Matt Damon foi à China para defender Hollywood
Será que faz sentido definir um filme como A Grande Muralha (estreia hoje) como um dos mais ambiciosos trunfos da produção chinesa para conquistar os mercados internacionais? Como podemos, então, interpretar o facto de a sua estrela ser... Matt Damon?
Além do mais, se este é um fresco histórico sobre os tempos atribulados do imperador Renzong (primeira metade do século XI), como explicar que os inimigos sejam milhares de monstros verdes que mais parecem saídos de um sequela de Alien?
Provavelmente, as respostas a tais interrogações podem organizar-se em torno de duas afirmações tão transparentes quanto complexas. Primeiro que tudo: A Grande Muralha é um dos mais gigantescos projetos já concretizados em contexto chinês - o orçamento de 150 milhões de dólares é o maior de sempre para uma rodagem na China -, embora resulte de um acordo de produção entre o China Film Group (a maior entidade estatal no domínio cinematográfico) e a Legendary Entertainment, companhia sediada em Burbank, centro vital da produção de Hollywood.
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Depois, esta não é uma história da Grande Muralha - uma das maiores construções da humanidade, com mais de oito mil quilómetros de comprimento durante a dinastia Ming (século XIV/XVII) -, mas sim uma abordagem lendária, assumidamente artificiosa, das suas memórias.
Em boa verdade, o que está em jogo é a consolidação e intensificação da presença de Hollywood no mercado chinês. Interpretando um aventureiro que procura essa preciosa e mítica pólvora que poderá vender noutras paragens, Matt Damon (acompanhado por Pedro Pascal, ator chileno da série A Guerra dos Tronos) é, afinal, o enviado simbólico de uma produção americana que não pode prescindir dos rendimentos gerados pelo país que está à beira de se tornar o maior mercado cinematográfico do mundo. Qual? A China, precisamente, esse país onde, ao longo de 2015, surgiram, em média, 22 salas... por dia!
Que seja um veterano como Zhang Yimou (nascido na cidade de Xi"an, em 1950) a assinar a realização de tão ambicioso projeto, eis o que está longe de ser um pormenor secundário. De facto, desde a sua revelação como um dos principais autores da chamada Quinta Geração (com o filme Milho Vermelho, 1987), ele tem sido um dos que mais e melhor têm feito a ponte com conceitos de espetáculo de raiz ocidental - o que, aliás, lhe tem valido ser alvo dos mais diversos ataques e preconceitos.
Será que o filme conseguirá reforçar os laços industriais e comerciais entre os dois países? É cedo para tirar conclusões... Uma coisa é certa: a exuberância visual (e sonora!) de A Grande Muralha ilustra as singularidades da globalização em que vivemos - este é um filme cuja pátria é o espetáculo e os prazeres da sua mitologia.