May diz que se demite depois do Brexit

Primeira-ministra deu esta garantia esta tarde aos deputados do Partido Conservador numa reunião do comité 1922. Ministro do Brexit disse que governo vai apresentar moção para haver sessão parlamentar na sexta-feira, dia 29, mas não desvendou se isso servirá ou não para levar, de novo, a votos, o acordo sobre a saída do Reino Unido da UE
Publicado a
Atualizado a

Theresa May ofereceu hoje a sua demissão depois de estar concluído o Brexit. A primeira-ministra britânica deixou esta garantia numa reunião esta tarde com os deputados do Partido Conservador no chamado comité 1922, avançam media britânicos como a Sky News e o jornal Guardian

A chefe do governo afirmou que deixará o poder quando houver acordo aprovado para uma saída dos britânicos do clube europeu. Sem apresentar uma data concreta. Assim, já não seria ela a liderar a segunda fase das negociações, ou seja, a parte relativa à nova relação entre o Reino Unido e a União Europeia.

"Escutei muito claramente o que me quis transmitir o partido no Parlamento. Eu sei que há um desejo de uma nova abordagem - uma nova liderança - na segunda fase das negociações do Brexit - e eu já não estarei aqui para isso. Sei que muitos estão preocupados de que se votarem no acordo de retirada eu verei nisso um mandato para passar à fase seguinte sem o debate que precisamos de ter. Não o farei - escutei o que me quiseram transmitir", afirmou a primeira-ministra.

May recordou: "Mas precisamos de aprovar o acordo do Brexit e levar o Brexit a bom porto". E garantiu aos deputados Tories no comité 1922: "Estou pronta para deixar este cargo mais cedo do que tencionava para fazer o que é certo para o nosso país e para o nosso partido. Peço a todos nesta sala para apoiarem o acordo para que possamos completar o que é o nosso dever histórico - levar a bom porto a decisão do povo britânico de deixar a União Europeia de forma ordeira".

Na segunda-feira, na câmara dos Comuns, perante todos os deputados, May admitiu não haver ainda uma maioria para submeter o acordo do Brexit a uma nova votação. Este já foi rejeitado duas vezes, uma a 15 de janeiro, outra a 12 de março.

O pomo da discórdia tem sido o ponto do backstop, ou seja, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após o Brexit. A UE27, em apoio à Irlanda, recusa fazer mais cedências neste ponto. Os brexiteers radicais do Partido Conservador e o Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP) eram quem mais exigia essas alterações ao backstop.

Atualmente, enquanto o DUP continua reticente em apoiar o acordo de May, os brexiteers radicais estão mais abertos a fazê-lo, pois antes preferem esse acordo para o Reino Unido sair da UE a um Brexit soft que possa surgir com uma extensão longa do Artigo 50.º

Citada por Pippa Crerar, Pauline Latham, uma brexiteer, indicou que, após o anúncio feito esta tarde por May, está disposta a votar a favor do acordo do Brexit. "Sinto-me aliviada", declarou a deputada, citada pela editora de politica do jornal Daily Mirror.

À saída da reunião do comité 1922, Jacob Rees-Mogg, líder dos conservadores brexiteers radicais, disse que não vai festejar o fim da carreira política de May, mas adiantou que, para ele, a abstenção dos deputados do DUP seria suficiente para apoiar agora o acordo do Brexit, reporta Carl Dinnen, jornalista de política da ITV News. "Se o DUP se abstiver isso será suficiente para mim, sim. Sinto-me no direito de apoiar [o acordo]. Se o DUP continuar a ser contra o acordo então não o poderei apoiar", declarou Mogg, colocando agora toda a pressão no partido liderado por Arlene Foster.

Num comunicado, divulgado esta noite no Twitter de Foster, o DUP informa: "Dado o facto de que são necessárias as alterações que procuramos obter em relação ao backstop nas negociações entre o governo e a UE, e que se mantém o risco estratégico de a Irlanda do Norte ficar encurralada nas provisões do backstop no final do período de implementação, não iremos apoiar o governo se ele submeter um novo voto vinculativo [ao atual acordo do Brexit]". Num outro tweet, o líder parlamentar do DUP, Nigel Dodds, esclareceu que o partido também não vai optar pela abstenção.

