, assim, as reticências de Bercow. Mas nada está confirmado.
A câmara dos Comuns, vota também esta tarde, a alteração da data do Brexit, inicialmente prevista para 29 de março, para o dia 12 de abril ou para o dia 22 de maio. Segundo as conclusões do último Conselho Europeu, se houver um acordo do Brexit aprovado até dia 29, o Reino Unido pode sair a 22 de maio. Se não houver um acordo, o Reino Unido tem até 12 de abril para dizer qual é o seu novo plano para resolver o problema do Brexit, ou, caso contrário, há um No Deal Brexit nesse dia às 23.00.
O assunto principal desta quarta-feira no Parlamento britânico deveriam ser os votos indicativos, propostos pelos próprios deputados, havendo oito opções a voto. Mas ao oferecer a sua demissão, May estará a tentar retirar peso ao facto de o Parlamento ter retirado das mãos do governo a iniciativa no processo do Brexit.