Maus modelos levam à perpetuação de comportamentos violentos e discriminatórios no desporto

Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto cumpre um ano com interdições recorde. Autoridade quer mudar mentalidades para reduzir casos e apoia ainda a criação de plataformas de denúncia informal e anónimas para atletas. Pandemia deu origem a uma descida drástica dos incidentes.
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O primeiro ano de funcionamento da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) deixou "indicadores muito positivos", apesar de um ano atípico devido à pandemia de covid-19, considerou o presidente daquela entidade. A interrupção, primeiro, e a retoma competitiva sem adeptos nos estádios, depois, acabou por alterar um ano no qual se registou "uma diminuição drástica no número de incidentes" violentos em espetáculos desportivos.

Depois de surgir, "num contexto em que era urgente reduzir o sentimento de impunidade" e num cenário "em que eram quase inexistentes as interdições em recintos desportivos" que eram aplicadas, esta autoridade registou, no final da primeira época, "cerca de duas centenas de interdições de acesso decididas, das quais mais de uma centena já entraram em vigor".

Este número é superior ao somatório de medidas aplicadas desde 2013, quando a medida passou a estar prevista na lei, e até entrar em funcionamento a APCVD. Na última atualização, a APCVD comunicou a interdição de mais dez adeptos, tendo divulgado em agosto a atualização de junho do relatório de atividade, com um total de 106 pessoas impedidas.

O recurso a material pirotécnico e a prática de atos ou incitamento à violência, racismo ou xenofobia são os ilícitos mais recorrentes nos processos decididos. Em 2019-20, o futebol português voltou a assistir a vários episódios de violência ou discriminação, com destaque para os insultos racistas de que foi alvo o avançado maliano do FC Porto Moussa Marega, na visita ao Vitória de Guimarães, em fevereiro.

Por outro lado, e já depois da retoma competitiva sem adeptos nos estádios, após a paragem ditada pela pandemia de covid-19, o autocarro do Benfica foi apedrejado, com vários jogadores feridos, tendo a viatura que transportava a equipa do Sporting de Braga também sido atacada, após deslocação a Paços de Ferreira.

"Casos mais violentos e mais mediatizados existem e continuarão a existir", comentou. Apesar deste papel mais imediato, "há todo um roteiro de transformação de médio e longo prazo" da cultura desportiva no país, encontrando-se a autoridade a "lançar as bases para que se tornem mais efetivas".

O trabalho feito em rede, com parcerias com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público (MP), as forças policiais ou o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), dará "repercussões mais tarde".

Os "maus modelos continuam a ter um espaço de mediatização muitíssimo elevado" dentro do desporto português, levando à perpetuação de comportamentos violentos e discriminatórios, do seio dos clubes a adeptos e até às bases do futebol de formação, segundo o presidente da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto. Para Rodrigo Cavaleiro os modelos ultrapassados de "hostilização e algum populismo" têm de dar lugar a bons exemplos e comportamentos positivos, para não provocarem o efeito cascata.

Os exemplos dados ao mais alto nível, e por isso mais repercutidos na comunicação social, nas redes sociais e na opinião pública, acabam por influenciar o resto do desporto, chegando "a pais de atletas e a atletas muito jovens, em idade muito tenra e com menor capacidade de discernimento, ainda tão permeáveis".

Por isso, é preciso tornar a mensagem de valores e de influência positiva no desporto "apelativa", defendeu o líder da APCVD, para que os mais novos sejam "os agentes das modalidades amadoras", em termos de mudança, e para que os que têm "mais palco mediático" possam "ser os exemplos e os agentes de mudança, e muitos há que já fazem por isso".

Rodrigo Cavaleiro disse ainda que "é difícil estabelecer metas" para começar a ver-se o impacto do trabalho da autoridade, que arrancou em setembro de 2019, até porque "os melhores exemplos têm um histórico e um trabalho por detrás".

Para continuar a trabalhar na "vertente preventiva", isto é, em ações de formação, sensibilização e de consciencialização, começando pelos escalões mais jovens, a APCVD terá um reforço de pessoal, "para este ano ainda", permitindo aumentar a força de trabalho de cerca de 20 pessoas para próximo das três dezenas. Esse recrutamento vai permitir "começar a trabalhar a vertente preventiva, de transformação", e a constituição " de equipas de trabalho que vão ao terreno, que trabalhem com clubes, organizadores de competições e os próprios adeptos".

Este trabalho vai continuar sempre a ser feito em parceria, ressalva, lembrando iniciativas como o projeto Black Lives Matter in Football, criado pela Associação Plano I e apoiado pela rede internacional contra o racismo no desporto Fare Network, ou o recém-criado Observatório Nacional da Violência contra Atletas.

Sobre esta questão, a autoridade tem "pensado na possibilidade" de "aumentar plataformas de denúncia informal" de violência contra atletas, como a que disponibiliza o Observatório, para poder "descobrir o que está para lá da ponta visível do icebergue", para poder ter uma noção mais aproximada da realidade, entre o reporte policial e um estudo "o mais aprofundado possível".

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