Rees-Mogg, líder do think tank eurocético European Research Group (ERG), foi o promotor da tentativa de afastar May do poder, quando apresentou uma moção de censura interna contra ela. Esta foi derrotada a 13 de dezembro. Nesse contexto, a primeira-ministra britânica já tinha prometido aos deputados conservadores demitir-se antes das eleições de 2022, o que significa que não seria ela, nessa altura, a candidata dos Tories. May sobreviveu depois também, a 16 de janeiro, a uma moção de censura apresentada contra o seu governo pelo líder do Labour, Jeremy Corbyn.

Numa reação às notícias saídas da reunião do comité 1922, o líder trabalhista declarou, no Twitter: "A oferta de demissão feita por Theresa May aos deputados se aprovarem o acordo dela mostra, uma vez mais, que tudo nas negociações caóticas dela sobre o Brexit sempre esteve relacionado com a gestão do partido, não com os princípios do interesse público. Uma mudança de governo não poder ser uma mera troca dos Tories entre si, o povo tem que decidir". Corbyn volta, assim, a sugerir que haja eleições antecipadas no Reino Unido.

Segundo o Huffington Post.Uk, também Boris Johnson, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de May, admitiu que está pronto para aprovar o acordo do Brexit. No passado, Johnson, conhecido eurocético que durante anos foi jornalista correspondente em Bruxelas, condicionara esse apoio à remoção do ponto do backstop do acordo. O também ex-presidente da câmara de Londres, que fez campanha pelo Brexit em 2016, chegou mesmo a acusar May de quer "colocar um colete suicida" à volta da Constituição britânica e "entregar o detonador a Bruxelas".

Recorde-se que, por falta de maioria absoluta na câmara dos Comuns, o Partido Conservador depende do apoio dos 10 deputados do DUP para aprovar o que quer que seja. May perdeu a maioria que os conservadores detinham com as eleições antecipadas de 2017, nas quais procurou legitimar-se nas urnas, após suceder a David Cameron no N10 de Downing Street. Cameron, o grande responsável pela aventura do Brexit (mas não o único), demitiu-se depois de, no referendo de 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos terem votado a favor do Brexit e 48% terem votado contra.

A hipótese de o acordo ser votado na sexta-feira, dia 29, data inicial para o Brexit, tem sido alvo de insistentes relatos não confirmados. Entretanto, o speaker da câmara dos Comuns, John Bercow, voltou a avisar hoje May de que não permitirá uma terceira votação do acordo do Brexit se este não sofrer alterações substanciais na sua essência.

A seguir à declaração de hoje de Bercow, o ministro britânico para o Brexit, Stephen Barclay, indicou que o governo vai submeter uma moção para que haja uma sessão na câmara dos Comuns na sexta-feira, para o caso de decidir, entretanto, realizar uma terceira votação ao acordo do Brexit. Não confirmou que é isso que vai acontecer. Mas também não descartou a opção.

Numa altura em que muitos de questionam de que forma é que o acordo do Brexit poderia, subitamente, passar a conter uma alteração substancial, algumas fontes falam na possibilidade de a alteração da data e hora do Brexit poder, só por si, ser considerada uma alteração, contornando, assim, as reticências de Bercow. Mas nada está confirmado.

A câmara dos Comuns, vota também esta tarde, a alteração da data do Brexit, inicialmente prevista para 29 de março, para o dia 12 de abril ou para o dia 22 de maio. Segundo as conclusões do último Conselho Europeu, se houver um acordo do Brexit aprovado até dia 29, o Reino Unido pode sair a 22 de maio. Se não houver um acordo, o Reino Unido tem até 12 de abril para dizer qual é o seu novo plano para resolver o problema do Brexit, ou, caso contrário, há um No Deal Brexit nesse dia às 23.00.

O assunto principal desta quarta-feira no Parlamento britânico deveriam ser os votos indicativos, propostos pelos próprios deputados, havendo oito opções a voto. Mas ao oferecer a sua demissão, May estará a tentar retirar peso ao facto de o Parlamento ter retirado das mãos do governo a iniciativa no processo do Brexit.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt